Don DeLillo – Ruído Branco (White Noise)

White NoiseSabe, pode não parecer, mas eu presto atenção no que vocês comentam aqui no blog. Trato de responder a todos os comentários (às vezes me atraso, mas entendam que fazer crítica literária de graça, duas vezes por semana, no seu tempo livre não é, exatamente, jogar caxeta com a sua avó, por isso me mandem dinheiro) e procuro responder na altura de relevância e interesse. Por isso, o post de hoje foi feito em homenagem a um leitor aqui do Livrada! que comentou apenas em um livro. O Sr. Augusto Lessa passou por aqui no pior post que eu fiz, que foi sobre a Marca Humana, do Philip Roth (nem vou botar o link porque é indigno, quem quiser que leia depois, mas não recomendo), na época em que eu escrevia um post por dia. Ai ai, o viço da juventude… Enfim, nos comentários ele pediu para que eu resenhasse o livro Ruído Branco, do Don DeLillo, que é um autor que até então eu nunca tinha lido, mas cujo estilo e gênero casavam com a linha editorial deste blog (viu, Baére, não adianta pedir pra eu ficar resenhando livro de programação de computador), então resolvi ir atrás, certo que o leitor estava de que eu, baseado no que tinha visto resenhado por aqui, iria gostar do livro.

Pois bem, ganhei o livro de natal da querida Tia Alba, excelente veterinária e contadora de piadas, e li em, basicamente, dois dias, graças a uma viagem de desnecessárias cinco horas para Floripa. E bem, vamos dizer que o Sr. Lessa estava com a razão, porque eu não só gostei do livro como o coloco fácil no top 10 da literatura contemporânea até então, embora eu odeie essa para de top não sei das quantas. Lembro daquele filme Alta Fidelidade e tenho vontade passar uma lixadeira na cara do animal que escreveu esse lixo. Enfim, quis dizer que é um dos melhores que eu já li nesse estilo de literatura anglófona contemporânea pós-moderna da Silva Sauro. Falemos dele então, já que já enrolei por dois longos parágrafos.

Ruído Branco é um livro que foi escrito em 1984, época em que eu não existia, mas imagino que deva ser uma excelente época para ser criança. Fui criança na outra metade da década, por isso imagino isso da primeira metade. Bom, o livro fala de um professor chamado Jack Gladney, e já imagino o bigode escroto, o blazer marrom cocô e os óculos de grau da Ray-ban, que inventou uma matéria na faculdade chamada Hitlerologia. Ele tem uma esposa, que já é a sua segunda ou terceira esposa, chamada Babette, que dá aulas de modos à mesa ou algo do tipo, pra velhinhos. Pausa. Nessas aí você já vê a genialidade do autor. Que ocupação foi achar pra esses vatos! Bom, tentando contextualizar mais, Jack tem uma penca de filhos, tudo pingado de seus outros casamentos, e tem um amigo acadêmico chamado Murray que, aqui, funciona como uma espécie de deus ex machina, discutindo suas teorias com o protagonista enquanto, com elas, amarra as questões principais do livro. Quer dizer, o sujeito tem uma ideia mega oportunista e faz um sucesso com isso, tem uma família mais quebrada do que decaimento alfa de Ununóctio e tem como principal amigo um colega de trabalho. É visionário ou não é? É século XXI ou não é?

A primeira parte de Ruído Branco é totalmente surreal, e você acha que não dá pra ficar mais doidchão, mas fica. Começa simples: vai ter um simpósio sobre nazismo ou algo que o valha e Jack é o grande nome para o evento, já que foi o cara que inventou a hitlerologia. Só que ele não sabe falar alemão e isso, por mais que não impeça o estudo da matéria, pode ser visto com maus olhos por seus pares almofadinhas. Então corre atrás de um professor particular. É, portanto, uma tiração de onda com os malditos academiscistas que chegam na sala pra te dar uma aula de filosofia e começam a escrever  ὑποκείμενον no quadro-negro (não vou citar nomes, você sabe quem é, manezão). Boa sátira, ponto pro DeLillo.

Eis que um vagão de trem vira a uma distância considerável da cidadezinha onde Jack mora, e libera um gás tóxico que exige que a cidade seja evacuada. Nisso, vai geral naquela loucura, sem saber direito do que estão fugindo, e o filho do meio de Jack, cujo nome já me esqueci, é quem consegue reunir as informações sobre o evento, e passar para as pessoas, virando um verdadeiro herói entre os bitolados. Essa parte mostra duas coisas: a primeira, o poder da informação e, principalmente, da falta dela, sobre as massas, e a segunda, mais importante, a confrontação de Jack com a sua mortalidade. Não falei isso, mas o bicho tem muito medo da morte, embora não conte pra ninguém. E aí ele é exposto à fumaça tóxica, e fica sem saber se isso vai afetar sua saúde, se ele vai morrer, etecetera.

Tira foto agora não, pô! Tô lendo Recruta Zero.

