Stendhal – O vermelho e o negro (Le Rouge et le noir)

É hoje que eu arrumo um inimigo nesta joça! Preparem-se, crianças, hoje acordei com o pé esquerdo, preciso ir lá na Reitoria entregar minha monografia e tô me sentindo muito Shiva, por isso quero destruir alguma coisa. E vou destruir logo esse clássico da literatura (tá na tag!) que é o vermelho e o negro, do nosso amigo Get up, Stendhal (sempre achei que o Bob Marley cantava isso!).

Fala sério, hein? Se isso não fizer o gordinho se revirar no túmulo, eu não sei o que pode fazê-lo — bom, talvez uma descarga elétrica. Mas coloque-se no lugar de Henri-Marie Beyle, o homem por trás do pseudônimo: você escreve um livro que é comentado mais de duzentos anos depois de sua morte, considerado um clássico da literatura (TAG!), e aí vem um moleque metido a besta falar que seu livro é um lixo. Nããããooooooooo!!!! Sim, meu cumpádi, é agora que o cão vai comer uma mariola.

Breve resumo pra vocês, ó preguiçosos: sujeitinho desprezível do interior chamado Julien Sorel, pobrezinho, não nasceu em berço de ouro, e tem um pôster do Napoleão no quarto dele (assim como eu tenho um pôster do Néstor Kirchner no meu). O sonho do rapazote era ser um Napoleão, mas existem dois agravantes: o primeiro é que ele, como vamos descobrindo conforme a leitura, não tem a envergadura moral para tal; o segundo é que ninguém daquela época queria saber mais de Napoleão, nem fantasiado de Lady Gaga dançando Rebolation. Todo mundo escaldado com a derrocada do baixinho que andavam por aí enterrando anão sem motivo. Mas o bicho é teimoso: e aí se mete a ser seminarista, e no meio da sua trajetória, rolam umas tensõezinhas sexuais com mulheres insatisfeitas à beira de um ataque de nervos (afinal de contas, ninguém toma banho na França e, naquela época, catupiry significava outra coisa).

Bom, mas, afinal, por que eu não gostei desse livro? Vários motivos, meu amigo, e quem leu sabe. Primeiro, e talvez o mais importante: esse livro é um livro covarde (ouviram aí um “bump” no caixão do Stendhal?). Veja bem, Stendhal escreveu o vermelho e o negro (olha, a quantidade de neguinho imbecil que perguntou “é sobre o Flamengo?”… Não fode a minha vida, Ruy Castro) em uma época em que a burguesia Francesa estava por cima, mas não estava, necessariamente, com tudo. Tremendo de medinho do que as forças acima de sua cabeça poderiam fazer com a sua cabeça de cima, escreveu sem a cabeça de baixo e fez uma história, no mínimo, xoxa. Pode ver que, para cada ideia minimamente polêmica que ele coloca no livro, são duas páginas tentando se desculpar. Isso quando não acontece dele simplesmente omitir a discussão polêmica que está rolando entre os personagens, pro seu desespero, que a essa altura do campeonato, quer ver sair um tiroteio de qualquer página.

Aliás, dessas desculpinhas pelas polêmicas saiu a grande sacada do livro, considerada por alguns teóricos, como Walter Benjamin naquele seu textículo esquerdo “O Narrador”. É, o lance do espelho: que o livro é como a carroça que passa com um espelho, refletindo toda a paisagem. Se, eventualmente, refletir algum lamaçal, tem culpa eu? O espelho só reflete, né não? Só que, na moral, Stendhal, não mete essa. NÃO METE ESSA! Se o cara quer causar, quer matar a cobra e mostrar o pau, quer chutar o balde, então faz, mas depois não vem com desculpas do tipo “eu estava bêbado”, “eu precisava extravasar” e “o espelho só reflete o lamaçal”. Pra cima de moi, xará?

Outra coisa irritante sobre o livro: é tudo falso, como aquela música do Skylab. O vermelho e o negro poderia muito bem ser uma novela de época das 6. Os amores arrebatadores, a vontade de ganhar o mundo, a gana de impressionar, a tensão sexual velada entre a madame e o empregadinho, tudo isso é só reflexo daquela época, nada que pudesse ser sustentado se a sociedade descrita não fosse tão empata-foda. Mulheres leitoras deste blog, imaginem que vocês moram num fim de mundo (pior que, sei lá, Pato Branco), cidadezinha de mil habitantes, esposa do único homem pra quem você deu, um cara importante, junto do qual você precisa passar o ano inteiro fazendo pose e vivendo em um mundinho de aparências. Eis que surge um jovenzinho borbulhando hormônios, doido pra ser alguém na vida sem nunca ter conhecido mulher. Acabou, amigo, taí a ruína do teu estilo de vida. Agora, acreditar que isso aí que os dois vão sentir vai ser amor, ou mesmo uma paixão dessas de embaçar vidro… Again, não mete essa, Stendhal!

Por fim, o livro é extremamente longo pra historieta que conta. Não longo o bastante pra os pederastas beletristas colocarem debaixo do braço como o Caminho de Swan ou o Moby Dick, apenas longo o bastante pra você perceber que poderia estar fazendo outras coisas e que você pode viver sem ler esse livro, que ninguém vai te recriminar por isso. Não, a patrulha intelectual não desconta três pontos na sua habilitação de inteligência se você não ler Stendhal, relaxe.

