Jack London – O Lobo do Mar (The Sea-Wolf)

The Sea WolfBrothers, Brothers, Hermanos e irmãos, represento todos aqueles com um livro na mão. E disso eu entendo bem, romance ou conto, romântico, modernista, clássico ou barroco. Estilo, linguagem, narrativa e autor, palavras que pro meu vocabulário são comuns. Pego o livro e viajo pelo meu pensamento. Começo rápido, rápido e leio leeeeento. Ok, essa deve ter sido a pior paródia de Planet Hemp já feita na história, e falei tudo isso só pra dizer que o livro de hoje ficou mais tempo na minha mão do que deveria, e durante muito tempo isso me intrigou, porque é um livro deveras interessante e nada difícil de ser lido. E depois que terminei, entendi. Demorei mais de um mês pra ler o Lobo do Mar porque acho que descobri um novo autor favorito.

Engraçado como esses caras sempre estiveram aí e mesmo assim a gente tem que descobrir eles por conta própria, às vezes já tarde na vida, às vezes sem razão, mas o importante é não abandonar a busca. E assim foi, quando bati o olho nessa edição da Zahar que dizia ser uma edição comentada (achei pouco comentada, na verdade, mas falemos disso depois), e vi que havia minhas razões para gostar desse livro. Em primeiro lugar, gosto de histórias que se passam no mar e em segundo lugar, gosto de histórias com um fundo levemente filosófico – quesitos a que O Lobo do Mar, do Jack London, atende. E por último, é o livro que baseou o filme italiano Il Lupo dei Mari, de 1975, que por sua vez, inspirou o Piratas do Carilha, na Tela Class, uma das melhores paródias-dublagens desse genial programa. Pra quem não tá ligado, assiste aqui:

 

 Mas vamos por partes.

O Lobo do Mar narra a história de um almofadinha chamado Humphrey van Weyden – e aqui já precisamos dedicar nossas felicitações ao autor pela excelência em escolha de nomes de almofadinhas, porque não dá nem pra falar isso sem parecer metido – que, depois de naufragar num navio de almofadinhas na costa oeste dos Estados Unidos, é resgatado pelo Ghost, um navio de caça às focas que ruma para o litoral do Japão. O sujeito, bem feliz achando que ia ser levado de volta à terra firme, se desespera quando descobre que vai ser uma espécie de trabalhador involuntário da tripulação comandada por um machão chamado Wolf Larsen. É neste senhor que reside o brilhantismo da história. Larsen, que é tido como um cara temido e cruel, como todo bom marinheiro deveria ser, é um desses sujeitos eruditos autodidatas, que aprendem pelos livros que caem nas mãos, mas ao mesmo tempo possui uma carga de vivências reais que lhe permitiu testar o que servia e o que não servia. Hump, como é chamado pela tripulação, fica animado de saber que o comandante do navio não é um sujeito de todo irracional e acha que isso pode livrá-lo dali, mas Larsen não quer saber, e acha que um trabalho braçal faria bem ao caráter do náufrago, para quem a vida foi sempre fácil.

Jack_London_youngAssim, Hump começa a se virar nos 30 no barco de pesca, e conhece a tripulação, uma cambada de degenerado que nunca ia arrumar trabalho em lugar nenhum a não ser naquele navio, mas isso só porque naquela época ainda não existia ChiliBeans (é lá que você vai trabalhar se fizer tatuagem no pescoço, jovem). E existem pequenos núcleos dentro do navio, que nem uma novela: o núcleo da fofoca, comandado por um escocês chamado Tommy (eu acho), um núcleo da revolta, capitaneado pelo Leach, que tenta matar o Wolf Larsen o tempo todo, e um núcleo do puxa-saquismo, que é o cozinheiro Mudridge, que logo de cara resolve tretar com o nosso protagonista. Aos poucos, o almofadinha vai subindo na vida até cair nas graças do capitão, e quando o navio pega outros náufragos, entre eles, uma mulher poeta chamada Maud, tudo muda de figura para o protagonista. E paremos de explanar a situação por aí.