Sobre a terceira parte do livro não vou contar nada, porque é a mais legal e já entreguei spoiler demais. Mas tudo isso pra dizer o seguinte: DeLillo foi genial nesse livro, e enquanto abordava as questões que pretendia com a vida dos Gladneys, discute elas mais livremente com as teses de Murray. As discussões entre os professores na universidade são partes memoráveis do livro, e até anotei uma, de alguém que não lembro: “queremos catástrofes, precisamos delas. Dependemos delas, desde que não aconteçam no lugar onde estamos. É aí que entra a Califórnia. Avalanches de lama, incêndios florestais, erosão na costa, terremotos, assassinatos em massa. Esses consegue curtir esses desastres sem problemas porque no fundo a gente acha que a Califórnia merece isso tudo. Os californianos inventaram o conceito de estilo de vida. Só isso já justifica”. GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL! Já falei disso antes, mas às vezes sinto vontade de levantar e gritar como se grita um gol ante algumas passagens geniais que não poderiam estar em melhor lugar e situação. O pensamento aqui pode ser óbvio, mas é tão bem casado com o contexto que torna tudo genial. Outra: “É aquilo que perdoamos no leito de morte, não a falta de amor nem a ganância: perdoamos nos outros a sua capacidade de se distanciar de nós, tramar silenciosamente contra nós, de certo modo matar-nos”. Foi, foi, foi, foi ele! Carimba, Godói! (tadinho do Godói, galera). Vale lembrar que o livro ganhou o American Book Award de melhor romance, em 1985, como diz na capa. Enfim, se eu ainda não deixei vocês com vontade de ler DeLillo, sou um incompetente mesmo.

E esse projeto gráfico da Companhia das Letras? Gente, esse livro é velho. A editora lançou ele em 1987, e edição que eu tenho é de 2003. Ou seja, ficou sete anos mofando em alguma loja — mofando não!, amadurecendo e encorpando — até que a Tia Alba me desse esse presentão. Bom, a capa é totalmente anos 80, com o título escrito em bolinhas à lá Lichtenstein (o picareta, não o país que nem parece país) e diversas outras partículas brancas (no caso da minha edição, cinzas já pelo desgaste) em alto-relevo. A fonte é Garamond em corpo minúsculo, o que dá um desânimo, mas a gente encara se for coisa boa. Papél pólen é de praxe. A tradução é do Paulo Henriques Britto e eu li esse livro num período que tava lendo uma tradução do Britto atrás da outra. Gente, o cara é frenético! Bom, se o virem na rua, tratem de o abraçar bastante, que ele merece. Sr. Lessa, taí então, segui sua recomendação. Obrigado.

Ps: Gente, a vida tá difícil. Não sei se vai ter post na quarta. Se não tiver, me perdoem, ok?

Comentário final: 319 páginas em papel pólen. Pa-panamericano!

 

 

Rubem Fonseca – O seminarista

“Gente, foi o Rubem Fonseca que escreveu o Seminarista? Esse gajo é velho, hein?” Não é nada disso, ó pá, manezão, esse seminarista não é o mesmo seminarista do Bernardo Guimarães, o manolo que escreveu Escrava Isaura. O seminarista em questão é o último livro do nosso querido Rubem Fonseca. Poderia dizer que é o mais novo livro dele, mas a verdade é que nem é tão novo assim: foi lançado em 2009.

Bom, alguma consideração sobre o livro antes de adentrarmos em sua história. O Seminarista foi o primeiro livro inédito do autor publicado pela editora Agir. Ele, que até então era publicado pela Companhia das Letras, migrou pra editora nova depois de um rolão envolvendo a publicação de uma autora meio estreante no ramo literário. Mas bom, isso são fofocas de bastidores que aqui não me cabe contar pra não sucitar a violência. Sou um cara da paz e já tô até imaginando as editoras trocando tiro no meio da rua, tal qual Counter Strike naquela fase do Rio de Janeiro. Deixemos isso pra lá. Fato é que Rubão agora é do time da Agir, que está republicando seus livros aos poucos, em edições muito graciosas que comentarei no final.

Vamos ao livro de hoje. O Seminarista conta aquela velha estória do matador profissional que decide largar o osso, e não vê que isso tá errado. Quer dizer, o cara mata um monte de gente durante a vida inteira dele e aí decide parar de matar? Não é justo que uma pessoa tão maldosa assim tenha esse direito, por isso o tenente Aldo Raine faz questão de tatuar uma suástica na testa dos nazistas safados. Enfim, como em qualquer outra estória dessas, aparece uma mocinha inocente e umas pessoas interessadas em assassinar o assassino. Mas José (esse é o nome dele) é um cara sensível: gosta de rock clássico, poesia, literatura, plantinhas, enfim, é uma flor que nasceu do lobo, sem falar que foi seminarista quando mais moço (daí o nome do livro, né, esperto?). Mas, por alguma razão que Rubão não conta pra gente, decidiu fazer o mal e colocar as pessoas pra comer capim pela raiz. “Por quê, tio?” Não interessa pra você, palhaço. Morre, diabo! É inconsistente, incoerente, inconstante, inconstitucionalíssimamente? É. Mas, fazer o que, o cara é consagrado.

Bom, daí que José fica nessas de ser atormentado, tentando cuidar de sua gatinha, encontrando uns camaradas dos tempos de seminário e matando para não ser morto. Resumindo, uma estória pra lá de original. Gente, o cara teve que pensar muito pra escrever esse livro, hein? Qual vai ser o próximo? Uma mulher que toma um pé na bunda e decide se mudar pra algum país romântico da Europa, onde conhece um europeu forte e musculoso? Bah, fala sério, Rubão, meu rapaz, desde que você achou aquela carteira recheada de dólar você não é mais o mesmo.

