Considerações finais sobre 2014

2014 foi o único ano até aqui em que realmente se pôde usar com propriedade aquela piadinha em que perguntam ao Mussum o que ele achou do ano e ele responde com uma foto do Keanu Reeves. Foi um ano horrível, sem a menor sombra de dúvida, e pra mim foi um tanto pior. Mas no geral foi uma porcaria: uma porção de gente morreu, o Brasil tomou sacode na Copa, CERTOS GOVERNADORES PERDULÁRIOS foram reeleitos, deu ruim na Petrobrás, deu ruim no Oriente Médio, deu ruim no meu emprego, deu ruim no coração de toda massa funkeira.
Nada para se comemorar? Também não é assim. No que diz respeito a este humilde blog, tivemos algumas conquistas: iniciamos um desafio literário que virou febre nacional, ficamos amigo do Rubens Figueiredo, arrumamos umas tretas com gente metida e começamos o nosso canal no YouTube. E o mais importante: não esmorecemos nem trabalhando de graça, contra o relógio e em meio a um turbilhão de emoções (e estou falando no plural mas na verdade sou só eu. É que assim não pareço muito egocêntrico). Os problemas pessoais que tive esse ano seriam suficientes para me fazer finalmente chutar o balde, como cheguei a cogitar dessa e de muitas outras vezes. Mas a cada novo leitor que chegava e comentava que o blog foi um achado, a cada nova indicação literária acertada, a cada novo amigo feito, as forças para continuar lendo e escrevendo se renovavam. E não me arrependi de chegar até aqui com planos e desejos para 2015, esse sim, se o bom senhor assim desejar, não vai ser um ano cocozento.
Mas agora não é hora de ler sobre literatura. Agora é hora de curtir a família, descansar e esperar 2014 acabar. Por isso o blog vai ficando por aqui e volta agora só em fevereiro. É que janeiro é o mês que usamos para, com sorte, encher a gaveta de resenhas, ler coisas de fôlego e gravar uns vídeos bem maneiros. O que eu queria mesmo era ler o segundo volume dos Irmãos Karamazov, mas não sei se vai rolar ainda. De qualquer forma, vou tentar fazer o meu melhor para não deixar a coisa desandar.
Quem acompanha esse espaço sabe que ficar escrevendo textos pessoais como esse não é a cara do blog. Aliás, qualquer texto aqui que não seja uma resenha já é uma exceção por definição. Mas o ano e a ocasião pedem, por isso, meu muito obrigado a todos vocês, fiéis leitores desse espaço tão pequeno e ainda assim, tão bonito da internet. Todos vocês que curtiram a página do Facebook, se inscreveram no canal no YouTube, seguiram o blog no Twitter, assinaram o feed ou simplesmente vocês que aparecem e comentam, contribuindo para que se diga: “este é um site com leitores”, “está é uma comunidade de leitores que cresce em torno deste tipo de leitura e deste tipo de texto”, meu carinho e minha gratidão. Continuem comigo, em 2015 teremos:

– um novo desafio literário boladão.
– cinco anos de Livrada! (Vou pensar em fazer uma festa).
– novos vídeos no YouTube, com entrevistas e abobrinhas.
– novas resenhas!!
– fama e dinheiro pra mim (assim esperamos).
– parcerias com outras editoras (assim esperamos). (biblioteca azul, você me esnobou. Alfaguara, estou de olho no seu catálogo)

Um feliz natal e um ótimo 2015 para vocês, queridos!

Vídeo: Um Lugar Perigoso, de Luiz Alfredo Garcia-Roza

Vlog do Livrada! de volta no fim do ano para comentar o livro novo do grande Luiz Alfredo Garcia-Roza e, de quebra, falar um pouco sobre literatura policial e seus novos rumos por aqui. Aproveitem que é só hoje! Mentira, vai ficar aí pra sempre, pode aparecer quando quiser, mas não se esqueça de se inscrever no canal!

vlog

 

É uma imagem, queridão. Cê ainda não aprendeu?

Fiodor Dostoievski – Noites Brancas (Belye nochi – Белые ночи)

Белые ночиDostoiévski é o Karl Marx da ficção. Todo mundo adora comentar, mas ler que é bom, pouca gente de fato leu. Mas não tem problema, o importante é botar na boca do povo esse autor importante para a literatura mundial, e vamos comentar aqui hoje um livro nadavê dele, e vamos logo que eu tô com pressa.