Em sua forma, O Lobo do Mar é um excelente livro. É fácil de ler, tem uma história envolvente, discussões acaloradas e rasas sobre filosofia que qualquer zé mané consegue entender, e personagens carismáticos pra burro, além de um realismo tangível nas descrições dos comportamentos do barco e do mar que quem conhece sabe (e esses hipsters com tatuagem de âncora não aguentam 10 minutos de mar comigo). Ou seja, você não vai se entediar com esse livro, quase posso garantir – não posso garantir porque vai que você é um desses chatos que só leem livro sobre os Templários ou sei lá o quê.

Já em seu conteúdo, o romance acho que toca num ponto crucial de toda a experiência humana: o quanto da teoria que existe aí hoje pode ser válida no mundo real. Noções artificialescas como a ética e o valor da vida humana são colocadas a prova por Wolf Larsen apenas para provar um ponto para seu diletante interlocutor, e isso é legal pra caramba porque mostra, de alguma maneira simbólica, de que a vida está aqui fora, e não nos livros – muito menos no que você está lendo, Jack London diz sem dizer. Um sujeito que viveu muito – e viveu mesmo, conforme vocês podem ler na belíssima apresentação da vida do autor feita pelo Joca Reiners Terron – não quer que vocês vivam aí conhecendo as coisas pelas letrinhas, eu acho, a julgar pela agitação da maioria de seus livros (os poucos que conheço por filmes). Então, sei lá, fica a dica.

O projeto gráfico da Zahar é absolutamente demais e o tipo de coisa que você quer ter na estante. Apesar de achar a capa meio pueril, tenho que admitir que o design ficou agradável e orna com o resto da coleção Clássicos Zahar, e a capa dura é um a mais. A tradução é do nosso conhecido Daniel Galera, e por dentro é tudo dentro dos conformes: papel pólen, fonte boa e um marcador de livro bem bonito a partir da capa. Pros marujos de água doce da cidade, o livro ainda vem com um glossário quase completo dos termos náuticos utilizados no romance, pra você não ficar tão perdido assim.

Comentário final: 356 páginas papel pólen. Ande na prancha, marujo!

Recado 1: Para quem acompanhou a minha saga da semana passada mas não curte a página do Livrada! no Facebook, fiquem sabendo que o Rubens Figueiredo já me escreveu e ele é mesmo a simpatia que aparenta e tá tudo bem agora, obrigado, gente!

Recado 2: na próxima semana, estarei em terras longínquas curtindo merecidas férias. O blog fica parado um tempo, mas logo volta J

Yu Hua – Irmãos (Xiōng Dì兄弟)

Xiong diLivraded!, your personal high-literature website is back, oh yeah! Ainda estamos em janeiro, e qualquer resolução de ano novo que seja abandonada ainda em janeiro não é digna de nota, digo eu. Pois bem, prometi a mim mesmo dedicar mais miolos a encher esse recôndito culto da internet de abobrinhas criadas a partir de leituras cada vez menos esporádicas, e é isso que pretendo fazer nessa bela segunda-feira de sol (na verdade, como estou escrevendo isso no domingo, não sei se vai ter sol, mas espero que em algum lugar do mundo em que haja um leitor, isso seja verdade).

E hoje, por que não, um daqueles livros grandes o bastante para validar o apodo deste humilde blog que, por força das circunstâncias, mergulhou em um período de fast-pace mais relacionado às poucas páginas de seus títulos do que propriamente a fugacidade de seu conteúdo. Irmãos, de Yu Hua, é a bola da vez. Sim, meus amigos, esse chinês com vocação para escrever as piores desgraças infligidas a humanos por humanos é a minha grande descoberta literária do ano passado. Descobri sozinho, sem ler uma resenha, receber uma indicação ou saber qualquer coisa a seu respeito. Um desses livros que a gente pega por força da curiosidade, o Crônicas de um Vendedor de Sangue foi o primeiro, e agora já posso dizer que conheço toda a obra do sujeito publicada em português. Infelizmente, isso não é um título muito impressionante se levarmos em consideração que se tratam de apenas três livros traduzidos até o momento, mas há um agravante na pancada amortecida se considerarmos que Irmãos é gigantesco: nada menos do que 630 páginas. Qualquer livro com mais de 400 páginas para mim é considerado grande, e qualquer um com mais de 550 é considerado muito grande. E para você, o que é um livro grande para você?

