É hoje que eu arrumo um inimigo nesta joça! Preparem-se, crianças, hoje acordei com o pé esquerdo, preciso ir lá na Reitoria entregar minha monografia e tô me sentindo muito Shiva, por isso quero destruir alguma coisa. E vou destruir logo esse clássico da literatura (tá na tag!) que é o vermelho e o negro, do nosso amigo Get up, Stendhal (sempre achei que o Bob Marley cantava isso!).
Fala sério, hein? Se isso não fizer o gordinho se revirar no túmulo, eu não sei o que pode fazê-lo — bom, talvez uma descarga elétrica. Mas coloque-se no lugar de Henri-Marie Beyle, o homem por trás do pseudônimo: você escreve um livro que é comentado mais de duzentos anos depois de sua morte, considerado um clássico da literatura (TAG!), e aí vem um moleque metido a besta falar que seu livro é um lixo. Nããããooooooooo!!!! Sim, meu cumpádi, é agora que o cão vai comer uma mariola.
Breve resumo pra vocês, ó preguiçosos: sujeitinho desprezível do interior chamado Julien Sorel, pobrezinho, não nasceu em berço de ouro, e tem um pôster do Napoleão no quarto dele (assim como eu tenho um pôster do Néstor Kirchner no meu). O sonho do rapazote era ser um Napoleão, mas existem dois agravantes: o primeiro é que ele, como vamos descobrindo conforme a leitura, não tem a envergadura moral para tal; o segundo é que ninguém daquela época queria saber mais de Napoleão, nem fantasiado de Lady Gaga dançando Rebolation. Todo mundo escaldado com a derrocada do baixinho que andavam por aí enterrando anão sem motivo. Mas o bicho é teimoso: e aí se mete a ser seminarista, e no meio da sua trajetória, rolam umas tensõezinhas sexuais com mulheres insatisfeitas à beira de um ataque de nervos (afinal de contas, ninguém toma banho na França e, naquela época, catupiry significava outra coisa).
Bom, mas, afinal, por que eu não gostei desse livro? Vários motivos, meu amigo, e quem leu sabe. Primeiro, e talvez o mais importante: esse livro é um livro covarde (ouviram aí um “bump” no caixão do Stendhal?). Veja bem, Stendhal escreveu o vermelho e o negro (olha, a quantidade de neguinho imbecil que perguntou “é sobre o Flamengo?”… Não fode a minha vida, Ruy Castro) em uma época em que a burguesia Francesa estava por cima, mas não estava, necessariamente, com tudo. Tremendo de medinho do que as forças acima de sua cabeça poderiam fazer com a sua cabeça de cima, escreveu sem a cabeça de baixo e fez uma história, no mínimo, xoxa. Pode ver que, para cada ideia minimamente polêmica que ele coloca no livro, são duas páginas tentando se desculpar. Isso quando não acontece dele simplesmente omitir a discussão polêmica que está rolando entre os personagens, pro seu desespero, que a essa altura do campeonato, quer ver sair um tiroteio de qualquer página.
Aliás, dessas desculpinhas pelas polêmicas saiu a grande sacada do livro, considerada por alguns teóricos, como Walter Benjamin naquele seu textículo esquerdo “O Narrador”. É, o lance do espelho: que o livro é como a carroça que passa com um espelho, refletindo toda a paisagem. Se, eventualmente, refletir algum lamaçal, tem culpa eu? O espelho só reflete, né não? Só que, na moral, Stendhal, não mete essa. NÃO METE ESSA! Se o cara quer causar, quer matar a cobra e mostrar o pau, quer chutar o balde, então faz, mas depois não vem com desculpas do tipo “eu estava bêbado”, “eu precisava extravasar” e “o espelho só reflete o lamaçal”. Pra cima de moi, xará?
Outra coisa irritante sobre o livro: é tudo falso, como aquela música do Skylab. O vermelho e o negro poderia muito bem ser uma novela de época das 6. Os amores arrebatadores, a vontade de ganhar o mundo, a gana de impressionar, a tensão sexual velada entre a madame e o empregadinho, tudo isso é só reflexo daquela época, nada que pudesse ser sustentado se a sociedade descrita não fosse tão empata-foda. Mulheres leitoras deste blog, imaginem que vocês moram num fim de mundo (pior que, sei lá, Pato Branco), cidadezinha de mil habitantes, esposa do único homem pra quem você deu, um cara importante, junto do qual você precisa passar o ano inteiro fazendo pose e vivendo em um mundinho de aparências. Eis que surge um jovenzinho borbulhando hormônios, doido pra ser alguém na vida sem nunca ter conhecido mulher. Acabou, amigo, taí a ruína do teu estilo de vida. Agora, acreditar que isso aí que os dois vão sentir vai ser amor, ou mesmo uma paixão dessas de embaçar vidro… Again, não mete essa, Stendhal!
Por fim, o livro é extremamente longo pra historieta que conta. Não longo o bastante pra os pederastas beletristas colocarem debaixo do braço como o Caminho de Swan ou o Moby Dick, apenas longo o bastante pra você perceber que poderia estar fazendo outras coisas e que você pode viver sem ler esse livro, que ninguém vai te recriminar por isso. Não, a patrulha intelectual não desconta três pontos na sua habilitação de inteligência se você não ler Stendhal, relaxe.
Agora, se tem uma coisa que esse livro tem de bom é o projeto gráfico. Cosac e Naify, seus turcos maravilhosos, quero pagar um sorvete pra vocês qualquer dia! Fala sério, não bastasse a capa dura coberta pela capa de papel, a fonte Bembo (alguém já ouviu falar dessa fonte?), o papel chamois fine dumas de 80g/m² (qualquer editora mais mão de vaca colocaria no máximo 50g/m² em um livro de mais de quinhentas páginas), tem essa imagem maravilhosa, que dá vontade de fazer um pôster desse quadro e ficar olhando o dia inteiro. “Napoleão após a abdicação”, de Paul Delaroche, é o nome da peça. Olha a cara desse Napoleão, galera! Quem me dera ter pintado um quadro desse? Aposto que essa seria a cara que ele faria depois de ler O vermelho e o negro. Ah, e falando em pintura, o prefácio é da Tarsila do Amaral, o que mostra que essa tendência de colocar artista pra dar pitaco nas coisas não é de hoje. No mais, é ter coragem e disposição. Mais coragem do que um irmão Coragem e mais disposição do que para dançar o creu.
Mais uma vez, o título original, Rouge, em letra maiúscula. Será que é alguma coisa? Será que Stendhal curtia um Ragatanga?
Ah, a promoção ainda está rolando. O comentário de número 500 ganha o Plataforma do Michel Houellebecq.
Comentário final: 572 páginas chamois fine com capa dura. “Mas que mulher indigesta, merece um vermelho e o negro na testa”