Agora, se tem uma coisa que esse livro tem de bom é o projeto gráfico. Cosac e  Naify, seus turcos maravilhosos, quero pagar um sorvete pra vocês qualquer dia! Fala sério, não bastasse a capa dura coberta pela capa de papel, a fonte Bembo (alguém já ouviu falar dessa fonte?), o papel chamois fine dumas de 80g/m² (qualquer editora mais mão de vaca colocaria no máximo 50g/m² em um livro de mais de quinhentas páginas), tem essa imagem maravilhosa, que dá vontade de fazer um pôster desse quadro e ficar olhando o dia inteiro. “Napoleão após a abdicação”, de Paul Delaroche, é o nome da peça. Olha a cara desse Napoleão, galera! Quem me dera ter pintado um quadro desse? Aposto que essa seria a cara que ele faria depois de ler O vermelho e o negro. Ah, e falando em pintura, o prefácio é da Tarsila do Amaral, o que mostra que essa tendência de colocar artista pra dar pitaco nas coisas não é de hoje. No mais, é ter coragem e disposição. Mais coragem do que um irmão Coragem e mais disposição do que para dançar o creu.

Mais uma vez, o título original, Rouge, em letra maiúscula.  Será que é alguma coisa? Será que Stendhal curtia um Ragatanga?

Ah, a promoção ainda está rolando. O comentário de número 500 ganha o Plataforma do Michel Houellebecq.

Comentário final: 572 páginas chamois fine com capa dura. “Mas que mulher indigesta, merece um vermelho e o negro na testa”

Leo Frobenius e Douglas C. Fox – A Gênese Africana (African Genesis – Folk Tales and Myths of Africa)

Em época de Copa do Mundo, nada existe e nada funciona de verdade, certo? Errado, campeão. Continuamos com a obstinada missão de comentar e trazer ao conhecimento do público livros da boa literatura, sem necessariamente recair em maneirismos críticos.

Vou ser sincero: Escolhi aleatoriamente um livro na minha estante. Calhou de ser esse. Tem culpa eu se a Copa do Mundo está rolando na África e nós aqui estamos falando de cultura africana? Tenho nada a ver com isso não, hein? Esse blog é isento de dinheiro, bom senso e não mama nas tendências desse mundo fashionista, moro? O livro em questão é A gênese africana – Contos, mitos e lendas da África, escrito por Leo Frobenius (já falo dele) e organizado por Douglas C. Fox (não vou falar nada dele, nunca ouvi falar nesse gajo). O livro busca, como diz o título, realizar um apanhado de lendas e mitos formadores da cultura africana em seu primórdio, ou seja, ver o que esse povo pensava quando não estavam preocupados pensando em comida (ô, maldade!).

Leo Frobenius — agora sim, vamos lá — é uma figuraça, como vocês podem ver nessa foto biíta dele. Antropólogo e etnólogo alemão (por isso, além de encaixar em literatura africana, também vai ganhar a tag de literatura alemã, para estrear a categoria), percorreu, no começo do século XX, as grandes savanas e desertos africanos em expedições dignas de um Indiana Jones comedor de chucrute para resgatar a origem das tradições de alguns dos principais povos de lá, em especial os cabilas, povo que morava onde hoje é a Argélia. Mas além disso, cavucou alguns mitos soniqueses, fulas, mandeses, nupes e hauçás (sim, hauçás, aquele povo zangado da Nigéria). Ah, e rodesianos do sul também, onde hoje é o Zimbábue. Sabe aquele povo que fala estalando os dentes? Pois é. Baseado nisso, fez um dos maiores compêndios sobre mitos africanos já reunidos, que depois deu origem a uma infinidade de livros charlatães que se propuseram a fazer o mesmo com outras civilizações, dignando-se a reescrever as lendas com algumas variações. Duvida que exista gente tão pilantra nesse mundo? Teste rápido para os folcloristas: já ouviram aquela lenda do crânio falante, que faz o guerreiro iludido trazer o rei para vê-lo e, diante da mudeza súbita da caveira, resolve matá-lo? Pois é, amigo, é uma lenda nupe, sim senhor, e você passou a vida achando que era angolana, ibo, até mesmo dos escravos brasileiros que vieram de Angola. Inclusive virou uma novelinha daquele “Casos e Causos” da Revista RPC. Pra quem não sabe o que é Revista RPC, considere-se afortunado.

O grosso do livro, realmente, é o material cabila coletado por Frobenius. Muito legal ver que a ideia que eles tem do gênesis, além de ser muito diferente da Bíblia (mantendo-se alguns aspectos como o do primeiro pai e primeira mãe), não fazem o menor sentido. Anacronicamente, é muita falta de noção desse povo, hein? Mas também, amigo, queria o quê? Poesia homérica nascendo ali no meio do pessoal que vive correndo de leão? Salmo 23 escrito por um negão entre uma matada de mosquito e outra? Você sabe que não rola. Ainda assim, vale a leitura se você conseguir sacar como essa tigrada pensava no começo da raça humana. Vou dizer: não é muito diferente de um sonho ou uma bad trip. E os mitos e fábulas deles são engraçadíssimos porque, além de não fazer o menor sentido, como já disse, também não tem aquela preocupação de moral da história que fez tão famosa a literatura xinfrim européia (européia ainda tem acento? Ajudem aí, linguistas, tô sem a gramática por perto). Pérolas do tipo: A raposa queria comer uma galinha. Aí o leão disse: ‘vai lá e se finge de galinha’. Aí vem um cara e mata o leão. Inevitável aquela cara de “what the fuck?” nessas horas.

