Livro dos Novos

livro dos novosQuem viu meu post da semana passada dizendo que não teríamos mais resenhas esse ano pode estranhar essa entrada de segunda-feira que trata de mais um livro. Mas veja, ceci n’est pas une resenha. É uma mistura de artigo e autopromoção. Aviso desde já porque quem não gosta desse tipo de coisa pode abandonar o barco nesse momento. E quem não gosta de eventuais erros de ortografia cometidos por quem posta no wordpress direto do tablet que insiste em autocorrigir qualquer palavra que você escreva, essa também é a sua deixa. Não que eu queira que essa seja a entrada menos lida do ano, mas a julgar pelo hatemail que recebo com uma certa frequência, passei a achar prudente avisar o leitor desavisado, que quase sempre são os que mandam hatemail.
Bom, o meu comentário sobre o Livro dos Novos não é uma resenha porque não o li. Mas sei do que se trata e li uma parte, que é a parte que eu escrevi. Trata-se de uma coletânea arranjada pela Travessa dos Editores para divulgar e, daquela maneira bem irregular e marota que só coletâneas literárias sabem fazer, pontuar um momento e um lugar de alguma literatura. Ao todo, são 16 autores com mais que 20 e menos que 30 anos, se li as biografias corretamente. A ideia é aquela: cada um joga um conto no rateio e de repente parece que a gente tá falando da vaquinha pra cachaça e não mais de um livro que procura entender o que se está escrevendo por aqui no Paraná (moro aqui no Paraná, gente!).
E não é disso de que toda coletânea literária trata, no final das contas? (Se eu fosse um blogueiro mais merda, escreveria “no final dos contos” e admitiria não sem certa parcela de vergonha a infamidade da piadinha, mas deixaria aí no ar pra mostrar que eu tenho um senso de humor, apesar de nerd, mesmo que seja um humor de tiozão do pavê). O recorte geográfico, sendo aqui os leitores “””paranaenses””” (muitas aspas se fazem necessárias) e o recorde, hã, etário da coisa é uma tentativa de unificar estilos diferentes ou mesmo tentar entender o que motiva essa gente novinha a fazer essas coisas chiques de escrever literatura. Mas, mais do que isso, esse caso serve também ao mercado, e muito! E não estou falando aqui de revelar novos talentos (mas aí, seu Rocco, seu Schwarcz, seu Naify e demais, tô pra jogo e tô facinho), mas antes, a possibilidade de antever o que venderá no futuro dando uma olhada na estética que a gente curte, nas referências que a gente pegou, é uma tentação quase incontrolável. Ora, você começa a vender muito Bukowski, muito Nick Hornby, muito Palahniuk, acende uma luzinha de atenção. Passa um tempo e surge uma galera tentando ser esses caras, e aí tudo faz sentido. Pode botar o cara na sua casa editorial que o bicho vai ser sucesso entre a molecada e periga até ganhar o Prêmio São Paulo de literatura, vejam só (Já falei da minha teoria de que os prêmios literários não premiam bons livros, mas boas apostas visionárias das editoras? Não? Então, é isso).
Mas serve também à academia! Oh! Quem não gosta de criar narrativas científicas para momentos da literatura brasileira, não é mesmo? Provavelmente enquanto você lê isso, umas 50 pessoas estejam tirando uma mesada da Dona Dilma pra jogar essa real aí pro mundo. O porquê não é importante, o lance é botar a produção acadêmica na roda e esperar que um maluco mais genial que ti cite seu trabalho e, com ele, agora sim, faça algo de mais útil do que pagar as contas de um sujeito virtualmente inadequado pra cadeia produtiva. Mas eu divaguei. Dizia eu que esse tipo de coletânea é mais um ponto no mapa e na linha do tempo do que se produziu desde Almeida Garret até Michel Laub, e avante, e que isso serve pra quem por ventura achar que pode resumir as preocupações, a linguagem e a estética de uma geração que é tão maluca que até agora ninguém entendeu (e não por falta de empenho). Win-Win situation.
Por fim, e por que não, serve para quem escreve e para quem publica. Para quem escreve, é currículo, pra quem publica, é um bom jeito de reunir material original gratuito (ou você acha que alguém paga direito autoral pra um pimpolho dos livros?) que provavelmente vai ser consumido rapidamente por parentes e amigos dos vários autores que obviamente se empenharão muito para divulgar o que pode ser no caso de muitos o primeiro trabalho publicado. Posso parecer cínico nesse comentário todo, mas juro que não há maldade alguma aqui. Inclusive estou divulgando e contando com vocês para me lerem e darem uma grana pros caras que acreditam no nosso talento. Ou seja, por quê não fazer algo assim sempre? A galera realmente está escrevendo, lendo e consumindo mais coisas de seus pares, um ciclo que se retroalimenta e que só pode ser ruim se isso implicar num alienamento de todo o resto da literatura (e aqui, um breve puxão de orelha em vocês que leram todos os Daniel Galera e nenhum Tolstói até o momento). Algo de bom deve sair disso tudo, e eu tenho fé que sairá.