Melhor é falar do projeto gráfico do livro, porque esse sim é bonito. Margem bem grande, fonte Minion Pro, papel pólen e capas com a mesma disposição de título e nome do autor, e ainda a assinatura dele dentro do quadradinho com o nome da obra. As lombadas são todas brancas e a minha edição ainda veio com um exemplar do conto “A Arte de Andar pelas Ruas do Rio de Janeiro”, bem melhor do que o livro, um conto das antigas e recheados de fotografias iradas sobre a cidade. O livro também tem site, acesse clicando aqui, e veja que no site eles também vendem o livro em versão e-book, para Kindle. Agora, R$19,90 num e-book? Editoras do meu Brasil, não façam as cagadas que a indústria fonográfica fez com o CD. Depois neguinho começa a piratear os livros e vocês não vão gostar. Bora baixar esse preço, né?

Comentário final: Pretty bitch for fun, for fun, for fun.

 

Thomas Pynchon – Vício inerente (Inherent Vice)

Inherent viceHoje é um dia triste. Acabou o horário de verão aqui no sul. Meus leitores nordestinos não imaginam o quanto esse período me faz feliz. Anoitecer mais cedo era muito legal quando eu era adolescente das trevas, tipo leitor de crepúsculo, mas agora que sou uma pessoa normal gosto de sair do trabalho e ser dia. Ainda mais nessa cidade em que você vê o sol quase três vezes por ano. Por isso, Bernarda Alba pede que a gente faça um luto até o advento do próximo horário de verão. Falta muito pra outubro?

Aqui no Livrada! é o único lugar onde você encontra esse tipo de nariz-de-cera moleque, esse nariz-de-cera arte, nariz-de-cera maroto, clássico em seu propósito de enrolar e te convidar pro texto (not). Enfim, livro de hoje. Thomas Pynchon, quem é ele? Um dos maiores escritores dos Estados Unidos. Ô paiszinho ingrato esse pra ter uma atividade intelectual. Deve ser que nem ser mestre churrasqueiro no meio da verdurada vegan: um bando de chato que não tá nem aí pro seu talento (brincadeira, galera vegan, aprecio vossas bandeiras. Mesmo porque a carne do mundo tá acabando e farinha pouca, meu pirão primeiro, ou, no caso, meu filé primeiro). Bom, voltando ao Pynchon, grande escritor estadunidense cuja identidade a maioria das pessoas no mundo desconhece. Vamos combinar: onde Dalton Trevisan falhou, Pynchon triunfa eterno nessa brasila. Ninguém sabe como é o cara, ele não dá entrevista, não aparece em público e as fotos que a gente tem dele são da época em que o Niemeyer tava projetando as curvas da Sophia Loren. E eis que ele lança um livro mutcho loko ano passado. Falemos dele entonces.

Vício Inerente é um livro um pouco diferente dos livros do autor, pelo menos quanto ao enredo. O que é uma coisa muito perigosa, porque quem me garante que foi ele mesmo quem escreveu isso, e não se trata de um fanfiction bem sucedido? Complicado, galera. Tenha em mente que a constância na obra é importantíssima quando não você não tá disposto a dar a cara a tapa. Enfim, o livro é, a grosso modo, um policialzão bem montado e, por isso mesmo, confuso as hell. Fala de um detetive chamado Doc Sportello, que não é bem um detetive — muito mais um drogadão que trabalha de detetive quando algum louco dá um trabalho pra ele. Era o auge do movimento hippie, começo da década de 70, e naquela época ser drogadão era muito mais do que fumar uma erva com seus amiguinhos, ouvir Manu Chao, brincar com malabaris, fazer Bob Marley de durepoxi, tomar um Santo Daime “só pra ver qual é a da parada” e fazer mochilão pela América do Sul: era um VERDADEIRO estilo de vida. Não faltavam drogas e misturebas sinistras pra derrubar qualquer elefante junkie que aparecesse. Bom, Sportello estava à toa na vida vendo a banda passar quando chega uma mocinha ex-peguete dele, dizendo que o atual, um Piccolo Tigre do ramo imobiliário desapareceu misteriosamente. E, mergulhando na investigação, o detetive — que, vamos admitir, faz um bom trabalho pra um drogadão — descobre ligação entre bandas de surf music e um saxofonista dado como morto, sociedades arianas de motociclistas e uma parada chamada Canino Dourado, que, basicamente, é tudo nesse livro: um iate, uma máfia de dentistas, uma barra de ouro que vale mais do que dinheiro em formato de dente, o dedo da sua mãe Total Flex, enfim, uma maçaroca de informações que vão sendo jogadas na sua cara como uma tortada violenta do Passa ou Repassa.

Todas essas informações exigem que você leia o livro atentamente, porque, caso contrário, você vai se sentir um desses drogadões do livro: viajando na maionese enquanto descobertas importantes estão sendo feitas. A grande sacada desse livro são os personagens secundários: o policial Pé Grande, um tira durão, para usar seguidamente duas terminologias de Tela Quente, e desculpe pela rima. Pé Grande não gosta de hippies e faz aquela linha de parceiro-meio-inimigo do protagonista. Também tem o Sauncho, o advogado de Sportello que, fazendo jus ao seu nome (de Sancho Pança, muito provavelmente) é o fiel escudeiro do protagonista. E o que é um advogado senão um escudeiro? Um crápula, um infeliz, um pulha, um biltre, um safado, um sem-vergonha, um yuppie nojentinho aspirador de pó do caraças? Sim, tudo isso, mas principalmente um escudeiro.