E vamos ao projeto gráfico do livro. Olha, pra uma editora mais lado B como essa Landy Editora, esse livro está bem decente. Tem um prefácio do Alberto da Costa e Silva, que eu não conheço e já não gosto (nada pessoal, Sr. Costa e Silva, mas, além do seu sobrenome nada amigável, o senhor é imortal da ABL e, até vocês me chamarem pro grupinho, tô torcendo contra, hein?) Apesar do maldito papel offset, a fonte não é das piores e o cabeço é, pelo menos criativos. Ah, e não faltam ilustrações bonitas e toscas, feitas por uma tal de Kate Marr, funcionária do Forschungsinstitut für Kulturmorphologie in Frankfurt-am-Main (quer saber o que é isso? Faça como eu e comece a frequentar as aulas de alemão). Além disso, alguns retratos desenhados durante as expedições, feitos para você saber que seu senso de beleza e estética está completamente engessado por modelos magrelas, branquelas, que são só titela (pra rimar). Uma capa bacaninha, como vocês podem ver, e folhas de respiro no começo e no final do livro todas pretas e em papel cartão, pra ficar mais tchananã. Ah, e por incrível que pareça, não é difícil achar esse livro. Só não lembro ainda por que foi que eu o li. Tinha uns 16 ou 17 anos na primeira lida. Bom, nem Deus sabe o que passa na cabeça da gente quando a gente é adolescente, né verdade?

Comentário final: 238 páginas compridas em offset. SHHHHPAW!!!

Rosa Montero – História do Rei Transparente (Historia del Rey Transparente)

E começou as postagens do meio da semana. Agora é assim. Tá cansado de ter que esperar o domingão, o único dia que você tem pra passar longe de um livro, ou o único dia que você tem pra LER um livro, pra ler uma resenha ixperta aqui nesse blog horroroso (esteticamente falando)? Tudo bem, agora tem postagem quarta feira também, maluco!

Vixe, demorou pra esse livro ser a bola da vez aqui, hein? Rosa Montero é a minha escritora espanhola favorita (até porque nem sei se eu conheço mais escritores espanhóis — e Cervantes não vale né, porra?), e a Historia do Rei Transparente foi o primeiro livro dela que eu li. E digo mais: li no original, em ER-PA-NIOL. Éééééé cumpádi, tá pensando o quê? Aqui não tem filho de pai assustado não! E que satisfação ler um livro tão bom no original. Dá a sensação de que, se alguma coisa se perdeu na tradução, você não deixou passar.

Bom, esse livro é também, de longe, o maior sucesso editorial da Rosa. Ela tem uma santíssima trindade dos seus livros: pra quem curte uma história mais fantasiosa, a História do Rei Transparente não tem pra ninguém. Pra quem curte algo um pouco mais pé no chão e ainda assim, igualmente boladão, o livro certo é a Filha do Canibal. E, finalmente, pros cabeçudos e pseudo-cabeçudos que curtem um ensaiozinho assim, de leve, mel na chupeta, A Louca da Casa é o que há. Espero falar de todos, mas hoje, nos interessa aqui o primeiro, o fantasioso bolado, LESKE (ih, quem não é do Rio boiou agora).

A História do Rei Transparente é o resultado de uma grande pesquisa da autora sobre o período medieval — as cruzadas, mais especificamente. Se passa na frança rural e conta a história de Leola, uma mocinha roceira daquelas de dênti pôdi que dá na festa junina que, um belo dia, se vê órfã no mundo por causa dos cavaleiros que passaram ali e mataram todo mundo. Como não bastasse, o namoradinho, Jacques, se manda pra lutar pela causa, arrastado contra sua vontade. Sem ter muito o que fazer, ela se veste com a armadura de um homem morto e se passa por homem para sobreviver em um mundo de homens. E não é isso que a mulherada (não todas, só as que tem juízo) anda fazendo nos dias de hoje?

Aventurando-se pelo mundo, ela conhece Dhuoda (gente, desculpa se os nomes são outros na versão traduzida, ok?), uma bruxa que não é bruxa mas sim, antes de tudo, uma mulher de razão e conhecimento, a bruxaria da época (deixa só eles saberem que ser bruxa hoje é ser gordinha de batom preto, cabelo bom e escutar Tristania). Juntas, as duas vão, aos poucos, arrebanhando um exército de desajustados, ou melhor, de desqualificados para a época. Anão, gente com síndrome de down, enfim, tudo com o que o Todd Solondz poderia fazer uma piada só está ali, é a sua trupe.