Mas falemos do Irmãos. Bom, a tara do tal Yu Hua, que já comentamos por aqui antes no tristíssimo Viver, são os romances de formação. Os três livros publicados no Brasil tratam da vida de sujeitos fadados ao miserê desde o nascimento até a sepultura. Que ele consiga fazer isso em duzentas e tantas páginas como no livro supracitado é admirável, mas que ele consiga estender para um mega romance como esse é fodástico, principalmente se a gente se lembrar que o estilo dele é calcado majoritariamente em ação. Ação, ação, ação, com pouquíssimo tempo para analisar, cheirar as rosas, contemplar as belezas ou se lançar a qualquer lampejo poético entre atos. A imaginação dele é invejável, digo isso do alto de quem sempre desprezou justamente essa qualidade em romances fantasiosos como As Crônicas de Gelo e Fogo. Há uma diferença clara de quando se faz isso num mundo em que não se conhece de quando se faz isso num mundo em que se conhece demais. Enquanto o primeiro é brecha para glitches mal-feitos, o segundo é o claro objetivo de se descrever aquele universo por meio de seus personagens.

E é exatamente a isso que Irmãos se propõe. Os irmãos do título são Li Carequinha e Song Gang, na verdade meio irmãos. Enquanto o primeiro é filho da sofrida Li Lan, o segundo é filho do bonitão e basqueteiro Song Fanping, que se casam depois que seus respectivos cônjuges morrem – algo escandaloso para a época pré- Revolução Cultural, diga-se de passagem. Li Carequinha é safadão, gaiato e arrogante, enquanto Song Fanping é subserviente, nobre e correto em todos os sentidos. E basicamente é isso o que se precisa saber sobre os dois personagens principais da história. Isso porque Irmãos não é a história de Song Gang e Li Carequinha, mas a história da China, da Revolução Cultural à abertura econômica, e nada melhor para detalhar a saga de tão grandioso e complexo país quanto personagens voláteis com espíritos rígidos à sua própria forma. A China de Mao, que se escandaliza quando Li Carequinha é pego espiando bundas no banheiro público na pequena e ficcional cidade de Liu, é diferente da China de Jiang Zemin, que realiza as Olimpíadas do Hímen, ou Concurso Nacional da Beleza Virginal. A China das bugigangas falsificadas, dos acordos com o Japão, das novelas coreanas, da indústria das cirurgias plásticas, é um universo completamente diferente daquela outra, comunista, que massacrou pessoas em sessões de crítica e autocrítica. Basicamente é essa a passagem que o livro conta, e como as personalidades de Li Carequinha e Song Gang encontram seus lugares em cada uma delas.

Yu HuaNão há, aqui, um resumo que eu possa dar sem que incorra nos tais spoilers que resultam em uma enxurrada de hatemail que recebo, e nem que comporte a magnitude das ações que se desenrolam ao longo das centenas de páginas de Irmãos. O que podemos dizer é que, órfãos desde que Song Fanping é espancado até a morte na rodoviária da cidade, a primeira metade da vida dos irmãos é de uma tristeza sem fim, compartilhada com outros personagens recorrentes no livro e, tais como eles, desprovidos de qualquer profundidade. Tanto é que o nome deles já denota tudo o que podem ser na história: Zhang Alfaiate, Yu Boticão, o dentista, Wang Picolé, o sorveteiro, Tong Torquesão, o ferreiro, e Guan Tesourão, o amolador de tesouras. Somam-se a eles Su Mamãe e Su Mocinha, donas da lanchonete, e Lin Hong, a beldade do vilarejo a quem Li Carequinha espia, o que lhe garante pratos de macarrão especial em troca da descrição da bunda mais bonita da cidade, para fazer menção a uma infame banda da minha cidade. E, claro, uma trupe de personagens não estaria completa sem os dois panacas Liu Escritor e Zhao Poeta, os chamados Talentos Promissores da Cidade de Liu. Pronto, está montado o palco para a comédia da miséria humana.

