Ano novo, blog velho. Sejam bem-vindos ao Livrada – Ano V! Tecnicamente ainda não é o aniversário do seu querido blog de comentários literários, mas é quase. Vejam só, cinco anos falando se um livro é bom ou é ruim por meio de critérios altamente discutíveis, e ainda assim arrematando multidões. O segredo para o sucesso? Persistência diante das adversidades, seriedade diante dos haters, muito alface e muita água mineral. De mais, olho de lince e olho no lance, como diz um amigo meu.
O livro de hoje contempla a grande e desconhecida produção literária da cidade onde eu moro. Muito embora tenhamos o recente case de sucesso do livro de poesias do Paulo Leminski, que vendeu justamente por ser uma poesia baseada na estética da sacadinha, algo ao alcance de todos, e tenhamos alguns outros escritores premiados e reconhecidos internacionalmente, a literatura curitibana – fazendo aqui o recorte geográfico que todo mundo da cidade, e por que não dizer do estado, adora fazer – possui espécimes literárias para todos os gostos e cabeças. Mas o que talvez pouca gente saiba é que a inventividade e a literatura fantástica, subgêneros pouco representados no Brasil, tem um de seus maiores representantes nessa cidade. O escritor Manoel Carlos Karam (1947-2007).
Karam tem uma escrita dispersa, fragmentada. De certa maneira, todos os seus livros são coletâneas, já que as pastinhas em que guardava seus originais tinham planos para mil combinações de textos em livros diferentes. Pescoço Ladeado Por Parafusos, reeditado pela belíssima editora Arte e Letra, não foge à regra. O livro contempla trechos distintos de livros distintos. Alguns muito bons e outros, que não dá pra entender patavinas.
Entre os bons, cito aqui o “Jornal da Guerra Contra os Taedos”, uma verdadeira ode à literatura de humor e à inventividade narrativa. São comentários breves sobre uma guerra travada contra um povo imaginário que é inacreditavelmente idêntico ao povo que o combate. A guerra contra os taedos é cheia de absurdos humanísticos, de tréguas e de estratégias burras que de alguma forma fazem sentido no contexto do livro. A coisa é tão engraçada e absurda que Borges não teria escrito melhor, caso ele tivesse um senso de humor menos esquisito.
Também tem o “Divagações sobre números”, que é uma porrada de sacadinhas (uma constante entre a geração dele, ao que parece) sobre números. Coisas que caberiam num tuíte, e que não deixam de ter um fundo obsessivo pela coisa.
Mas aí tem o “Projeto de Bestiário”, que, ao que tudo indica, é um contraponto do Jornal da Guerra Contra os Taedos, mas é um texto tão solto e tão desconexo que demora até que alguma conclusão desse tipo possa ser tomada. Começa com alguém tentando bolar um nome e associando características a cada nome. Um troço meio despropositado, mas divertido durante os cinco primeiros minutos.
No fim, Pescoço Ladeado Por Parafusos é uma confusão que só, e é um desses livros que você lê para se perder em meio a tanta maluquice, como é com os livros do Valêncio Xavier e do manuscrito Voynich. Não dá pra dizer que eu apreciei cada página da leitura, mas também não dá pra dizer que poderia ter passado minha vida de leitor sem essa. Porque se ler é imaginar, então ler Karam é extrapolar os domínios da mente. Caraca, que frase bonita, espero que me citem em alguma orelha de livro com essa.
O projeto gráfico da Arte & Letra é demais. Sou um pouco suspeito pra falar, não só pela minha proximidade com a editora e livraria, mas também porque a capa é do ilustrador André Ducci, o melhor de Curitiba e, quiçá, um dos melhores do Brasil. A mesma editora publicou outro livro dele, Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca, num esforço louvável para resgatar a literatura desse cara das profundezas dos catálogos de editoras miudinhas – algumas já extintas – que ainda ganham dinheiro com copyright sem fazer nada pelo acervo. A diagramação do livro é boa, o papel é pólen de gramatura grande e o formato do livro é pequeno, quase quadrado. Enfim, um bom produto.
Comentário final: 192 páginas em papel pólen. Tente imaginar isso!