As Olimpíadas estão rolando, e obviamente o grau de interesse do brasileiro na cobertura é diretamente proporcional ao número de medalhas que os atletas conseguem para o Brasil. Pra quem não é deslumbrado com quem nada mais rápido, quem cospe um caroço mais longe, quem apanha a maçã voadoura de ouro, quem consegue achar o Bin Laden primeiro, enfim, essas aleatoriedades que usamos como qualificadora de caráter, vem com o Livrada! porque a literatura, para os poucos e bons, é perene e não é competitiva.
Quer dizer, é competitiva para uns loucos que descobri que ficam competindo pra ver quem lê mais livros no skoob, cadastrando tudo quanto é gibi, bula de remédio e livrinho infantil de cinco páginas (abram mão de vossas existências pela sanidade do mundo). E também é competitiva para o Jeffrey Eugenides, nosso objeto de estudo de hoje. Quer dizer, o cara é o nêmesis do Jonathan Franzen, e embora sejam amiguinhos e joguem kinect juntos, representam, cada um a sua maneira deturpada, duas vertentes da nova literatura americana – que, se você me perguntar, vou dizer honestamente que nem é tudo isso, prefiro o Cormac McCarthy e o Don DeLillo ainda.
Enfim, Eugenides, que escreveu o livro As Virgens Suicidas, que virou filme nas mãos da Sofia Coppolla — não devia ter deixado, Eugenides, isso é que nem construir um avião e deixar os amigos do Bin Laden pilotar – é um cara por cima da carne seca por esses dias. Isso porque ele não escreve muito e quando escreve lança A Trama do Casamento, um meta livro.A história, vejam vocês, gira em torno de uma mocinha chamada Madeleine Hanna, recém-formada em Letras e no frescor de sua juventude em plenos anos 80, época em que eu imagino sempre ao som de Don’t You Forget About Me, do Simple Minds (obrigado, John Huges, por tudo). O foco da pesquisa de Madeleine são os chamados “romances de Casamento”, aquele tipo de livro do século 19 em que uma mocinha tem dois pretendentes para escolher e a história inteira é isso, uma espécie de romance policial misturado com novela mexicana, tipo Orgulho e Preconceito e afins. A tioria da menina é que esses livros são o último resquício de machismo visível na literatura, que coloca a liberdade da mulher como o poder de escolha entre um ou outro, e que mulher gosta de ler isso porque é burra e alienada. Então a Mad aqui representa a entrada dos estudos feministas na universidade, algo novo para a época. Mas, surpresa! Madeleine tem, ela própria, dois pretendentes para escolher. De um lado, Leonard, um bad boy esquisito que estuda letras e biologia e sofre de bipolaridade – uma doença que eu nem sabia que existia na década de 80 – e faz todo mundo à sua volta sofrer enquanto ele acha que todo mundo tem que entender o lado dele, coitadinho. Do outro, Mitchell Grammaticus, um sujeito que também estuda letras e estudos religiosos e preprara uma virada em sua vida fazendo uma viagem pós-formatura para a Europa e depois Índia, trabalhando com os pobres com a Madre Teresa de Calcutá enquanto passa dias sem tomar banho.
(Só um parênteses: conheci em Paris uma menina que é a versão de saias do Grammaticus. Ela também estudava estudos religiosos, também não tomava banho e estava viajando após se formar e prestes a fazer o caminho de Santiago de Compostella. Perguntei se ela tinha lido esse livro e ela disse: “Não, sobre o que é?”. “Sobre você”, eu respondi)
E, pronto, aí está a genialidade de Jeffrey Eugenides em A Trama do Casamento. O resto são 500 páginas de discussões leves e agradáveis sobre literatura e uma história que vai e volta no tempo, e se o leitor quiser escolher pela rapariga, boa sorte, porque os dois são dois trastes na minha opinião – estando aí outra sacada do cara, habilidade para não pender um dos lados da balança.
Agora vocês me perguntariam: “Mas Yuri, A Trama do Casamento é um livro machista como os romances de casamento da Jane Austen que a Madeleine estuda?”. Bom, vocês podem achar que não, mas a resposta é sim. Primeiro porque, realmente, não resta nada à Madeleine a não ser escolher um dos dois e sofrer na mão de sua escolha pro resto da vida, e isso nem o “kit da jovem solteira” salva (vocês vão saber do que eu estou falando se lerem o livro). Segundo que ela nem é, propriamente falando, a protagonista do livro, já que o Eugenides dedica mais páginas aos dois pretendentes do que à própria Madeleine. Terceiro porque a moral do livro é essa: mesmo que você seja uma mulé super descolada e antenada à opressão feminina nesse mundo louco, você tá presa para sempre nessa vidinha e consciência nenhuma vai te libertar. Pelo menos foi isso que eu entendi. Eugenides, esse malévolo…
Esse projeto gráfico da Companhia das Letras valoriza na capa o apelo pop do livro, já que é um livro pop mesmo, pra garotadinha curtir numa boa, sem neurose, e porque afinal, que garotinha de 17 anos metida a alternativa não ama os filmes da Sofia Coppola a começar pelo Encontros e Desencontros e a terminar pelas Virgens Suicidas? Sério, é um livro bacanasso de ler, e eu li nas minhas férias e devo dizer que essa resma passou rápido. O formato do livro é grande e tem papel pólen de gramatura leve e fonte Electra. Um livro bem charmoso, resumindo. E a lombada não é dessa cor, mas é esse fúscia/púrpura da palavra “casamento”, dando a impressão, uma vez na estante, que você é fã de Rosamund Pilcher e Nora Roberts. Boa sorte, então!
Comentário final: 438 páginas grandes. Desloca o maxilar pra ficar falando engraçado pro resto da vida.