Vídeo: Foe, de J.M. Coetzee

E aí, party people, estão curtindo essa vibe inédita e raríssima do Livrada! de dois vídeos por semana? É, enquanto sai a cobertura da Flip, vou soltando esses que gravamos por lá. Esse é de um livro antigo do Coetzee que só foi lançado agora pela Companhia das Letras. Espero que gostem.

Clica. Na. Imagem.

Foe

Vídeo: Cine Privê, de Antonio Carlos Viana

Vamos falar de uma das melhores descobertas literárias pessoais dos últimos tempos? Minha mãe me mandou esse livrinho do Antonio Carlos Viana e ficou um tempo fazendo um lobby pra eu passar ele na frente da fila, até que por fim cedi (por favor, não façam como a minha mãe). Foi uma boa e feliz decisão, eu percebi, enfim. Clica na imagem, é uma resenha curta e, até certo ponto, bem repetitiva. Por isso não vai tomar muito do seu precioso tempo, ilustre pessoa.

cine prive

Vídeo: Em Busca do Prato Perfeito, de Anthony Bourdain

Começaram as resenhas do Desafio Livrada! 2016. Tá tendo muito vídeo esse ano, mas calma que as resenhas em texto vão voltar também. Hoje, falamos de Em Busca do Prato Perfeito, o segundo Anthony Bourdain que eu li. Not my proudest read, confesso. Digo o que eu achei do livro, e você pode ouvir, se clicar na imagem.

Em Busca do Prato Perfeito

Vídeo: A Morte do Pai, de Karl Ove Knausgard

Aê, acabou o carnaval, o ano começou e por que não começar bem com uma resenha em vídeo velha pra cachorro? Li o primeiro volume de A Morte do Pai, do Karl Ove Knausgard, e nesse vídeo, tento explicar um pouco do hype que é… pô, que foi… pô, tá sendo…

Clica na imagem.

Karl ove

Philip Roth – Pastoral Americana (American Pastoral)

Pastoral AmericanaFinalmente chegou a hora. Pastoral Americana, de Philip Roth, o livro da categoria 15 do Desafio Livrada! 2015. Esse livro me tomou muito tempo de leitura, não só porque é grandão, mas também porque tive que parar de lê-lo várias vezes para dar conta de outros compromissos literários. Mas não estou aqui para ficar de mimimi, embora essa abertura talvez justifique muito bem a superficialidade dessa resenha (até porque com a Camila escrevendo sobre Philip Roth por aí, a gente até desanima de tentar com mais força).

Bom, fiquei sabendo que muita gente que leu o Pastoral para o Desafio não gostou do livro, achou chato. Devo dizer que 1- até entendo suas razões mas 2- vocês estão equivocados. Pastoral Americana é Philip Roth na sua melhor forma. Denso, crítico, cheio de contexto, cheio de tessituras, cheio do puro suco da voz sem estilo (isso é um elogio, acredite). Esse é o primeiro livro da Trilogia Americana, que tem ainda Casei com um Comunista (que ainda não li) e A Marca Humana. A trilogia serve pra acabar com a vida perfeitinha dos estadunidenses, então pode não significar muito pra gente que cresceu odiando os Estados Unidos, a Disney e seus patetas, mas lembre-se de que esse é um povo que abana bandeirinha pra assassinato de terrorista e que qualquer crítica interna já é motivo pra banir do coletivo fem… do Facebook.