Comentário final: não sei quantas páginas tem esse livro, mas ele vai sair nessa semana e o lançamento, para quem estiver em Curitiba, vai ser no dia 12/12, quinta-feira agora, na Livraria da Vila do Pátio Batel. Às 19h. Quem não sabe onde é esse lugar, clique aqui.

Orhan Pamuk – Neve (Kar)

orhan pamukBom dia, amiguinhos, já estou aqui, emendando um prêmio Nobel no outro neste fim de ano maluco de black fridays e adjacentes. O livro de hoje é um calhamaço e, sinto dizer, é o último deste ano resenhado aqui. Não fiquem tristes, porque a razão do recesso não é outra senão a nobre construção de um banco de resenhas que me faz muita falta. É um pouco frustrante para um sujeito que escreve periodicamente sobre livros ter de escolher suas leituras pelo tempo que elas vão consumir, para termos material toda semana, e qualquer um que entenda um mínimo de literatura sabe que isso não pode e não deve ser critério para ninguém, muito menos para um cara como eu, que procuro boas leituras sempre. Ter um banco de resenhas vai me colocar um pouco à frente das minhas postagens do ano que vem (assim espero) e isso vai me possibilitar pegar um livraço vez ou outra sem medo de gastar mais de duas semanas na leitura dele. De modo que entendam e não fiquem tristes por eu não ser uma máquina de ler livros. Tenho meu trabalho, minhas bandas, minha musculação, minhas propagandas de cueca para fazer, então achar tempo para ler um romance aqui fica muito difícil. Eu consigo, mas não com a qualidade que gostaria. Por último, ninguém tem saco pra ficar lendo resenha no fim do ano, já que todo mundo só está pensando em alugar casa na praia, comprar carrinho pras crianças e fazer piada de fim de ano com suas famílias pelancudas. De modo que, no fim das contas, não vai fazer muita diferença mesmo.

Mas vamos falar de coisa boa, vamos falar de Neve. Neve é talvez o romance mais popular do turco Orhan Pamuk, e vocês logo vão sacar o porquê. Pamuk tem essa rara habilidade nos escritores de hoje de prender a atenção do leitor com um livro de qualidade, que não gire somente em torno de ação ou intriga e suspese, embora seja muito verdade que ele comumente se aproprie de elementos policialescos para jogar a primeira isca. Resumir o romance a isso — uma trama policial –, entretanto, é um pecado digno de fazer você queimar no mármore do inferno.

A verdade é que Pamuk escreve sobre as complexidades de ser turco. A dicotomia de ocidente e oriente, de religião e estado, de fundamentalismo e secularismo e o grande dilema — para onde vai a Turquia no mundo globalizado — não estão muito longe da gente, mas vamos por um momento parar de ser paternalista e tentar fazer vocês gostarem de algo só porque a coisa se aproxima da sua realidade. Não! Experimente também o exotismo, experimente se preocupar com questões que não têm nada a ver com você de vez em quando, experimente a compaixão distante. Você vai ver, vai ser legal.