Agora, vamos lá, meu puxão de orelha na crítica literária desse Brasil varonil: a orelha do livro diz que Pynchon, com esse livro, “destila seu conhecimento divertidamente enciclopédico acerca de tudo”. Essa ideia de que o autor é um sabe-tudo foi amplamente alardeada pelos veículos, porque o Pynchon sabe falar de penteados afro e a importância do saxofone na evolução do surf music. Não é por nada não, mas não tem nada de extraordinário no conhecimento do autor nesse livro. Primeiro porque hoje em dia qualquer Zé Mané tem acesso à Wikipedia, segundo porque eu sei falar de literatura, jogos de videogame desde seus primórdios, armas de fogo dos mais variados calibres, a história da charge e do punk rock e astronomia, e ninguém fica por aí dizendo que eu tenho conhecimento enciclopédico. Eu só sei das coisas que estudei por fora, e tenho 24 anos. Imagina o leque de conhecimento que um cara velhaco como o Pynchon deve ter. Isso é normal minha gente, nessa época de internet principalmente, e Isaac Asimov estava certo. Normal, se você não for uma besta alienada que não gosta de aprender sobre nada nesse mundo. Então, emetevê da crítica, vergonha na cara e vamos botar a nossa própria cabeça pra funcionar, alright?

E vamos ao projeto da tão amada Companhia das Letras. Pra começar, a tradução foi feita pelo Caetano Galindo, professor de letras aqui da UFPR. Galera, o curso de letras da Federeca é uma das poucas coisas de qualidade que o governo federal pode te oferecer. Fiz diversas matérias ali e foram todas memoráveis. E o Galindo é reconhecidamente um cara admirado por lá, então pimba, é só acerto. Daí tem essa capa. Vamos combinar que a imagem não é das mais chamativas, mas, mesmo assim, não podia ser melhor. Pra mim, ela descreve muito bem a vibe do livro. Acontece né, nem sempre livros legais rendem imagens bonitas, mas as capas são o que são e o são por alguma razão (eu tô rimando mais que o Gabriel Pensador hoje). No mais, fonte Electra, papel pólen soft e mais um livrasso pra você destruir alguns ossos com ele. Ah, vou tentar usar o comentário final agora como um cata-corno Google, vejamos a eficiência.

Comentário Final: Emagreci 20kg tomando Caralluma. É verdade!

 

Bolão do Nobel

Admito, esse blog tá cheio das papagaiadas mesmo. Daqui a pouco estarei fazendo sorteio de cartas ao vivo com a Susana Vieira jogando os envelopes pro alto enquanto o Luigi Baricelli anuncia vencedores do Caminhão do Livrada! que dá um show de móveis pra sua casa. Mas até lá, vamos ficar aqui brincando de populismos.

Então, o Desafio Livrada! 2011 tá bombando. Se você não sabe o que é ainda, é só clicar no banner ridículo ali do lado. Aliás, me empolguei com essa de banner. Vou fazer uma empresa que faz banners ridículos pra empresas, e vai chamar “Banners ridículos do Yuri” porque é um bom nome. Enfim, a parada basicamente se resume a ler quatro livros de um mesmo prêmio Nobel ao longo desse ano. É uma boa desculpa pra conhecer melhor um autor consagrado, afinal. Enfim, as pessoas que já declararam que vão participar do desafio são essas. Participe também e eu atualizo a lista aqui.

Bom, por ordem de aderência (ao desafio, não quero saber se meus leitores grudam ou não grudam na frigideira):

Fausto – Mario Vargas Llosa

Lucas – Harold Pinter

Raphael – J.M. Coetzee

Jackson – Tá pra me dizer ainda.

Angela – José Saramago ou Mario Vargas Llosa

Francine – José Saramago

Carlinha – Orhan Pamuk

Suelen – Doris Lessing OU Günther Grass OU J.M. Coetzee OU Samuel Beckett

Lálika – J.M. Coetzee

Olga – J.M. Coetzee

Isabelle – José Saramago

Alison – Harold Pinter

E eu, obviamente, vou participar também. O autor que eu escolhi foi o V.S. Naipaul, se a rotina me permitir. Alright, bola pra frente e quem ainda não se decidiu, decide aí que vai ser maneiro.

Agora, our main event this evening.

Resolvi fazer um bolão do Nobel esse ano porque primeiro, a Carlinha sugeriu e, segundo, porque o Jackson queria escolher o Philip Roth pro desafio Livrada! 2011 porque tem certeza que ele vai ganhar o Nobel esse ano. Além disso, o Livrada! completa um aninho em Abril e melhor lançar a promoção desde já. Então taí, vamos lançar o Bolão do Nobel, que não é exatamente um bolão, mas soa legal. Melhor do que Toto Bola do Nobel, ou Jogo do Bicho do Nobel, enfim.

Vai funcionar assim: Você escolhe um escritor que você acha que vai ganhar o prêmio Nobel esse ano e faz uma aposta. Cada um só pode fazer uma única aposta e não pode mais trocar.