O livro gira em torno da vida do “Sueco” Levov, um judeu prodígio de uma pequena comunidade judaica em Nova Jersey. O fascínio que o talento para o esportes de Levov desperta na comunidade chega até o narrador, ele, o mito, Nathan Zuckerman, que já fica todo feliz de ser colega do irmão menor do Sueco, Jerry. Quando Zuckerman encontra Jerry num desses encontros de trocentos anos da turma de mil novecentos e guaraná de rolha, descobre que o Sueco, com quem tinha se encontrado alguns dias antes com o pedido de que escrevesse sobre a vida de seu pai e de sua fábrica de luvas, morre de um câncer terminal que lhe escondeu durante o encontro, e que sua filha, Merry, era uma terrorista acusada de botar uma bomba numa agência-de-correio-barra-mercadinho e de matar um médico como resultado. Isso abala muito o narrador e escritor de sucesso, que tinha a vida do Sueco como o ideal máximo da vida americana assimilada pela cultura judaica. Os judeus, que sempre se sentiam pouco à vontade na América, tinham em Levov uma inspiração, Zuckerman dá a entender. Descobrir que a vida dele não era essa pastoral americana toda faz o escritor mergulhar em suposições de como deve ter sido esses perrengues da vida do Sueco, esse que na verdade agora lhe parecia um covardão para quem nada importava mais do que a vida certinha.
Philip RothE é aí que a história começa. Da cabeça de um escritor que imagina uma vida adulta para um ídolo de infância. A coisa tem um fundo incestuoso, uma fuga da realidade, diálogos imaginários (ainda mais imaginários) com Angela Davis (aquela, dos Panteras Negras) e com Audrey Hepburn, chantagem pesada com uma suposta amiga de Merry e ainda um caso que sua esposa Dawn, começa a manter com um grã-fino. Enfim, a vida do cara vira uma maluquice que só, e nesse processo, ele começa a desconstruir a vidinha americana e contextualizar aquilo. Sim, amigos, pois a coisa toda se passa durante a guerra do Vietnã, esse monolito na história dos Estados Unidos. Merry se revolta com a guerra, com o presidente, com a autoimolação dos monges em protesto e resolve trazer a guerra e o caos para dentro do país. Pior, para dentro do pacato vilarejo de Old Rimrock, lar do Sueco e de sua família, onde coloca a tal bomba. Os protestos e a questão racial também entram em pauta, já que os trabalhadores negros da fábrica de luvas do pai do Sueco aparentemente são uns mal agradecidos pelo acolhimento, dada a incontestável incompetência da mão-de-obra com a palma branca, segundo o próprio Levov. Entram aí Angela Davis e os Panteras Negras, e os Weathermen também, afinal.

Para entender Pastoral Americana, é preciso entender o que o escritor está colocando em jogo. O desencanto com o american way of life, que para você pode ser só mais uma mentira, mas que para os habitantes do país era um ideal a ser alcançado e para os imigrantes judeus, uma porrada de promessa. Uma promessa assim como o Sueco. A vida do Sueco conforme imaginada por Zuckerman é o desmantelamento dessa sociedade utópica, mas o fato dela ter sido quase toda imaginada pelo narrador faz com que o peso seja só simbólico, projetada em vidas que ele considerava adequadas e habilitadas para esse ideal. O fato de ninguém conseguir entender de fato o que se passa no coração de outra pessoa, a tecla martelada no romance, é também o que se pretende aceitar ao aceitar o fracasso do país em manter todo o caos para longe de suas fronteiras. Levov é um mistério para Zuckerman, e é dessa relação, mais os sentimentos do escritor com o momento histórico dos Estados Unidos que nasce sua história. E aí está a genialidade de Pastoral Americana. Se Zuckerman não tivesse inventado os detalhes da vida e do pensamento do Sueco, a história seria meramente metafórica e fabulária dentro do espectro do romance de Roth, mas ao invés disso, Zuckerman faz o oposto: se utiliza de uma vida destruída e de um país claramente zoado para compor uma metáfora dentro do espectro do romance de Zuckerman. Distanciar os acontecimentos do leitor que está lendo Pastoral Americana potencializa o drama americano para além do que poderia ser uma cagação panfletária qualquer e o transforma em uma sinédoque da realidade de todos daquela época, inclusive do então jovem e promissor autor Philip Roth.