A História do Rei Transparente é, antes de tudo, um romance sobre a intolerância e sobre a inadequação ao mundo — algo que todos nós (não todos, só os que têm juízo) já experimentamos uma vez ou outra. Sabe aquelas merdas que falam sobre os clássicos da literatura que é um livro que, embora se passe em outra época, é atual e blá blá blá whiskas sachê? Mentira, amigo. Tô lendo Anna Kariênina e nunca aquilo ali vai ser algo atual depois dos anos 60. Tá ali um livro que cheira a museu, rapaziada (tá certo, alguns podem ser de fato atuaizassos, mas a grande maioria vai só na aba dessa mesma justificativa que, acredite, não se encaixa em todos os clássicos). Esse livro sim é atual. Tá certo, foi escrito em 2005, mas é atual na alegoria de algo antigo que se faz atual (Ah, não vem não, que você entendeu). Por isso, é um clássico da literatura. Como que eu sei? Tá com a tag “clássico da literatura”. Tá ali, pode ver, é clássico sim.

E que personagens memoráveis, amigos. Que narrativa fluída (mesmo em erpaniol), que sagas emocionantes, que história cativante. Fico boladão como a galera não tá tão ligada nesse livro quanto deveria estar. Candidato a ser livro favorito de muita gente. Quero ver engolir o choro lendo esse livro, quero ver! Quem não leu tem que ler e quem já leu tá ligado na missão. Ó, tô recomendando, hein? Não é todo dia que eu recomendo livro aqui, só limito-me a comentá-los, mas tô recomendando esse.

Boa notícia pra quem gosta de erpaniol: Dá pra achar esse livro no original, numa belíssima edição da Alfaguara. Talvez na Fnac. Senão, o jeito é ler a versão em português, da Ediouro, numa edição bonita também, mas não tão bonita quanto essa da Alfaguara. Por isso, as duas editoras levam as tags de hoje. No começo do livro ainda tem, como é peculiar dos livros medievais, um mapinha, inclusive com a suposta indicação da ilha de Avalon. Isso, aquela mesma que aparece na revista dos famosos… Animal!

Ah, e o que é a História do Rei Transparente? Por que esse livro tem esse título? Eu é que não vou contar, tenho amor à vida.

Comentário final: 574 páginas pólen soft. Sabe aquela cena do extintor de incêndio em Irreversível? Dá pra trocar o extintor por esse livro.

J.M. Coetzee – Verão (Summertime)

Que semana! O Saramago morreu, e ao mesmo tempo, a copa do mundo está rolando. Foda isso, tem que parar de morrer gente legal em copa do mundo. Vez passada foi o Bussunda (cuja biografia saiu agora) e dessa vez, foi o portuga. Fiquei com peninha dele, é claro, mas vou confessar que fiquei com pena mesmo foi do João Marques Lopes, o biógrafo mais azarado do universo que lança uma biografia de gente viva uns seis meses antes do biografado morrer. Ô zica! Por essa o senhor não esperava, hein? Aliás, deveria esperar. Que pressa é essa de lançar biografia de velhinhos com um pé na cova, afinal? Faz igual o Fernando Morais. Aposto que já já ele lança uma biografia do ACM.

E aí a gente fica naquela: puxamos a sardinha pra copa do mundo e falamos de algum livro relacionado ao assuntou ou damos destaque ao Saramago, se aproveitando da necessidade das pessoas em tomar conhecimento de novos defuntos. Já viu? Pronto, de um dia pro outro, todo mundo é especialista em Saramago. Sandy, Luciano Huck, Ana Maria Braga, ninguém fala em outra coisa, como se passasse a vida inteira lendo o gajo ao invés de serem os bucetões que a gente sabe que são. Bom, pra ir na contramão desse pessoal, numa vibe mais publicitária, que sabe aproveitar bem o momento (é, publicitário, se você passou incólume à Copa do Mundo e não fez um anúncio colocando futebol no meio ou zoando argentino, tem algo de errado com você), vamos meter aqui o sul africano all-mighty Coetzee, que, afinal, é um dos dois escritores do país que ganharam o prêmio Nobel (a outra é a Nadime Gordimer). E, pra aproveitar mais o momento, de seu novíssimo livro: Verão.

Ia falar de Verão aqui muito antes, mas fui deixando, deixando, e ele foi perdendo o charme da novidade pras pessoas. Agora é só um livro lançado a dois meses atrás: tempo demais para ser considerado novidade e tempo de menos pra ser considerado objeto de lembrança e estudos. Mas aí, na moral? Foda-se, tô afim de falar desse livro hoje.

Verão é a terceira parte da trilogia Cenas da Vida na Província, que retrata alguns períodos da vida do autor. Vou contar que, embora o livro seja fodasso, esperava outra coisa, sei lá, algo no estilo dos outros dois mas falando da vida de escritor badalado, etc. Bom, quem sabe ele não lança ainda, né? O caso é que em Verão ele resolveu arregaçar a bagaça de vez. Sente só: no livro, que cronologicamente se passa a uns dois ou três anos atrás, Coetzee está morto e um biógrafo coleta entrevistas de pessoas próximas a ele para uma biografia póstuma (aprende aí, João Marques Lopes). Os entrevistados são: um colega de faculdade e quatro mulheres com quem rolou uma tensãozinha sexual (entre elas uma brasileira), ou algo mais até. Não dá pra chamar de namoradas, ainda assim. E o que elas fazem? Simplesmente destroem a imagem do escritor, colocam ele como um tipo esquisito, magrelo, feio, ruim de jogo e ruim de cama. Por um momento, até dá pra esquecer que foi o próprio Coetzee, que está vivinho, quem escreveu aquelas duras críticas a si próprio.