Pra participar é fácil. Primeiro, você precisa ser assinante do RSS do Livrada!. Se você não sabe fazer isso, é muito fácil. É só clicar na aba RSS ao lado da aba “Quem Faz”. Isso, esse quadradinho laranja. Aí você cadastra o site no seu reader ou e-mail favorito. Pronto, agora é só deixar um comentário aqui nesse post, contendo unicamente o nome do escritor que é a sua aposta. É por ordem de chegada mesmo, moçada, então bora agilizar, porque os favoritos desse ano vão ser chutados logo. O vencedor que fizer a aposta certa vai levar pra casa esse livrinho sapeca aqui:

 

É claro que, como só tenho um livro pra sortear, só uma pessoa vai ganhá-lo, e vai ser a pessoa que acertar com o chute certeiro e em primeiro lugar dos demais. Se mais alguém apostar no vencedor, esse vai se contentar com um post dedicado aos vencedores e seu nome no hall da fama no Livrada!, além de um belíssimo espaço publicitário pra você deixar seu telefone de contato, porque vai chover gente te perguntando os números da mega sena, sabidão.

Lembrando aos apostadores imponderados que o prêmio Nobel de literatura só premia autores VIVOS e com certa relevância literária. Quer dizer, vocês podem votar em quem vocês quiserem, só tô dando uma dica. Vai que esse ano o Dan Brown ou o Paulo Coelho levam?

Bom, a aposta é válida até o dia 15 de setembro, e aí eu seguro as apostas até novembro, quando sair o prêmio, porque aí as casas de apostas abrem e não quero ninguém se pautando por cotação de aposta de casas de aposta alheias, valeu? Caso ninguém acerte, aí eu sorteio o livro numa dessas promoções de comentário.

Então corre aí.

 

 

Neil Gaiman e Dave McKean – A comédia trágica ou a tragédia cômica de Mr. Punch (The tragical comedy or comical tragedy of Mr. Punch: a romance)

The Tragical Comedy or Comical Tragedy of Mr. PunchFala moçada, como vocês estão hoje? Legal que as pessoas estão aderindo ao desafio, em breve vou postar a lista. E você, já decidiu o autor que vai ler esse ano? Decide aí e manda pra gente, choque.

“Ih, alá o Yuri, vim aqui querendo ler resenha de livro e encontrei resenha de quadrinho, que manezão!”, alguém diria. E eu respondo com um pedala Robinho e digo que a linha editorial do Livrada! não prevê quadrinhos, a menos que eles sejam muito bons e/ou originais ao extremo. E é o caso dessa graphic novel, que, já disse, é “banda desenhada” ou “história em quadrinho” no cultês. Então vamos aproveitar que hoje é domingo e você não tem nenhuma responsabilidade nos próximos minutos e abramos a cabeça um pouco para outros gêneros literários.

A comédia trágica ou a tragédia cômica de Mr. Punch, de Neil Gaiman e Dave McKean é um daqueles livros que você vê e pensa “meu Deus, olhaí uma dupla de zé ruela pagando de gênio atormentado”. Bom, amigo, fazer o quê se é assim que os caras se expressam. Dave McKean, o barbudinho que parece um torcedor do Fluminense, é o cara responsável pelos desenhos e fotografias doentias que você encontra dentro desse livro, e Neil Gaiman, o que parece da família do Stephen Rea, é o cara que escreve a história das coisas doentias do tricolor supracitado. Gaiman conta uma história de fundo autobiográfico, de quando foi passar um verão (verão na Inglaterra, vocês sabem, é só força de expressão) na casa dos avós, que moram no litoral. Lá ele conhece o teatrinho de Mr. Punch, um popular show de fantoches que rola por lá desde a idade média, que é basicamente o seguinte: Mr. Punch é um homem casado com uma mulher chamada Judy, e eles tem um bebê também. Só que ele é meio detestável (e existe algum fantoche que não seja?), então todo mundo meio que odeia ele. Aí ele mata a esposa, o bebê, e todo mundo que vem pra matar ele acaba morrendo também, inclusive o capiroto em pessoa. Bom, é isso. Um show de fantoche com um monte de personagem morrendo, e que mostra que a pessoa, mesmo sendo desprezível, pode ser muito sagaz pra sobreviver na base da malandragem.

Acontece que, como qualquer criança cercada de gente velha e coisas da época do guaraná de rolha, o pequeno Neil fica muito impressionado e tudo parece muito estranho, assustador e fascinante ao mesmo tempo. Ora, você, quando era criança, nunca se pegou assustado pela pele, que mais parecia bola de basquete ou, com sorte, frango cru? Então você sabe do que eu tô falando. E aí ele conhece diversas figuraças que participam da vida cultural mixa do litoral, que sim, é sempre mixa (e se você acha trio elétrico legal, sai do meu blog. Ooopa, brincadeira!), entre elas um velho chamado Swatchell, responsável por realizar o show de Punch e Judy. Swatchell é um cara meio obscuro, com um passado desconhecido, meio criminoso, meio assassino, quem sabe? Fato é que esses tipos são colírios para as crianças. Ou você nunca ficou fascinado quando descobriu que seu tio matou um cara? Nessas, o fedelho inglês fica impressionadíssimo com o show de Punch e Judy (a julgar pelas fotos, é um nightmare fuel aditivado pra encher o seu tanque) e aquilo fica cozinhando na sua cabeça impúbere por todo o resto das férias, e idealiza Mr. Punch como uma espécie de obsessor que suga a vida dos que o colocam na mão.