Esse livro foi publicado pela Companhia das Letras, e é um dos vários que eu tenho (quem quiser me dar algum de presente, anota aí os que faltam lançados pela editora: Casei com um Comunista, O Teatro de Sabbath, Fantasma Sai de Cena, Adeus Columbus e Operação Shylock), e um dos melhores que eu li. A fonte é pequenininha e meio apagada (pelo menos no meu exemplar) e a página é aquele papel pólen gostoso. Tem a versão de bolso também, mas a minha é aquela old school. A capa não segue o projeto gráfico que depois se criou para dar identidade aos livros do autor, mas pra mim, tudo bem J

Comentário final: 480 páginas. Acorda sangue bão, aqui é Capão Redondo, tru, não Pokémon.

Georges Simenon – Pietr, o Letão (Pietr-le-letton)

pietrA categoria número 1 do Desafio Livrada! 2015 é um romance policial. Já falei aqui em algumas ocasiões a minha opinião sobre romances policiais: pega um autor que você gosta e lê tudo, porque é mais fácil encontrar variação dentro de livros do mesmo escritor do que entre escritores diferentes, e isso porque a fórmula da literatura policial é uma… veja, uma fórmula. É claro que se você escolher Simenon pra ser esse seu autor policial de estimação você vai ter bastante coisa pra ler, porque o sujeito escreveu, sei lá, uns cem livros. Mas tudo começa de algum lugar, e a carreira do Comissário Maigret, personagem central de grande parte de suas obras começa com Pietr, o Letão. E aqui cabem os dois avisos: tem spoiler e não gostei desse livro.

O mote e a abertura começam desprovidas de qualquer glamour, pra uma primeira história e para apresentar um novo personagem. Maigret recebe um telegrama de que um tal de Pietr o Letão está fugindo de trem e passando por vários países. O policial puxa a ficha do cara e aqui começamos a ver os traços de personalidade que o distinguiriam: nada muito brilhante a não ser a capacidade ímpar de conseguir distinguir qualquer meliante por meio da orelha. Veja bem aqui uma coisa. Existem três tipos clássicos de detetives de histórias de detetives: os sagazes, tipo o delegado Espinosa do Luiz Alfredo Garcia Roza e, tipo ideal, Sherlock Holmes, que saca tudo o que é para ser sacado sobre a vida de um meliante só de olhar pra ele; os derrotados, que são uns bêbados e falidos que tão nessa de desvendar crimes porque não prestam pra muita coisa, e aqui temos alguns personagens do Rubem Foseca e da tradição noir, e as aberrações, que são pessoas que nunca julgaríamos ser capaz de serem protagonistas de livros de detetives. Os casos mais clássicos são os personagens da Agatha Christie, Hercule Poirot, que é um sujeitinho meio patético com uma cabeça de ovo, bigode fininho e um nome escroto (traduz-se Hércules Alho-Poró) e Miss Marple, que é só uma velhinha que mal sai de casa. O detetive Monk, do seriado de TV, também se encaixaria aqui. Agora, veja que Maigret, apesar de conhecer uma orelhinha como ninguém, não se encaixa em nenhuma dessas categorias. É um sujeito mediano, mas competente o bastante para não ser um derrotado. Seu sucesso se encontra em seu autoritarismo, gritando “polícia!” para que soltem a língua ou lhe abram as portas. Nada de muito cativante, portanto. Sai esse picolé de chuchu a caça desse tal de Pietr o Letão, que o narrador simenontrata de explicar aos poucos quem é: um cabeça de uma quadrilha de agiotas que tem como principal colaborador na questão da bufunfa e da lavagem de dinheiro um milionário americano chamado Mortimer-Levingston, que tem uma mulher gatíssima e igualmente maluca e capangas dispostos a apagar vestígios de suas atividades da maneira mais drástica possível.

É engraçado de ver como a coisa se arrasta por 160 páginas por dois impeditivos do pragmatismo policial na história: o fato de Maigret ser francês e sofisticado o impede de chegar chutando a porta, meter a algema e largar o prego em geral. Fica aquela lenga-lenga jamesbondiana em que os antípodas se encontram pra conversar e não sai muita coisa disso. E mesmo quando se descobre a verdade sobre Pietr, o Letão, esse personagem até poderia ser interessante em outra história e em outras circunstâncias, a coisa não melhora muito.