A grande sacada da série Cenas da Vida na Província é esse lance dele referir a si próprio na terceira pessoa. Além de agradar a crítica pelo recurso estilístico pouco comum, guarda aí uma grande vantagem para o escritor: a possibilidade de meter o malho em si. Ora, faça aí você uma experiência. Tente se autoesculachar num texto em primeira pessoa e num em terceira pessoa, como se fosse outra pessoa e não você. Mais fácil do segundo jeito, né? Quero ver quem é que vai ser macho o bastante pra se autodepreciar em primeira pessoa. Ah, e não vale ser judeu!

Verão é um livro que é difícil largar de lado, de tão cativante. Tá certo que eu sou suspeito pra falar do autor, mas, excepcionalmente este está demais, demais. Apesar de ser um livro de língua inglesa, é extremamente prazeroso lê-lo, não como é prazeroso ler outros livros do mesmo idioma, com o consumo desenfreado de informação e o deleite da escrita sem floreios, que, acredite, às vezes é necessário. Ler Verão é legal porque te dá a nítida sensação de conhecer Coetzee como a um primo seu, ou mesmo um amigo de longa data. Parece mesmo que ele não deixou passar nada sobre suas ideias e seu estilo de vida durante o período em que viveu na África. E aí a gente vê o que é um sujeito com vergonha de sua origem, e a vontade que ele tem de viver em um lugar como o Brasil, onde o racismo não chega a níveis absurdos como lá, a ponto de uma pessoa branca não poder dar bom dia pra uma negra. É, amigo, e você achando que jogador de futebol chamando o outro de macaco é pesado. Aliás, ninguém prendeu o cara que colocou o apelido no Grafite? Ou deram esse apelido porque ele sempre gostou mais de lapiseira do que de lápis?

Esse projeto da Companhia das Letras pra esse livro é o que há. Embora tenha ficado um pouco triste por eles não resolverem manter o padrão da arte em todos os livros, já não tinha mais esperança de que voltassem a fazê-lo depois do Diário de um ano ruim. De qualquer jeito, essa capa é bem, mas bem melhor do que a do supracitado último livro lançado. A foto não deixa perceber muito, mas essa fita vermelha realmente é uma cinta que colocaram sobre a capa do livro, que não possui nome do autor nem nada. Minha única ressalva é essa lateral branca, porque já tenho muito livro dessa cor aí nas bandas. De qualquer jeito, é demais. Tradução do mestre José Rubens Siqueira (sério, nunca vi esse cara na vida, mas o sujeito é bom, dá pra perceber claramente pelo inglês que eu domino), papel pólen soft, fonte Electra e tudo nos conformes pra mais um livro desse monstro da literatura.

Tenho ainda muitas considerações a fazer sobre esse livro, mas como post grande ninguém lê, vamos parando por aqui antes que alguém desista e vá ver vídeo de gatinho no Youtube.

Sobre a promoção: Ainda está de pé. O comentário de número 500 leva o Plataforma do Michel Houellebecq.

Um Ps: A partir dessa semana, vou começar a postar também nas quartas-feiras. Enquanto a de Domingo é a postagem lado A, na quarta eu faço uma postagem lado B, espaço que também posso abrir para críticos de plantão, ok?

Comentário final: 275 páginas em pólen soft. JAAAABULLAAAAAAAANI!!!

Post Extraordinário – Saramago está morto (e vai ficar assim)

(musiquinha do plantão da Globo) Tan tan tan tan-tantantantan Tan tan tan tan-tantantantan tan tan tantan tan TAAAAAAAAAAAAAAAN Blrrrrrrrup (isso é a virada dos tímpanos no final) Povo da terra! Saramago, o último português inteligente da face da Terra (como disse o Foba) morreu hoje, aos 87. Isso foi pela manhã, mas só agora a noite fiquei sabendo que foi de complicações pulmonares. Na verdade, foi de velhice mesmo. Nessa idade, qualquer morte é velhice. Bronquite é velhice, infarto é velhice, sífilis é velhice, uma combinação de pneumonia e uma machadada na cabeça é velhice, não importa. 87 anos de vida é coisa PRA CARALHO.

E, apesar desse tom bobagento, a verdade é que a morte do Saramago é sentida por todo mundo que gosta de boa literatura. E até mesmo por quem não gosta. Ora, o Lula não escreveu uma carta de pesar a Portugal? Já viu o Lula lendo Saramago? Se alguém vir, por favor tire foto que eu posto aqui! E quantas pessoas conheceram a obra dele por meio do filme Ensaio Sobre a Cegueira, do Meirelles, o diretor mais esforçado do Brasil? E o que é o filme Ensaio Sobre a Cegueira senão um O Fim dos Tempos que deu certo? Divaguei, foi mal.

Estava dizendo que a perda de Saramago é irreparável para o mundo da literatura, embora, sejamos francos, o velhus não tava escrevendo mais tãããoooo bem quanto antigamente. Claro que, ainda assim, seus livros eram muito mais fodas do que muita coisa que tem por aí, e não me refiro aos best-sellers.

A galera da mídia que cobriu a morte dele falou muito na Pilar, a esposa 30 anos mais nova que ele conheceu aos 63 anos. Nada dá mais alegria a um velho do que, depois de muito tempo, voltar a meter. Olhaí o Ferreira Gullar que não deixa a gente mentir. E eu acredito com certeza que aquelas dedicatórias que ele coloca pra Pilar em todos os livros são a mais pura verdade. Devemos muito a ela, não esqueçamos, meu povo.

