Voltamos à carga com os textos no blog, e logo com Michel Houellebecq, nosso francês tristonho favorito, que já resenhamos por aqui quando falamos de Extensão do Domínio da Luta, Partículas Elementares e Plataforma. Gosto muito do Houellebecq, porque ele te joga pra baixo e você se deprime mas dá umas risadas pelo menos, e ele deriva de uma linha boa de escritores engraçadinhos porém pertinentes que você deve ler em determinadas épocas da sua vida, tipo Chuck Palahniuk, antes dos 18 anos, Will Self, dos 18 aos 25, e Michel Houellebecq, dos 25 em diante. Fato é que o sujeito vende milhares de livros na França por esmiuçar de maneira muito lúdica e muito agradável (ainda que bem triste) questões da existência humana que vem atormentando os franceses desde, principalmente, o século 20. E ele parece ser um cara que tá sempre ligado nas contemporaneidades, então mal não faz.
Submissão é o livro da vez e nele, Houellebecq aborda questões polêmicas em vigor na França de uma maneira um tanto bunda-mole para os próprios padrões: a ascensão islâmica na Europa e principalmente na França, com os imigrantes do norte da África tomando corpo nas perifas dos grandes centros e os ataques aos jornais engraçadalhos que ou as pessoas são ou as pessoas não são. O protagonista é François, mas pode ser o mesmo de sempre: um cara tristonho, meio cínico, meio tarado, politicamente incorreto, que não liga pra muita coisa exceto pra bebida boa, enfim, quem já leu alguma coisa do Houellebecq sabe de quem eu tô falando. O que muda é o emprego: dessa vez, assim como em Partículas Elementares, é um professor de letras especializado no Huysmans, aquele satanista que se converteu ao catolicismo e que escreveu uma meia dúzia de romances franceses que muito pouca gente além dos próprios franceses leem (com exceção de Às Avessas, um clássico universal).
O escritor situa o personagem em ação pela primeira vez contemplando as alunas muçulmanas e chinesas da faculdade, que chegam quietas e saem caladas. Essa posição subalterna dos islâmicos vai começar a ser alterada drasticamente na trama com a crescente (hã, hã, sacou? Islã, crescente, rá!) expressividade da Fraternidade Muçulmana, o partido teocrático que, em seu braço francês, finalmente consegue, lá pelas tantas do romance, colocar um presidente towelhead. E a partir daí, amigo, as coisas vão ficando estranhas, meio escalafobéticas, começa a aparecer neguinho morto aqui e ali e, mais rápido do que se possa perceber, mudanças bruscas começam a afetar sua vida. E aí ele vê que, diante do quadro geral, até que a coisa não é tão ruim assim. Ops, isso era spoiler, podia contar? Já sabe, né?
Michel Houellebecq: ô coisinha tão bonitinha do pai
Bom, mencionei esse pequeno spoiler aqui já que uma das questões sociais de Submissão é esse conforto que tradições religiosas como as do islamismo podem trazer a velhos machistas como o nosso protagonista, às voltas com um mundo em que já não se pode viver por pura inapetência. O livro já começa com François falando que, ao entregar seu doutorado em Huysmans, terminou a etapa mais importante de sua vida. Dali pra frente, a falta de roteiro e a inadequação para relacionamentos, amizade e qualquer coisa que não seja comer, beber e dar umas bimbadas ocasionais traz uma melancolia e um desprendimento da vida significativos para o protagonista. Fora isso, e de uma maneira geral, a facilidade com que o país abraça essas mudanças é uma forma do escritor dizer “vocês acham que não, mas bem que vocês gostariam de um pouco de ordem nessa bagaça”, e reside aí a polêmica mencionada no chamariz “O livro mais polêmico do ano”, que, aliás, é péssimo. É talvez a primeira vez na bibliografia do Houellebecq em que a situação converge a favor do personagem, mesmo que ele não se dê conta disso em um primeiro momento. Porque antes era legal ser descolado da sociedade careta, hoje o legal é ser careta na sociedade descolada, né não, véio? Então é isso o que ele traz de novo. Agora, de velho, é o mais do mesmo. A tristeza, a inadequação para a vida, a falta de tino pra tudo, as filosofias baratas que não se sustentam nem por um minuto e todas essas coisas gostosas que a gente gosta de ler pra se sentir melhor com a nossa própria vida. Recomendo, viu?
Esse livro foi o primeiro dele que saiu pela Alfaguara. Os dois primeiros saíram pela editora Sulina e os três últimos, pela Record. O projeto gráfico ficou bem bonito, com pantone especial para o dourado da capa em preto fosco, mas por dentro, é um livro da Alfaguara, tudo meio padronizado até onde eu sei.
Comentário final: Allah wakbaaaar! LALALALALALALALALA