Estranhamente, a segunda parte do livro revela uma veia cômica de Yu Hua pouco explorada em seus outros romances. A coisa fica realmente engraçada, embora, de certa forma, nunca deixe de ser triste. Piadas de humor negro com retardados mentais, aleijados, mudos, cegos e surdos, charlatões, falsas virgens, pensamentos tacanhos e outras ignorâncias de um país que se viu obrigado a espertar-se diante de um mundo que se abriu de uma hora para outra tornam o livro muito mais leve, coisa que não imaginaria depois de uma avalanches de socos na boca do estômago que esse livro te dá nas primeiras duzentas páginas. Pensando bem, poucos aguentariam uma dose dessas por mais 400 páginas…

Ainda sobre os apelidos, é engraçado pensar que apenas Song Gang e Song Fanping são os personagens sem apelidos em Irmãos. Eles e as mulheres Li Lan e Lin Hong. Acho que o china quis atestar a nobreza de seus dois personagens mais queridos, que não se dobram ante piadas e apelidos, apenas quando seus destinos mudam a coisa também muda de figura. Pensem nisso se um dia estiverem com esse livro em mãos, tal informação pode ser crucial para o entendimento dele, mas sobre esse assunto nem mais uma palavra sob o risco de jogar mais spoilers sobre essa casca dura de leitores impiedosos de internet.

No final, a gente vê que não é só porque um livro não é cheio das floreações poéticas, análises psicológicas e vida interior rica que ele é ruim. Pelo contrário, o fato de Irmãos ser recheado só de ações o aproxima da tradição teatral das grandes tragédias e dá substância ao material de que a vida é composta sem oferecer o substrato mastigadinho pro leitor preguiçosão. Certeza que esse é um dos livros mais legais que já li, e é difícil que alguém não sinta a mesma coisa depois de se envolver tão intensamente com uma longa história como essa. Tirem a prova e me digam: o que há para se não gostar nesse livro? Até a superficialidade dos personagens é adoravelmente cômica, o sujeito não deixa margem pra você criticar sem parecer um metidinho rancoroso que não come ninguém. Recomendo.

Por último, uma ressalva a essa edição da Companhia das Letras: por mais que o livro seja muito bonito e tudo mais, é um absurdo fazer uma edição que pesa um quilo com uma capa de papel cartão, que corre o risco de quebrar a qualquer hora com o peso das páginas seguradas. Cuidado com isso quando lê-lo.

Comentário final: 630 páginas. A saudosa fratura exposa e afundamento de crânio estão de volta, dessa vez para ficar!

Kyoichi Katayama – Um grito de amor do centro do mundo (Sekai No Chusshin De Ai Wo Sakedu 世界の中心で、愛をさけぶ)

SEKAI NO CHUSSHIN DE AI WO SAKEDUIh, são dez horas da noite, eu saí de casa pra ver a luta na televisão e esqueci de escrever pro blog de novo. Peraí, de novo não, da outra ocasião eu não escrevi porque a vida tá difícil mesmo, e eu espero que vocês me perdoem e me entendam. Bom, felizmente dessa vez o meu camarada Lucas Lazzaretti emprestou-me o seu laptop para que eu digite essas rápidas linhas enquanto tento encontrar um acento e outro nesse teclado maluco. Por isso hoje vou ser breve, cumpri tabela e fazer algo que eu não faço há muito tempo, que é meter o malho num livro.

Por isso, vamos lá. De cabeça falo hoje de Um grito de amor do centro do mundo, do Kyoichi Katayama, um livrim meia boca demais que eu quis ler pra saber que cara tinha um best-seller japonês. Achei que, por ser do Japão, esse povo tão sofrido que hoje estamos homenageando aqui, pudesse ser um best-seller melhor que os dos outros países. Como é o caso do Michel Houellebecq na França por exemplo (e não vamos falar de Marc Levy aqui, pelo amor dos meus bagos). Houellebecq vendeu meio milhão de cópias com seu penúltimo livro, A Possibilidade de uma Ilha, que um dia eu resenho. Isso se meus números estão atualizados. Bom, o Katayama vendeu nada mais nada menos do que 3,5 milhões de cópias no Japão. Isso num país que é uma tripinha menor que o Chile. Quero ver um livro vender isso aqui no Brasil. Nem Laurentino Gomes, amigo. Bom, daí que imaginei que o livro talvez fosse um desses petardos que teria a sorte de ser mais vendável do que rosa branca de iemanjá no ano novo. Mas, amigos, me enganei. Mea culpa, mea maxima culpa.