Por fim, gostaria de dizer que espero que agora que o Saramago morreu, o senhor Luiz Scharcz, editor da Companhia das Letras (ô moço, deixa eu trabalhar aí com o senhor?) resolva reimprimir algumas obras inestimáveis do escritor, como A Jangada de Pedra e o primeiro volume dos Cadernos de Lanzarote (por que o povo da Globo ficou falando Lanzarotê, igual curitibano? É assim que tem que falar?).

É isso aí. Valeu, Saramago, você é o avô que eu nunca tive.

Nelson Rodrigues – A vida como ela é…

Nelson Rodrigues! Essa pessoa amabilíssima, agradável, que quase nunca fala merda, que ama e dá aos pobres, que não faz ideia errada da gente, esse moço, pobre moço, que teve o azar de morrer no dia em que ganhou na loteria. Nelson Rodrigues era dessa época em que jornalista não era gente, salário não era dinheiro e dignidade não era poder (tá, isso não faz o menor sentido). O que eu quis dizer é que ele era daquele time de escritores enfurecidos que batiam as teclas até gastar as falanges. E como escrevia, este velhus decreptus. Como a época exigia quantidade em detrimento da qualidade, Nelson padronizou sua escrita.

Manja aqueles desenhos da Hanna-Barbera? Cenários que rolam ao fundo, cabeças que mexem enquanto o corpo fica parado pra não gastar com animação (isso, aliás, gerou toda a sorte de bizarrices como dinossauro de gravata, crocodilo de gravata, leão de gravata… Êta bicharada escrava do colarinho!) e eteceteras malandronas que colocaram a beleza dos desenhos da MGM numa situação inviável. Bom, Nelson Rodrigues fez algo parecido com seus textos. Elementos que sempre retornam, ideias que são marteladas, personagens frequentemente visitados, tudo isso fazia o ofício de sentar ali e escrever qualquer merda por dia uma coisa mais fácil.

Variações sobre mesmo tema. Eis o segredo do escritor em A vida como ela é… e outros textos. Assim como as letras de axé, as novelas do Manoel Carlos e os acordes dos Ramones, tudo em Nelson Rodrigues parece ser gerado por um software especializado. Mas pera lá, camarada! Isso não quer dizer que a obra do velhaco não tenha seu valor, muito menos que seja uma obra ruim. Nelson Rodrigues era foda, acho bom ninguém discutir nesse ponto. E A vida como ela é… taí pra martelar o dedo de quem discordar.

Historietas sobre os recalques da classe média e alta, tabus mil, tudo o que há de podre no reino da Dinamarca esse corno escreveu. Fica difícil criar alguma coisa depois disso. No livro, cem, eu disse CEM continhos estão publicados, e olha que não foram todos.

Ler esse livro de cabo a rabo (quem curte expressões de livro como “ler de cabo a rabo”, “ler numa sentada”, etc? Levanta a mão aí!) pode te causar náusea, e até mesmo odiar o autor. Vai dizer “porra, tudo a mesma coisa!”. Mas isso é pra você (e claro, pra mim. Eu só pareço velho), que não lia toda semana o seu espacinho no jornal. Por isso meu conselho é deixar esse livro na cabeceira e de vez em quando, ler algum.

E que coisas estranhas essas historinhas guardam! Meninas que morrem subitamente, com um golpe de ar — sério, que povo fraco é esse do meu Brasil?; mulheres que tratam seus maridos de “meu filho” como hein “Ih, meu filho, sua batata tá assando”. Gente que responde taxativamente “É batata!” pra tudo. “E ela morreu assim, subitamente, com um golpe de ar?” “Batata, meu filho!”. E tem mais, tem mais: gente que fica repetindo a mesma frase pra dar ênfase como em “E tem mais, tem mais!”; sujeitos com leves tendências pedófilas que chamam as gostosas de “pequena”; gente que fala “Tu és de morte”; motoristas de ônibus que atropelam os outros sem dó; garçonières em Copacabana, de amigos alcoviteiros (talvez naquela época Copacabana não fosse o lugar onde as pessoas mais eram vistas na face da terra); cartinhas anônimas pro corno lerdo, enfim, todo um universo que se repete e se rearranja de todas as maneiras possíveis. Isso, meus queridos, é Nelson Rodrigues em A vida como ela é… E nem me fale daquela versão televisiva que passava no Fantástico e era narrada pelo Zé Wilker, que aquilo me dá nojo. Melhor ler o livro mesmo.

O motivo principal pra preferir a história no livro do que na boca mole do Zé Wilker é essa edição da editora Agir. A editora Agir não era nada antes de ser comprada pela Ediouro. Deu uns cinco minutos nessa editora em 2004 em que tudo mudou! A cada dia me surpreendo mais com os projetos gráficos dela, e com a escolha de autores também. Fizeram esse livro gigantesco, lindo para o ano em que ele foi lançado (tem que ver que há uns dois anos fazer livro virou coisa séria pras editoras), apesar do MALDITO papel offset, de gramatura baixa ainda. De qualquer jeito, vale pela capa e pela falta de economia nas páginas. Mas não tente carregar ele por aí, você só vai se fuder, e seu massagista vai ficar rico.