Mas, ainda que o romance falhe miseravelmente em prender a minha atenção (e olha que já li coisa bem chata nessa vida), estruturalmente todos os elementos de um bom policial estão lá: um protagonista, um antagonista, um ajudante, um capanga, uma femme fatale, as pistas, os interrogatórios com pessoas aleatórias, as perseguições, o contra-ataque, o primeiro encontro, o cair da cortina, o segundo encontro, a dissolução, etc. Tudo lá. Talvez na época que Simenon escreveu essas páginas essa parada não fosse tão manjada e acabe rolando um efeito Cidadão Kane na gente. Mas não sei, fato é que o livro não me despertou tanta a atenção quanto deveria.

A Companhia das Letras é quem está republicando a obra de Simenon e os outros livros do Comissário Maigret. São vários e são fininhos, eles vem sem orelha e numa página de gramatura bem leve, então são até mais baratos do que a maioria dos livros da editora. Legal pra montar uma coleçãozinha, mas não pra mim. Só vou ler outro livro desse cara em um futuro distante, quando alguém me recomendar um e disser: “tem que ler esse aqui, cara, porque esse aqui é que é a parada pra valer”. Por enquanto, de volta à programação normal.

Comentário final: 168 páginas. Puliça!

Milton Hatoum – Dois Irmãos (e entrevista com Gabriel Bá e Fábio Moon)

Dois irmãosVamos juntar os dois lados do livrada. Literatura e quadrinhos, texto e vídeo, tiozões e novinhos, carne e unha, alma gêmea, bate coração, a metade da laranja, dois amantes, DOIS IRMÃOS! A obra mais bombada de Milton Hatoum (depois, talvez, de Cinzas do Norte) foi adaptada para a nona arte por dois dos melhores artistas do ramo que temos hoje no Brasil, então vamos falar um pouco do romance, e ao final, deixo aqui o vídeo com a entrevista que fiz com os quadrinistas Gabriel Bá e Fábio Moon.

Dois Irmãos, vamos lá, sem enrolação. O romance é uma dessas sagas familiares que perpassam décadas, uma coisa que com certeza a nossa literatura nacional faz muito bem, e os exemplos afloram e estão aí pra quem quiser ver, não vou ficar citando, só vou dar uma dica. Pois bem, só que essa história fala de imigrantes libaneses em Manaus. Hatoum é descendente de libanês e manauara, então dá pra ver uma coisa: não é vencedor do prêmio Top-of-Mind, mas libanês em Manaus também é Brasil. Parece que tem uma colonização forte por lá. A história gira em torno de dois irmãos gêmeos: Omar e Yaqub, eles são filhos de Zana e de Halim, um comerciante taradão que quer menos bater ponto do que bater no pandeirão da patroa, como qualquer brasileiro sensato. Essa personalidade ambígua de Halim se desdobra em um maniqueísmo claro como Michael Jackson em fim de carreira: Yaqub é só ambição e seriedade, ao passo que Omar é só desejo e prazer. Moleza, né?

DoisIrmaosSó que a coisa não é tão simples assim: embora com personalidades marcantes e relativamente rasas em comparação ao pai, os irmãos transitam na área cinzenta entre o bem e o mal (que existem e você pode escolher). Os dois tretam desde criança e é claro que tudo começa com mulher. Lívia, a vizinha gatinha deles, é aqui meramente objeto de disputa, e não desempenha papel maior do que esse, mas dá o estopim para uma colisão eterna e constante dos gênios dos gêmeos (aliteração é um troço tão feio, mas não digam isso pro Humberto Gessinger). A partir dessa richa, quando Yaqub tasca um beijo no escurinho do cinema caseiro em Lívia e Omar faz um retalho na cara do irmão com um pedaço de garrafa, o destino dos dois se separa violentamente. Isso começa lá antes da Segunda Guerra Mundial e segue até mais ou menos o começo da década de 90. Esse é todo o escopo temporal do romance.