Noites Brancas é um dos primeiros romances do Dostoiévski, na fase de boa dele. Pra quem não sabe, o Dostô foi preso e exilado na Sibéria durante um tempo, de onde ele voltou com sangue nozóio e disposto a escrever as coisas mais famosas dele que conhecemos: Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov e Memórias do Subsolo, o livro menos de boa da carreira do hômi. Pra quem não sabe, o título remete a uma bizarrice astronômica que acontece no norte do planeta em que o sol não se põe durante alguns dias no verão. Isso, segundo os estudiosos do autor, criam uma atmosfera fantasmagórica para a São Petersburgo, a então capital do império russo e maior cidade da nação russa. É por ali que flana o nosso protagonista, um homem delicado, sem muito traquejo para a vida em sociedade e amarguradamente romântico, naquele medley de suspiros e soluços de que eram compostas as prosas românticas do período anterior. Ele anda pela cidade conversando com os prédios e construções (a menção do que algum espertinho escreveu que a cidade se revela ela mesma um personagem. Eu adoro quando falam isso, esses clichês da literatura de orelha), quando encontra uma mocinha chorando junto a uma ponte.

É aí que o rapazote que nunca falou com nenhuma mulher de uma maneira decente resolve puxar papo e saber por quem a moçoila pranteava. Assim sabemos um pouco da história de cada um dos dois personagens da novela. E sabemos que Nastenka morava numa casa com a avó maléfica que não a deixava sair de perto dela, e que, numa dessas de sublocar um dos quartos, apareceu um bonitão que roubou o coração da moça, e que partiu prometendo voltar dali a um ano com um anel de noivado e coisas do tipo, só que passado o tempo previsto, Nastenka constatou que o homem de fato voltou mas não a procurou, deixando-a em profunda amargura da alma.

Noites BrancasE enquanto ela narra seus infortúnios, o nosso protagonista, que já era bobão antes de aparecer mulher na história, fica mais bobão ainda. Com uma eloquência digna de um poeta romântico e uma capacidade para a aporrinhação digna de uma testemunha de jeová começa uma ladainha imensa de paixão e devoção à nova amiga. Até que… ah, isso eu não vou contar, senão estrago a diversão pra vocês que não gostam de spoiler. O que precisam saber é que a parada dá ruim pra todo mundo e mesmo assim um ar de otimismo se mantém no ar, o que é algo para se considerar em se tratando de Dostoievski.

O estilo do livro é verborrágico, lúgubre e apaixonado, um resgate muito provável da predileção dos românticos do século 18, e é nesse clichê e nessa sátira que Dostoiévski faz a sua reconstrução novelística. Resgatando valores que ele provavelmente achava que estavam em infeliz decadência naquela época, o que reforça a minha teoria de que Dostoievski ficaria malucão igual o Tolstói se não tivesse passado por essa coisa do exílio (ele foi preso por supostamente conspirar contra o czar, mas isso é outra história).

O que é importante para vocês saberem sobre Noites Brancas é: 1- é uma novela curta e pungente sobre o amor platônico. 2- não tem nada a ver com as coisas mais famosas que o Dostoievski escreveu. 3- É Dostoievski de começo de carreira, Dostoievski de mesa, Dostoievski de entrada, Dostoievski do grupo de acesso, então vale a leitura apenas se você já tiver passado por uma ou duas obras mais significativas do homem, para ver como o sujeito amargou geral depois de enxugar gelo por um tempo. Por isso vale a leitura. E, por último, ainda é uma historinha legal.

Noites Brancas faz parte da Coleção Leste, da Editora 34. Já falei que a Leste é a minha coleção favorita de todas as publicações brasileiras? Autores fodões, tradutores idem, posfácios interessantes e tudo padronizadinho para acalmar meus ímpetos virginianos de organização. Esse título tem tradução e posfácio do Nivaldo dos Santos e umas xilogravuras mutcholokas no meio do Lívio Abramo. Vale a pena!

Comentário final: 96 páginas em papel pólen. Enxuga três cubos de gelo na Sibéria.