SOBRE A PROMOÇÃO: Tô gostando de ver a galera comentando aí. O comentário de número 500 vai ganhar o livro Plataforma, do francês boiolinha Michel Houellebecq. Literatura de primeira para os meus leitores de primeira (sentiu a puxada de saco? Então comenta aí, cacete!).

Comentário final: 605 páginas em offset. O livro que extinguiu os dinossauros.

Pedro Juan Gutiérrez – O Rei de Havana (El Rey de la Habana)

Isquindolelê que o Livrada! completou mais um mês de existência, caralho! Isso aqui não é grupo de hip hop da periferia de São Paulo, mas tamos aí também contrariando as estatísticas, morô, mano? O mês de maio fechou com quase 1600 visitantes, mais de 600 visitas a mais do que no mês de abril. Muitos comentários, feedbacks positivos (outros nem tanto) e sempre algum amigo meu retardado pra dizer “mas porra, livro?” É livro, sim senhor, cacete! Vamos provar que ainda tem gente miolada nesse Brasil que se interessa por literatura, mas não se informa sobre o assunto por conta de babaquice de alguns críticos que afastam o povão com seus jargões pomposos. Aqui é todo mundo junto, valeu?

Mas, como leitor de blog de literatura também é filho de Deus, vamos instaurar uma promoçãozinha babaca pra atrair os menos interessados no assunto da mesma maneira que a Dilma alguns candidatos compram voto da pobretada. E a Lilian, colega de trabalho que tem um blog sobre maquiagem (eu acho que é isso), já me deu o caminho das pedras para tal ardil. É o seguinte, macacada: o comentário de número 500 ganha um livro! Aí vem o amigo retardado: “mas porra, livro?” É, um livro, sim, arrombado! E não é um livro podre, velho, despedaçado, é um livro porreta novinho em folha especial para esta promoção (e assim que eu decidir qual vai ser, eu aviso). Estejam avisados então da promoção, avisem os colegas e corram para as montanhas, digo, para cá.

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Sem mais, vamos à resenha de hoje. Estava eu aqui pensando em qual livro escolher para o post de hoje, e eis que chega o amigo e cineasta Giuliano “Foba” Batista, um dos sócios da Asteroide Filmes, resolve sugerir um: O Rei de Havana, do nosso moleque prostituto favorito, Pedro Juan Gutiérrez. O Foba achou um livro tenso e pesado, e, cara, ele não tá errado.

O Rei de Havana foi o primeiro livro do Pedro Juan que eu li, emprestado da Carlinha, que perdeu seu exemplar (aliás, se alguém me descolar um aí, eu faço uma postagem especial), em meados de 2007. Três anos, portanto, e eu espero palminhas efusivas pela minha memória. Primeiro pensei: “Meu Deus, o que um livro tão cheio de sacanagem como esse está fazendo em posse de uma menina tão meiga quanto a Carlinha?” Mas então entendi que, mais do que o monte de sacanagem sobre a qual ele escreve, Pedro Juan se propõe a fazer um retrato, o mais fiel possível, de sua realidade. E se a realidade do sujeito é isso, confete nele, porra! “Ao cubano só resta a salsa, o rum e o sexo”, diz ele lá para quem abrir o livro pra ler a orelha. E nessas de contar a saga do Rei de Havana, um jovenzinho taradão como qualquer jovenzinho que cresce nas ruas depois de sua família inteira ser morta, o autor cubano mostra que entende de sacanagem (e corta pros dois lados) e sabe filtrar o dia a dia para misturar com doses saudáveis de porralouquice e ficção. Sem ter pra onde ir, o Rei de Havana é criado por uma puta e um travesti, depois de ter passado pela cadeia, onde foi tatuador. É ou não é mundo cão?

A trajetória da narrativa é uma coisa de doido. Não dá pra largar o livro. Eu mesmo li em uns dois ou três dias, fiquei boladão e passei a ler tudo o que foi publicado sobre o autor desde então. A capacidade do escritor de segurar alguém pela leitura nunca vai deixar de ser algo louvável, e o segredo para isso pode estar perto de ser revelado, com tantos best-sellers por aí que mais parecem gerados por softwares esquisitões, mas Pedro Juan não tem outra fórmula senão a sua busca pela verdade. Verdade, pera lá, verdade verdadeira não. Mas a verdade dessas que se constroem para exportação, exacerbada em alguns pontos, omissa em outros, mas sempre com aquele fio condutor que não deixa ninguém esquecer que se trata de uma realidade vivida por alguém.

Essa edição da Companhia das Letras é simplesmente do caralho. Colocou-me um olhar atento sobre esse capista chamado Angelo Venosa, cujo nome não lembro de ter visto em outras obras da editora, mas que revela grande talento pra coisa. Além do Trilogia suja, é o único livro com foto da capa do hermano Pablo Cabado, que, apesar do nome mega-engraçado, é um ás da fotografia na minha singela opinião. No mais, fonte Electra, papel pólen e tudo mais que você pode desejar num bom livro. Orna pra caralho. Ah, e tradução do mestre José Rubens Siqueira. Sim, o mesmo que traduz Coetzee do inglês. Os caras capricham quando querem. Tá bom ou quer mais, filhão?