Em Neve, essas questões estão mais presentes do que nunca. O mocinho é Ka, um poeta quase quarentão que, após morar um tempo na Alemanha, vai à diminuta, pobre e esquecida cidade de Kars investigar o suicídio de garotas novinhas que foram obrigadas a descobrir a cabeça para entrar na escola em nome do Estado secular. O suicídio é o pecado-mor do islã, embora você tenda a não acreditar nisso dada a quantidade de homem-bomba que tem por aí, mas acredite, é verdade. Pois bem, o manto, que representa o islã político, representa também a visão descompassada do país com os movimentos sociais que estouram pelo mundo, mas o suicídio continua misterioso justamente por ser um pecado que garotas tão religiosas a ponto de morrer por vergonha do secularismo não cometeriam.

Mas Kars também é a cidade de Ipek, sua paixão de escola, com quem pretende casar. Rá, tem que ter romance, nem só de política um livrão desse sobrevive, não é verdade? Mas é aí que entra a genialidade de Pamuk, que pega o papel passivo da mulher que só faz romance enquanto os homens fazem política e inverte a coisa: os homens são uns bobos apaixonados e as mulheres é que são as políticas por trás de todos os atos que antecedem um golpe de Estado que toma conta de Kars.

orhan pamukNo meio disso tudo, Kars cria poemas como há muito não criava, e tudo se cria a partir da neve, uma constante na narrativa que a cada hora representa uma coisa, mas que, ao fim e ao cabo, é a expressão máxima da existência de Deus tanto em sua perfeição quanto em sua paz serena que acalma e perturba ao mesmo tempo. A neve desperta poemas que parecem surgidos de outro plano, transforma ateus em religiosos, traz o isolamento e pontua a narrativa com a lembrança constante de que Neve é um romance sobre uma vida que busca sentido após quase 40 anos de existência.

Personagens memoráveis nesse livro, minha gente. Sendar bei, o jornalista que publica notícias que ainda vão acontecer e que não acredita no que escreve; Azul, o terrorista clandestino que tem verdadeiro amor por sua própria imagem de terrorista; e Fazil (i sem pingo aqui, não sei qual é o significado,mas acho maneiro), o estudante que às vezes acredita demais no etéreo, e às vezes não acredita em absolutamente nada.  Todos eles, de alguma forma, representam a personalidade esquizofrênica da Turquia, já comentada antes. O resto é história, e a história deve ser lida e não contada num blog mequetrefe que nem funciona direito em dezembro.

Ah, esqueci de dizer uma coisa. O narrador da história também é um escritor chamado Orhan, que também é escritor. É engraçado como o Orhan da história se mistura ao escritor Orhan Pamuk, que às vezes não sabe do que não viu e às vezes é onisciente o bastante para saber os detalhes mais íntimos de momentos insignificante da vida de Kars, de quem é amigo. Um bom joguinho é tentar descobrir qual Orhan narra qual capítulo, mas isso é só pros nerdões de plantão.

O livro é um livrão, em formato grande mesmo, da Companhia das Letras. Tem o selinho do Nobel que encarece tudo e uma foto maravilhosa na capa. Comprei esse pra digníssima num sebo em que entramos para escapar da chuva e ele estava praticamente intacto pela bagatela de 20 dilmas, mas ainda tem bastante desses nas lojas por aí, então não se preocupem. Fonte Electra e papel pólen pra dar aquela suavizada no material. Resumindo, o tipo de livro que é difícil largar.

Relaxa que ainda boto mais um post aqui de fim de ano falando de mais coisas. Semana que vem ainda tem mais!

Comentário final: 482 páginas de puro calibre turco. Maktub.