Um grito de amor no centro do mundo conta a história de Sakuratô e Aki, um menino e uma menina, repectivamente, que se apaixonam na escola ainda, mas tempos depois ela descobre que está com leucemia e morre (não se preocupe, não contei nenhum spoiler). Putz, me digam: quantos Chick Flicks vocês já viram com um roteiro como esse, com algumas váriáveis, como idade e qual dos dois tem câncer? O cara já começou mal, ou seja, explorando um tema mais batido que músculo antes de ir pra panela. Mas bom, quem ainda não está cansado de ler sobre isso, e quer achar um ticket fácil pra avenida do choro, o livro pode ser uma boa. Só que, se a história não é muito original, a forma não é muito inovadora também. Uma escrita beeeem mela cueca, cheia dos sentimentalismos baratos e formas muito usadas. Coisas como “a vida é triste, como as folhas das árvores caindo num outono frio” etc. Já falei que existem frases que me fazem levantar da cadeira e querer gritar “gol!”. Pois esse tipo de coisa me dá vontade de levantar e xingar a mãe do juiz.

Tá, exagerei um pouco, mas faz parte da crítica ser impiedoso com o livro pra depois dar uma levantada na moral do livro. Isso quando o crítico não é cruel, como eu não sou. Quando o cabra é cruel, ele faz o contrário: levanta um pouquinho a bola e depois enterra todo mundo. Bom, o livro não é desagradável de ler, a verdade é essa. E é curtinho, não atrapalha o cronograma de ninguém e pode ser uma boa leitura pra você levar pra praia e ler embaixo de um belo guarda-sol. São 155 páginas, afinal, não machuca ninguém. E vá lá, quem sabe você se emociona. Ah sim, o título do livro faz uma menção ao livro do Harlan Elisson “Crying out love in the center of the world”. O Murakami também faz menção no título do livro dele que eu resenhei, né? Que cambada de japa referente!

Esse projeto gráfico da editora Alfaguara é o bicho ou não é? Alguns me disseram que a japonesinha da capa matou o resto da foto que tem um fundo bacana, mas eu gosto da capa. A tradução foi feita diretamente do japonês por alguém que não vou saber citar de cabeça porque o livro está longe, e o papel tem uma gramatura grande pra parecer que tem mais livro do que na realidade tem. Bom, o projeto deles muda muito pouco. Ainda assim, valeu a intenção da editora de trazer um best-seller que não seja americano ou o nosso inominável Paulo Coelho. É um best-seller? É. Mas pode ser cult? Pode também. Tô parecendo o Kleber Machado? Um pouco. Vamos parar por aí? Sim.

Comentário final: Escrevi o último parágrafo já em casa. Que droga essa luta do Shogun…

Yasunari Kawabata – O Lago (Mizuumi みづうみ)

MizuumiCantemos felizes a canção do dia, hoje é quarta feira, dia de alegria! Crianças, hoje é um dia muito especial! Trata-se do casamento do amigo Cássio “Cabôco” Capiroba com a amiga Denise! Parabéns aos noivos! Por isso hoje eu vou escrever essa resenha rapidinho, porque estou saindo para dar uma palestra na faculdade e depois vamos comemorar na churrascaria e comer até perder a dignidade! O meu tipo ideal de programa: ver os amigos, abater algumas almas no curral, comer até o toba fazer bico e celebrar a vida, que pode ser muito boa, basta querer… ir até uma lotérica e fazer aquele joguinho campeão.

Passado o nariz-de-cera de praxe, vamos ao que interessa: literatura japonesa! Sabem, a literatura japonesa é muito parecida com a comida japonesa: é pequenininha, não sacia muito, é tudo meio-morto-meio-vivo, tem que ser muito delicado pra apreciar e é tida como coisa de gente fresca e/ou muito esquisita. Mas vamos mudar isso tudo! Vamos fazer as pessoas lerem mais esses “japas matadores de baleia”, como gosta de lembrar meu camarada Michel “Le Chackal” Melo (ele falaria agora “você é um camarada!”). A literatura japonesa pode ser muito rica se nós abrirmos nossos olhos para ela (“abrir os olhos”, hã? Hã?). Falo em abrir os olhos porque é preciso ver a literatura com os zóio certo. Explico um pouco sobre isso antes de tratarmos do livro em questão.