Comentário final: 224 páginas em pólen soft. Água mole em pedra dura…

Philip Roth – A humilhação (The Humbling)

Ia falar hoje de outro livro do Philip Roth (no caso, O complexo de Portnoy), mas acabou que viajei aqui para a terrinha e só sobrou para resenhar o único livro que eu tinha em mãos, que terminei de ler no voo, graças ao meu vexaminoso – e primeiro – no-show e a escala forçada em Congonhas: A humilhação, do estadunidense Philip Roth.

Preciso admitir que a crítica, quando a gente liga pro que o crítico pensa, pesa sim sobre nosso julgamento final da obra, principalmente quando o comentário não é bom. Pois bem, tinha lido no blog do Irinêo (esse sim é um blog sério e compromissado) que a Humilhação é um livro, vamos dizer assim, tosco. Quem quiser leia lá o post do ano passado, quando ele leu o livro ainda em inglês, mas o caso é que eu fui ler esperando pior. E a verdade é que, por manter a expectativa baixa, o livro até me surpreendeu positivamente. A história é excelente, e isso por si só é algo grandioso nos dias de hoje, com suas punhetas literárias, poetas marginais e escritores wanna-bes que acham que literatura é só juntar um monte de palavra bonita. Entretanto, como assassinato em cadeia que nunca tem um só autor, dou aqui também minha apunhalada na obra, que, já adianto, vai causar faniquito nos guardiães do velhaco: A humilhação é um livro meio mal escrito (ooooohh!!). Explico o porquê.

Tenho a opinião meio fixa que tá difícil de ser mudada, que é a de que literatura de língua inglesa é naturalmente sem estilo. Não é culpa deles. O inglês é uma língua feia, é o McDonalds dos idiomas: rápida, com poucas opções de construções, falta de formas verbais que facilitam a vida, enfim, falta muita coisa que torna a profissão de escritor de língua inglesa um trabalho ingrato pra cacete. Por isso, tirando Shakespeare e outros ministros da boa escrita inglesa, o grosso da literatura nesse idioma baseia-se principalmente no poder da narrativa e nas análises psicológicas, descritivas, etc. Chega de falar bonito.

Até então, os livros que eu tinha lido do Philip Roth (parente do novo técnico do Vasco) eram primores nesse tipo de literatura que fez a reputação dos livros em inglês. Mas esse não. Muita vontade de analisar tudo. O sujeito leva a namorada pra cortar o cabelo, acha ela muito frágil ali e começa a questionar a independência dela; Depois fica analisando o que a moça tá fazendo com um cacetão de plástico que viado põe no cu e questiona sua fraqueza. Ou seja: forçassão de barra até não poder mais. Isso fica muito mais evidente em um livro curtinho como esse. A vontade louca de colocar importância em todo acontecimento da história tira dela qualquer carga dramática que quer se mostrar autêntica. Afinal, assim como toda música é feita de pausas, toda história necessita de suas lacunas, para serem preenchidas por nós, os leitores. Se eu quisesse ler tudo mastigado eu lia, sei lá, Danielle Steel. Eu disse que ia parar de falar bonito, né?

Mas a história, como eu disse, é muito boa. Um ator velhaco que tenta se matar por não conseguir mais representar se mete num relacionamento meio doentio com uma quarentona lésbica, com quem ele gasta dinheiro como se não houvesse o amanhã. Os pais da moça, outros velhacos, desaprovam o namoro por serem velhos (sic) conhecidos. A explanação sobre a dor da velhice em Roth é cruel, acachapante, fodástica e não recomendada para quem tem essa preocupação em mente. Aliás, Philip Roth não veio a esse mundo pra deixar ninguém feliz, e ponto. O sujeito gosta de uma tristeza, e ai de quem estiver feliz aí com a sua “melhor idade”.

De qualquer jeito, o conteúdo do livro, analisado bem grosseiramente, é uma variação do mesmo tema encontrado em outros livros seus, como A marca humana e O animal agonizante. Gente que se fode tentando passar por cima das próprias impotências e esquisitices pra se dar bem com a galerinha. Pensem em um cara rancoroso.

O projeto gráfico desse livro é o pitéu que é a coleção do autor. Dispensaria o roxo que tem na capa, mas é uma escolha do artista, e nisso ninguém pode meter o bedelho (aimeudeusdocéunummexenasminhascoisasmininu). No mais, tudo padronizado: logo do autor, fonte Electra, papel pólen de alta gramatura (pro livro parecer maior do que é), etc. Uma coisa curiosa desse livro é que ele tem capítulos! Gente, há quanto tempo vocês não viam um livro do Philip Roth dividido em capítulos? Isso, e mais a economia de papel que ele tá fazendo na própria literatura, só mostra o quanto ele tem uma certa razão em reclamar de ser velho. Bem que ele queria mais viço pra produzir os tijolões de outrora, mas ei, cara, não esquenta, os livros ainda estão bons. Ainda.

Só mais uma coisa: O título original em inglês é The Humbling, e tá traduzido certo, tudo bem. Mas Humbling tá escrito com letra maiúscula, pelo menos na ficha técnica do livro. Alguma intenção do autor nessa escolha de caixa alta que a editora não respeitou ou tá tranquilo?

E um ps: Essa semana o livrada completa 2 meses. Não prometo, mas vou tentar fazer uma resenha no dia 8 em comemoração.

Comentário final: 101 páginas em pólen. Pra bater é que não serve.