Basicamente o que o autor faz aqui é mexer com aquele velho fascínio que as pessoas sentem por bonecos mega expressivos. Será que tem vida, será que não tem vida, será que é assassino, será que é bonzinho, etc. Algo já visto em todas as escalas de terror, de Goosebumps a Chucky-me-dá-um-abraço, e em alguns outros filmes, como aquele Dummy, com o Adrian Brody, que eu vi no ônibus indo pro Rio uma vez. Vem cá, quem não odeia filme de ônibus aqui? Da última vez que voltei de São Paulo, passou Dr. Dolittle 4 e Homens de Preto 2. Olha, que raiva eu passei com aquele som alto, querendo concentrar na minha leitura. Mas onde é que eu estava? Ah sim, falando do fascínio por bonecos. O medo que a gente tem de boneco é basicamente o mesmo medo que Deus sente da gente, se é verdade o que os católicos dizem sobre imagem e semelhança. Ver uma coisa que parece outra coisa que você já conhece é meio assustador, mas os hipsters adoram: uma caneca que tem o formato de lente Canon, um relógio em formato de caneca, um prato em forma de relógio, um disco em forma de prato, uma bolsa em forma de disco, um boné em forma de bolsa, enfim, malditos hipsters, vão gastar seus dinheiros com coisas úteis pra variar.

Além do fascínio por bonecos, o trabalho que deixa o livro realmente interessante é de Dave McKean, do clube “tantas” vezes campeão. Com um domínio extremo de imagem e fotografia, ele compõe os quadros do quadrinho mesclando os formatos, usando panos, plantas e outros objetos que saltam da imagem, como um quadrinho 3D. Bom, não exatamente 3D, mas, digamos 2½D. Os desenhos são pintados, ao que me parece, com uma brocha em cima de madeira compensada, e as linhas do que seria nanquim são feitas no computador. É um trabalho muito interessante mesmo, embora todo mundo tenha mais ou menos a mesma cara. Ah sim, ele também conseguiu arrumar o Mr. Punch mais assustador da história, de olhos arregalados e dentinho no meio, Nosferatu-Chico-Bento-style. Palmas pra ele então.

O projeto gráfico desse livro, lançado pela editora Conrad, que eu considero uma das melhores editoras de quadrinho do Brasil, é primorosa. Capa dura, papel couché de excelente qualidade e um lettering (as letras usadas nos quadrinhos) feito, me parece, a partir da caligrafia de um dos autores. Fibou muito bom. Acho que eles deram um formato ao livro que permite que a gente aprecie os detalhes de cada quadro, cada fotografia, melhor, e a capa, que não foge à original, também tá irada. Enfim, projeto gráfico de quadrinho tem muita coisa pra analisar, melhor parar por aqui pra não me estender muito. Ah, não tem paginação (é moda isso agora? Os últimos quadrinhos que eu li não tiveram também), então não sei quantas páginas o livro tem porque não vou ficar igual bocó contando as páginas da bagaça.

Comentário final: Já dançou com uma velhinha de churrascaria rodízio sob a luz do luar?

 

Mario Vargas Llosa – Elogio da madrasta (Elogio de la madrasta)

Elogio de la madrastaSaaaaai da frente! Sem tempo pra brincadeira que hoje eu tô com pressa! Não é ótimo isso, essa sinceridade com que eu trato vocês, queridos leitores? Acho que o jornalismo tinha que ter mais dessas. Queria ver o William Bonner começar a escalada do Jornal Nacional assim: “Hoje não tem notícia nenhuma” (passa pra Fátima) “Nada aconteceu no mundo” (passa pro William) “E por isso hoje não tem jornal” (passa pra Fátima) “Fique agora com essa novela chatona da Globo” (passa pro William) “Boa noite” (passa pra Fátima) “Boa noite”. E aí aquela música de fundo que toca enquanto eles fazem a escalada vai minguando e desafinando, até parar, e pronto, acaba o jornal. Ou então você lê uma crônica do Elio Gaspari no jornal e ele escreve: “Sabe do que mais? Tá mó solzão, calor desgraçado, vou descer a serra e pegar um bronze no Guarujá. Vocês não vão achar ruim, né? O que vocês fariam no meu lugar? Tchau, galera!”. Mas enfim, disse que tava com pressa e tô mesmo, então vamos ao ponto.

Elogio da madrasta! Mario Vargas Llosa! Prêmio Nobel 2010! Literatura peruana! (toca a flautinha tosca no fundo, versão de “Estou apaixonado” do João Paulo e Daniel que só os peruanos sabem fazer: pfuu pfuu pfu pfuu pfu pfuuuuuuuuuuuuuu). Manja, já coloquei as tags no texto, economizei um tempo monstro. Rá, otimização é comigo. Elogio da Madrasta é um livro pequetitinho que foi lançado pelo escritor lá em 1988, quando Faith do George Michael bombava nas rádios. Nele, esse autor galã narigudo que vocês tão vendo aí embaixo traça uma estorinha simples, de um patriarca chamado Dom Rigoberto que, após enviuvar, casa-se de novo com a gatíssima dona Lucrécia, que parece ser mais gata do que o nome sugere (perdoem-me as Lucrécias desse mundo). Acontece que Dom Rigoberto também tem um filho, chamado Alfonso, o Fonchito, que, verdade ou mentira?, tá meio que dando em cima da madrasta do alto de seus oito anos de idade. Oito anos, Brasil! E você aí achando que sua filha modernete que tem doze anos, pinta o cabelo de rosa, é vegetariana e faz cosplay de Sakura Card Captors ou coisa que o valha é que é precoce. Não é mole, não.