Falemos de alguns aspectos desse livro. O primeiro: a cidade. A Manaus descrita por Milton Hatoum é fantástica. Parece ser uma cidade viva, pulsante, cosmopolita e cheia das possibilidades que, ao longo da história vai se deteriorando na mesma medida em que a família de Halim. A decadência da cidade e a decadência familiar andam juntas de maneira muito sutil, mas deixa claro o elo entre falibilidade pessoal e coletiva. Manaus hoje é um lugar sujo, acabado, negligenciado pelo resto do Brasil como sempre foi e entregue ao Deus-dará, por razões egoístas que se deram conjuntamente com a degradação familiar presenciada nesse livro, mas também por tantas outras famílias reais. Mas por hora, é uma puta cidade que vale a pena ser vivida, e que de fato é vivida por Omar, que fica lá se engraçando com as moças, gastando todo o dinheiro do pai em brega e forró, enquanto Yaqub, depois de um exílio forçado no Líbano por conta da agressão do irmão, volta para se dedicar a ser arquiteto (olha só, como o próprio Milton Hatoum!) e ir morar em São Paulo (olha só de novo!) e etc outros spoilers que não valem a pena aqui ficar citando. Dois Irmãos também é a história de Duas Cidades: a cidade rica e próspera, representada pela escolha de padres salesianos em que os irmãos estudam, e o pardieiro chamado de Galinheiro dos Vândalos, um liceu porcaria onde se formam as más influências que mais tarde contribuiriam para a degradação urbana. De modo que Manaus, assim como Halim, representam os dois lados dos dois irmãos. A seriedade, a oportunidade e a ambição, e também a preguiça, a violência e a devassidão. Bom, bom.

M-HatoumOutro aspecto: a narrativa. O livro é narrado em primeira pessoa por Nael, um menino índio com mais ou menos a idade do autor e que mora na casa e é filho de Domingas, a cunhatã que o casal adota em troca de trabalho. Escravidão acabou no Brasil, gente, mas mais ou menos, viu? A gente só demora para sacar quem ele é e qual é o nome dele, mas no geral ele é uma presença constante no romance, e muito do que acontece não é necessariamente presenciado por ele, mas relatado a ele por Halim no fim de sua vida. De modo que é uma narrativa pessoal-impessoal cheia de charme por dizer só o necessário e não muito além disso. Ah, e o narrador é filho de um dos gêmeos, mas não deixa claro qual, e a relação dos irmãos com Domingas é dúbia o bastante para deixar isso no ar, mas fico com a opinião de que ele é filho de Omar porque só isso pra ele e a mãe aguentarem a presença dele por tanto tempo. Ainda assim, as passagens mais emocionalmente marcantes são quase todas relatadas por Halim do que por Nael, à exceção de uma ou outra, o que mostra uma quase imparcialidade do narrador no peso da narrativa no que diz respeito ao seu testemunho. Rebolation é bom, bom, bom.

Por fim, os personagens. Sempre que irmãos gêmeos aparecem na literatura ou no cinema, segue-se, uma regra. Se são coadjuvantes, são idênticos em tudo. Se são protagonistas, são opostos completos. Nenhuma grande criatividade aí, mas o autor conseguiu conferir com muito pouco traços de uma humanidade rara na literatura brasileira contemporânea, marcada notadamente por autômatos da narrativa. Algumas reações dos dois são imprevisíveis, e não há como não se decepcionar com ambos em vários momentos da narrativa. Um trabalho de profundidade que Erico Verissimo conseguiu muito bem em dois volumes de O Retrato, por exemplo, Milton Hatoum conseguiu com pouco menos de 300 páginas, e com duas pessoas. Não tão a fundo assim, mas vá lá, bom pra caramba.