Como qualquer cultura distante da nossa, podemos encarar a coisa de duas formas: sob um véu de misticismo, achando aquilo tudo uma onda mutcho loka, uma viagem a outro planeta (e sério, os japoneses são o povo mais próximo do povo marciano que vocês vão ver, então contentem-se), e por isso, apreciar cada detalhe que nos distancia daquele universo. Ou, ao contrário, enxergar um autor japonês como enxergaríamos um autor ocidentalizado, como um mexicano desbotado. Isso! O japonês é um mexicano desbotado! Podem começar a circular essa frase pela internet dizendo que foi o Luis Fernando Verissimo que escreveu. O que queria dizer é que podemos tirar todo exotismo presente e encararmos aquilo como mais um livro. E, acho eu, a melhor das opções é a segunda, pois é só assim que você consegue se aprofundar na história sem ficar todo bobão olhando pros lados e tirando foto de tudo igual ao estereótipo do turista de camisa florida e bermuda branca. E claro, deixar-se maravilhar pelo universo totalmente diferente que está sendo apresentado a você, mas nunca deixar que isso barre você às portas da percepção do romance. Explicado então, continuemos.

O Lago é um romance do Kawabata publicado originalmente em 1954, no ano daquela Copa em que a gente tomou sacode nas quartas da Hungria. DA HUNGRIA! Pela madrugada, e depois reclamam do Dunga… Bom, a história fala de um ex-professor, o senhor Ginpei, que é, na melhor definição, um stalker. Ele acha que encontrar as gatinhas na rua é muito triste porque o encontro está já fadado a ser efêmero pela sua casualidade, então resolve colar no calcanhar das moças e sair bancando o sombra. A partir daí, Kawabata vai contando as histórias dessas moças seguidas, mostrando que o narrador onisciente é o stalker mais bem sucedido que existe. O desdobramento das histórias, na relação direta com o professor Ginpei, é de doer o coraçãozinho. Só lendo pra ver.

Yasunari KawabataGosto nesse livro excepcionalmente do comecinho, quando ele vai a uma casa de banho e uma moça começa a lhe esfregar as orelhas, os pés, dá banho nele e o escambau. É uma parada relaxante só de ler. Acho que é isso que Kawabata queria com aquela corrente neo-sensorialista que ele defendeu no Japão, a tal da shinkankakuha. Ele realmente consegue te levar numa montanha russa de sentimentos, o mais próximo que nós, a macharada, vamos chegar da TPM.

Diz lá na orelha que Ginpei é muito diferente dos outros personagens do Kawabata por ser destruído e doentio, mas eu acho que, muito pelo contrário, ele é o típico personagem do autor. Primeiro, qual personagem do Kawabata não é doente da cabeça? Garanto que, se analisar bem analisado, o sujeito bate pino mesmo. Segundo, o Ginpei é maluco-beleza, gente. Inofensivo e sensível à presença feminina, como Eguchi, como o sujeito sem nome da Dançarina de Izu, enfim, Kawabatiano (hahaha mentira que eu falei isso, esquece).

O projetinho da Estação Liberdade é realmente gracioso. A coleção do Kawabata inteira é. Apesar do papel pólen soft e da fonte Gatineau, que não combina em nada com a folha, os livros tem um acabamento bom, capas a partir de imagens de Midori Hatanaka, feitas em folhas de ouro, ideograma com o título original na capa e na página 7, e uma tradução que erroneamente pensei que fosse grossa conosco ocidentais, ao me ver sem saber o que era um furoshiki. Mas foi só isso e, de resto, notas de rodapé esclarecedoras fazem a leitura muito mais familiar para quem tem olho redondo.

PS1: Japoneses do meu Brasil. Tudo bem que brinquei e fiz algumas piadas com vossa honorável etnia mas, por favor, sem mandar eu lavar o meu pescoço, isso aqui é só uma brincadeira e, se vocês olharem bem, não falta sacanagem pra ninguém por aqui. Gosto muito de vocês, viu?

PS2: Tô vendendo meu PS2, vem com memory card e uns 30 jogos. Tratar aqui.