Mas deve ser alguma coisa na água que se toma nessa casa, não sei. Vai que caiu uma semente de catuaba na caixa d’água, porque o fato é que Dom Rigoberto e Dona Lucrécia fazem altos joguinhos sensuais e são permissivos com tudo. Ou seja, a sacanagem rola solta naquela casa. Sobra de inocente só a babá do Fonchito e o próprio, que talvez não seja tão inocente assim.

Já deu pra perceber que estamos falando aqui de um romance erótico, não é? É, mas não, porque nem sempre. Veja bem, Vargas Llosa mistura a esse componente safadjenho histórias fantasiosas da mente de Dom Rigoberto, que cria estorinhas para os quadros que ele tem na parede (e que temos a sorte de apreciá-los também no livro, embora em preto e branco. São uns quadros assim meio que renascentistas, sabe? Cheio daqueles gordos de bunda de fora fazendo coisas prosaicas, tipo pequeniques e cosplay da Sakura Caps Creditors. Isso é uma característica essencial no livro: a imaginação fértil de Dom Rigoberto e a mistura de narrativas — e não só isso, de gêneros literários diferentes também — pois são esses os elementos primordiais que irão compor (sorry, mesóclise com verbo “compor” é coisa pros Dennis Rodman da literatura) a continuação desse livro, intitulado “Os Cadernos de Dom Rigoberto” (falarei dele algum dia, mas já adianto que nesse livro, Llosa pontencializa a ideia à quarta potência pelo menos). Isso tudo pra mostrar que Vargas Llosa é e sempre foi um cara altamente gabaritado pra transitar tranquilamente entre os mais variados estilos, gêneros e temáticas da literatura. E todo mundo treme nas bases, até a palmeira estremece, então palmas pro Llosa que ele merece.

Essa edição da Alfaguara é um chuchu igual a todos os livros dele. Ainda acho um pouco estranho essas fotos de pessoas em que não aparecem suas cabeças, mas entendo que seja uma preocupação editorial em não interferir na nossa experiência de fantasiar a fisionomia dos personagens, coisa que a Martin Claret deveria aprender, porque até hoje eu acho o Idiota, do livro do Dostoiévsky, a cara do Fabio Lione, do Rhapsody (não que ele não possa ser idiota). Enfim, a edição tem a formatação padrão dos livros da Alfaguara, então sem muito o que comentar. Tem o fato de que é uma tradução feita em conjunto: Ari Roitman e Paulina Wacht, que traduziram outros títulos do autor, além da tradução da Trilogia Suja de Havana lançada pela Alfaguara. Acho que eles são meio que responsáveis pela literatura latino-americana na editora, mas pode ser que eu esteja errado. É isso então, pessoas, deixa eu ir que eu tô atrasado!

Comentário final: VOU PERDER O ÔNIBUS!

Ps: Vocês nem viram que eu mudei o slogan do blog, de tanto que vocês me zoaram, né?

Ps2: em breve, a lista dos participantes do Desafio literário. Quem não escolheu seu autor, ou não o definiu, faça-o aí que vai ser maneiro!

 

Entrevista com Cristovão Tezza – Um erro emocional

É agora, hein? Quem nunca deu bola pra esse blog estúpido vai começar a dar. Trouxe para vocês hoje, meus amigos, uma entrevista com o escritor e ex-professor meu, Cristovão Tezza. Pra quem dormiu no ponto da literatura nos últimos 20 anos, Tezza é de Lages, aquela cidade enooorme da bela e Santa Catarina onde tem a tradicional Festa do Pinhão, quando a colonada se encontra pra encher a cara de teleco-teco, praianinha, água da serra, oncinha, Branford, vodca Raiska e Black Tie, além de comer comidinhas horrorosas. Mas isso não importa muito porque ele mora desde de criança aqui em Curitiba, e gosta da cidade, parece. Porque é em Curitiba que se passam seus livros. Tem aí pouco mais de uma dúzia de livros publicados, fora os didáticos e os de não ficção.

Tem seus sucessos de público, como Trapo e o Filho Eterno, e os de crítica, como O Fotógrafo, Breve Espaço entre Cor e Sombra e, de novo, o Filho Eterno. Agora, lança pela Record seu último livro, Um erro emocional, um livro em que ele mostra que é um malabarista da narrativa, um equilibrista dos diálogos e um trapezista da linguagem. Enfim, um tapa na sua cara. É, você aí, que não sabe nem usar cujo e acha que Cujo é um bom nome pra um São Bernardo em filme de terror. Na entrevista que segue, Tezza, muito na humilda, responde minhas perguntas sobre seu novo livro, que conta uma história de amor entre um escritor e sua revisora. Ch-ch-ch-ch-check it out:

Esse é o primeiro livro que você escreve dedicando-se exclusivamente à literatura e o primeiro depois de seu maior sucesso editorial. O momento de Um erro emocional dentro de sua trajetória literária pesou em algum aspecto na concepção da obra?

 

Não, de modo algum. Tenho projetos que vêm se desenvolvendo há muitos anos, e os contos com a personagem Beatriz (antigamente Alice) são exemplos. Um dos contos acabou se transformando no romance Um erro emocional. Depois que o livro ficou pronto, aí sim, me deu um certo frio na barriga, esperando a recepção dos leitores e da crítica depois do sucesso de O filho eterno. Mas o livro já estava terminado. Quando escrevo, entro num processo meio autista. Não penso em nada fora da página escrita.