E enfim, o livro é um best-seller até hoje, diz que vai virar mini-série, diz que vai virar filme, mas a verdade concreta é que virou uma HQ nas mãos dos quadrinistas Gabriel Bá e Fábio Moon, os mesmos responsáveis por Daytripper, já resenhado aqui. Segue abaixo a entrevista com os dois, um pouco antes da mediação na Itiban Comic Shop. Não ficou como eu gostaria que ficasse, mas foi falha minha mesmo e o lance é tentar melhorar sempre. CLICA NA IMAGEM!

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Vídeo: O Demônio do Meio-Dia, de Andrew Solomon

Estamos de volta com mais um vídeo, e dessa vez com um livraço do Solomon. Em O Demônio do Meio-Dia, o autor explora os vários aspectos da depressão, essa doença tão misteriosa e tão presente nessa vida loka. E como as pessoas reclamaram muito da minha barba, dei uma repaginada no visual e fiquei bonitão. Então clica no bonitão aí embaixo.

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Barbara Demick – Nada a Invejar (Nothing to Envy)

Nothing to EnvyVamos falar de Coreia do Norte, já que o assunto é a Coreia do Norte por esses tempos. Os proto-chineses estavam ameaçando bombardear os Estados Unidos caso a Sony Pictures lançasse o filme A Entrevista, uma comédia bobalhóide (olha eu inventando palavras) do Seth Rogen e do James Franco em que eles vão até o supracitado país para matar seu líder extremo, o rechonchudo Kim Jon-Un, neto do presidente eterno do país Kim Il-Sum. Hackers invadiram o sistema da Sony, todo mundo amarelou no projeto, as pessoas começaram a dar nota máxima pro filme no Imdb em solidariedade, a Sony voltou atrás, lançou A Entrevista e o filme agora concorre a várias categorias no Framboesa de Ouro, que premia as piores porcarias que a sétima arte produz no ano. Viva, quase começaram uma guerra por causa de um filme intragável. Mesmo assim, pelas minhas contas e se não me engano, essa é a terceira ou quarta ameaça de guerra que a Coreia do Norte faz e não cumpre, o que já dá praqueles malucos suicidas que adoram guerra e que fazem tantas coisas legais pra gente comprar tomarem como deixa e realizarem a tão sonhada investida.

Fato é que os Estados Unidos não brincam com a Coreia do Norte pelo mesmo motivo que você não olha debaixo da cama a noite: não se sabe o que tem lá. O país é um dos regimes mais fechados do mundo e os turistas só podem visitar a capital Pyongyang e em visitas guiadas, sem falar com ninguém (uma amiga minha foi e eles foram levados pra visitar, entre outras coisas, uma fábrica de fraldas e um boliche). Por causa disso, a jornalista Barbara Demick, que era correspondente em Seul do Los Angeles Times em 2001, começou a querer investigar como eram as vidas dos habitantes da Coreia Caída. Daí nasceu o livro Nada a Invejar: Vidas Comuns na Coreia do Norte, que é, tecnicamente, um livrorreportagem como vários outros que figuram na coleção de Jornalismo Literário da Companhia das Letras (Stasilândia, por exemplo, tem uma estrutura muito parecida). Não entendi direito porque esse livro não ganhou o selo, assim como outros livros de estrutura jornalística publicados pela editora. Concluí que não ganha o selo aqueles livros que eles acham mais ou menos, mas ainda assim bons para publicar. Se essa é a posição deles mesmo, vou discordar, porque achei Nada a Invejar um livro muito maneiro, principalmente quanto ao tema.