PS3: Não quero comprar até que tenham inventado o Blu-Ray pirata.

PS4: Ainda dá tempo de enviar a foto da sua estante de livros para o bloglivrada@gmail.com Manda lá, cabra da peste!

PS5: Assinem o RSS! Ou sigam-me no twitter: @bloglivrada. Gracias.

Comentário final: 163 páginas offset. É como jogar betes com hashi, não vale a pena.

Yasunari Kawabata – A Dançarina de Izu (Izu no Odoriko, 伊豆の踊り子)

Deus sabe que não gosto de literaturas muito descritivas. Mas esse livro, A Dançarina de Izu, do japa Yasunari Kawabata, prêmio Nobel de literatura em 1968, bateu fundo no peito. O livro é curto — menos de 60 páginas — e é de uma singeleza que dói. Kawabata escreve o livro como um pintor que não tem dinheiro pra comprar tinta pinta uma tela — economizando em tudo. E como dizem algumas peruas que, quando saem na rua mais parecem árvore de natal, o menos acaba sendo mais.

O livro foi publicado em 1926, e escrito a partir de uma experiência autobiográfica de sua vida de estudante. O mauricinho, então com dezenove anos, faz uma viagem de férias à península de Izu, a oeste de Tóquio. Hospedado em alguns albergues familiares, conhece uma trupe de artistas mambembes de Oshima, uma das ilhas de Izu (procura no Google Earth que é bem bonito o lugar). Uma das integrantes dessa trupe é uma pequena dançarina chamada Kaoru, de treze anos. Ele se encanta com a graça da menina e faz amizade com os outros artistas da companhia, todos de sua idade ou mais jovens do que ele. E ao final de suas férias, ele volta para a cidade grande. Essa é toda a história do livro. Simples, não?

Não dá nem pra chamar isso de Spoiler. A graça de A Dançarina de Izu está na beleza das descrições de Kawabata, das cenas que ele coloca na sua cabeça de uma maneira tão universal que chega a ser difícil haver muitas diferenças nas diversas adaptações que o livro teve para o cinema.

E a gente fica pensando: Como um ser tão sofrido como Kawabata pode ter escrito uma obra tão bonita? Para quem não sabe, o escritor perdeu o pai com dois anos e a mãe com três. Seus avós maternos abrigaram ele e sua irmã mais velha em Tokoyama, Osaka. Com sete anos, sua avó morreu; com dez, sua irmã; finalmente com quinze, seu avô. Ao longo de sua vida, perdeu vários amigos que suicidaram. Até que em 1972, ele passou por uma operação de apendicite que debilitou sua saúde. No mês seguinte, se matou inalando gás de cozinha. O cara é praticamente um coelho sem patas da má sorte total.

A beleza da obra está, eu acredito, na aventura de conhecer um lugar novo com pessoas novas. A trupe, toda composta por jovens, independente em sua arte, itinerante permanentemente ao contrário dele próprio, que está só de passagem. A história velada que cada vida possui, um grupo só de adolescentes (quase uma turma de Garotos Perdidos). O deslumbramento pela menina e o amor impossível que sente por ela (já naquela época essas coisas davam cadeia), não carnal, mas etéreo e idealizado. E depois a volta à realidade.

A editora Estação Liberdade está de parabéns por publicar a obra completa de Kawabata com projetos de capas (para esta, Midori Hatanaka, acrílico sobre folha de ouro. Incrível, hein?) e fonte Gatineau, que eu nunca tinha ouvido falar até ler o livro. Gostei mais ou menos da fonte, acho que até combina com a diagramação que fizeram. O ensaio complementar ao livro, que tem quase o tamanho do romance, é um pitéu. A gente tem que agradecer a esses heróis que se dispõem a estudar esses caras. Meiko Shimon, um abraço pro senhor. E um abraço também para o tradutor Carlos Hiroshi Usirono, que decifrou aquela escrita maluca que é o japonês. Vou ficar devendo suco pra muita gente depois desse blog. A parte chata do livro é, de novo, a merda do papel off-set. Sério gente, parou com isso.

Comentário Final: 101 páginas, incluindo o ensaio, em gramatura alta. Se tacar igual estrelinha ninja, é capaz de decepar a cabeça de alguém.