 

O estilo de escrita desse livro se aproxima em muitos aspectos de O Fotógrafo, outro livro importante de sua carreira, mas que é estilisticamente um pouco afastado de seus outros livros. Acredita que tenha chegado à sua voz definitiva de escritor com Um erro emocional?

 

Não acredito em “voz definitiva”. Sinto o meu trabalho como uma perpétua transformação, em função de diferentes momentos da minha vida. Todos os meus romances, desde O ensaio da paixão, acrescentam aspectos técnicos e temáticos à minha literatura. De fato, Um erro emocional tem um parentesco estilístico com O fotógrafo – de certa forma, radicaliza algumas técnicas que eu experimentei nesse romance, mas o “exercício de intimidade” que significou escrever O filho eterno foi outro fator marcante.

 

Paulo Donetti é um dos raros personagens fictícios na sua obra que é escritor mas não escreve o livro que estamos lendo. Na sua obra, a narrativa em primeira pessoa ‘justifica’ a existência do livro. Sendo assim, o que o levou a criar mais um protagonista escritor? Você prefere escrever em primeira ou terceira pessoa?

 

O Donetti é uma espécie de “arquétipo” de escritor que vem me perseguindo desde sempre. Curiosamente, há um Antônio Donetti, escritor, em Ensaio da Paixão. Talvez seja tio do Paulo… O tema de alguém que escreve sempre me interessou – a escrita cria necessariamente um mundo paralelo que é onde se movem tanto o escritor como o leitor. Tentar entender como funciona essa máquina é um processo fascinante. O Matozo, de A suavidade do vento, é escritor, mas também não escreve o livro. Não dou nenhuma importância ao ponto de vista, se é em primeira ou terceira pessoa, porque são detalhes puramente gramaticais. A primeira pessoa, direta, tende a dar uma ilusão de realidade maior, ou quem sabe de verossimilhança (criando algumas exigências específicas, como em Uma noite em Curitiba ou Juliano Pavollini), mas tudo isso é muito vago. Ultimamente, tenho me dado bem com esse falso narrador em terceira pessoa, que está presente nos meus três últimos livros.

 

Um erro emocional trata da história de amor entre duas pessoas já carregadas de histórias pessoais e, naturalmente, calejadas por elas. Além disso, Donetti tem em seu passado uma carreira literária sólida. O quanto o passado pesa para os personagens de seus livros nas ações tomadas por eles? (como Juliano Pavollini/André Devine, Professor Rennon, etc?)

 

Faulkner dizia que o passado não está morto; aliás, nem passado é – uma observação maravilhosa que cito agora de memória; é algo assim. Bem, acho que todo instante presente existe apenas em função de seu passado, aquilo que de fato cria o tempo, o peso da lembrança.

 

O narrador onisciente da obra transita entre os diálogos e os pensamentos dos dois protagonistas. Qual foi, para você, o maior desafio envolvendo esse movimento?

 

Esse “falso narrador” em terceira pessoa, como eu disse, foi surgindo naturalmente no meu texto. Ao contrário do que algumas pessoas podem pensar, por eu ter uma formação acadêmica, ter sido professor e escrever eventualmente crítica literária, que tenho uma consciência nítida e clara do meu processo de escrever. É um engano. Quando se analisa uma obra, como crítico, a obra já é um objeto pronto. Mas quando se escreve ficção, nada está pronto em lugar algum. Estamos completamente no escuro ao escrever. Assim, a intuição tem um peso muito grande. Eu sempre me surpreendo com a direção que meus livros tomam durante a escrita.

 

Os diálogos não-ditos, aqueles que permanecem na intenção, são parte importantíssima da história, e dão abertura a uma infinidade de finais para o livro. Como foi para você encontrar o tom certo do diálogo, sabendo de suas ‘edições’ por parte dos personagens, para que o desfecho da história não lhe fugisse?

 

Foi uma sequência intuitiva. Terminei o livro sem saber que ele estava terminado. No outro dia, ao tentar prosseguir – quando Paulo vai tocar Beatriz – senti que não havia mais nada a dizer. Eu destroçaria todo o trabalho se tentasse “fechar” alguma coisa. E acho que essa suspensão deu uma unidade para o livro, é a correspondência exata de sua “respiração”, por assim dizer.

 

Você compararia essa edição dos diálogos ao processo de edição realizada pelo escritor (fictício ou não) e sua revisora?

 

Sou um editor feroz de meus próprios textos. A mais simples crônica publicada passa por dez leituras, cortes, acréscimos, momentos de insegurança, até eu sentir que o texto está pronto. Nos textos literários, esse processo chega a ser angustiante, às vezes. Nunca escrevi com facilidade. Mas veja que na escrita de Um erro emocional, como de todos os meus livros, a intuição exerce um grande papel. Eu vou cortando e acrescentando mais “pelo faro” do que por uma racionalização do texto. Mas, é claro, sabemos que a literatura não é uma arte ingênua: a experiência de trinta anos pesa bastante quando você escreve. Como se em muitos momentos a mão soubesse mais que a cabeça e achasse o caminho sem a ajuda do escritor.

 

PS: repararam na nova ordem editorial, especialmente para entrevistas?

PS2: Bora agradecer ao Tezza por essa entrevista supimpa?