É claro que a Barbara não teria como entrar lá e falar com os coreanos, então falou com os desertores do regime que moravam na Coreia do Sul, e as histórias retratadas no livro são tão distintas entre si quanto ricas. A grande parte delas são de mulheres, que tiveram condições mais ou menos favoráveis dentro do país e que sucumbiram, de alguma forma, ao rígido sistema de disciplina e louvor ao partido criado. É assim que conhecemos, por exemplo, a história de Mi-ran, cujo pai havia lutado na guerra contra a Coreia do Sul do outro lado, razão pela qual entrou na lista negra do partido e nunca conseguiria qualquer coisa. Ou a Sra. Song, devota fervorosa do Partido dos Trabalhadores (o de lá, não o daqui) que começa a comer o pão que o diabo amassou quando o generoso líder morre e sua já incompetente gestão de pseudo-comunismo pseudo-maoísta dá com os burros n’água totalmente. A fome, a disputa por um lugar ao sol, a falta de energia elétrica e outras penúrias são uma constante em todas as histórias.

Barbara DemickAlguns méritos do livro, além das histórias. Como a Coreia do Norte é a mesma coisa que nada enquanto país para a cultura do ocidente, a autora consegue pincelar, em meio aos relatos, parte da história do país e um pouco de sua cultura. Como a Coreia foi dividia, como ela era organizada e tudo mais. Ponto pra Barbara. Depois, há o desafio de explicar para mentes que cresceram no mundo livre como se cria o fanatismo por uma causa política e as monstruosidades que vemos na TV, tipo o povo se jogando no chão e chorando por conta da morte do Kim Jong-Il. Os aparatos de controle ideológico do Estado coreano são monstruosamente eficazes, criando nenéns sob a imagem do líder supremo e instalando estátuas em qualquer fim de mundo (e na Coreia, o que mais tem é fim de mundo). É sempre muito difícil entender como as pessoas podem estar passando todos os perrengues no mundo e ainda assim apaixonadas pelo governo e dispostas a morrer por ele (até de fome… quando a comida rareou, o governo iniciou um programa para incentivar as pessoas a fazerem só duas refeições por dia), mas a narrativa das histórias contém elementos em comum que permitem entender um pouco melhor essa maluquice. Ponto pra autora também.

Por outro lado, o livro tem alguns vários problemas. Pra começar, a autora se repete muito, talvez numa tentativa de estressar o real significado do que está sendo narrado, talvez numa demonstração de espanto legítimo, mas é que a gente não pode esquecer de tirar as gordurinhas do texto, né, moça? Além disso, em alguns trechos ela também se contradiz. Em uma hora, ela explica que a política na Coreia organiza as pessoas em uma espécie de sistema de castas no qual não é possível subir, apenas descer, e num momento seguinte conta a história de uma pessoa que consegue ganhar a simpatia do partido, entre outras pequenas coisinhas. A maioria delas é fruto de um claro desprezo por regimes como o coreano, sendo a autora norte-americana, é relativamente compreensível, mas come on! (Aliás, ela também explica como os coreanos aprendem a odiar a Coreia do Sul e os Estados Unidos desde pequenos e como os americanos, coitadinhos, tentam ajudar e são injustiçados). Coisas assim tiram um pouco o tesão pela leitura, mas comprometem pouco o resultado final (mas comprometem).

Em papel pólen e fonte Minion (que é a fonte que a editora usa pros seus livros-reportagens, rá!), Nada a Invejar tem poucas fotos, e muito pequenas. Senti falta das ilustrações até porque as imagens sanam muito mais instantaneamente a curiosidade pelo país do que os relatos, e servem de bons complementos também. Enfim, tem, mas faltou. Papel pólen e a capa do grande monumento de Kim Il-Sum em Pyongyang só nos pezinhos ficou bom na capa, e o título do livro em coreano na lombada também tira uma onda. Ah! O título, aliás, vem de uma das placas motivacionais espalhadas pelas cidades e campos, que diz “Nada temos a Invejar no Mundo”, que é o equivalente ideológico àquele couro que você bota do lado dos olhos do cavalo pra ele não se distrair olhando pro lado e andar direitinho conforme você manda. Iradinho.

Comentário final: 412 páginas em papel pólen. Porrada na cara do gordinho norte-coreano!