Não vou mentir. Quando conheci a literatura de valter hugo mãe (novamente sem maiúsculas), fiquei abismado. Ali estava alguém que debulhava como poucos a tal prosa poética que muitos queriam conseguir, naquele então novo a máquina de fazer espanhóis. Para quem não lembra, a resenha está aqui. Logo depois veio o Filho de Mil Homens, dessa vez com maiúsculas, e, novamente, uma cacetada literária em quem tava de bobeira esperando a nova revelação literária vinda do Rio Grande do Sul (já foram praquele lugar? Como alguém bem disse, você levanta uma pedra e saem vinte contistas. Eu hein?). Por isso, não quis nem saber e peguei a nova edição da Cosac Naify de o apocalipse dos trabalhadores, que mais tarde descobri ser um livro anterior à máquina. Esse pequeno detalhe muda em muita coisa minha avaliação do livro, mas vejamos uma e depois a outra, com uma sinopse antes.
O romance do portuga tem dois núcleos, como compete à maioria de seus livros. O primeiro é o de Maria das Graças (vou colocar os maiúsculos aqui porque toda vez o Word quer me corrigir e é um saco ter que ficar voltando os espaços, tira a fluidez do texto. Valtão, se estiver me lendo, desculpa aí), uma doméstica que tem pesadelos recorrentes de que morre e precisa se justificar diante de São Pedro pra poder entrar no céu. Na ilusão dela, quem a mata é o Sr. Francisco, seu patrão, aquele tipo de homem que dá uns catos na empregada de vez em quando, sabe como é, uma coisa muito década de 80/90 aqui no Brasil, mas uma prática possivelmente ainda em voga em Portugal, já que o tempo do romance é posterior a entrada do país na zona do Euro. De qualquer forma, a relação entre a Maria e o Francisco é conflituosa, pois ela nutre uma relação de amor e ódio com o homem, por considerá-lo culto, mas por outro lado, por ser um velho asqueroso, ainda que fascinante, e por explorá-la como qualquer patrão pré-PEC das domésticas. O outro núcleo é conectado a esse pela confidente da Maria, a Quitéria, uma moçoila que também é doméstica e se envolve com o Andriy, um imigrante ucraniano novinho. A história dele é bem mais interessante do que a da doméstica. O sujeito tem um pai louco com mania de perseguição, e a mãe dele é uma senhorinha resignada, que tenta aplacar a loucura do marido e se conformar de ter o filho longe – ei, não é muito diferente da esposa do Tarás Bulba, hein? Será que houve uma inspiração Gogolística aí? Enfim, daí que ele chega com uma mão na frente e outra atrás a Bragança e vai aprender a fazer pizza, e se envolve com a Quitéria, que tem por ele ternura e admiração. Ah, e ela e a Maria fazem freela de carpideira, que é tipo palhaço de festa, só que pra enterro, e triste ao invés de feliz.
Bom, esse é o núcleo da trama, e pra frente disso é spoiler e eu tô meio de saco cheio de ter que ficar avisando que tal coisa tem spoiler ou não e direcionar o que o leitor pode ler e o que não pode. Taí um texto que served pra todo mundo menos pra acadêmico que gosta de ficar dissecando palavra por palavra das coisas. Aqui vou fazer agora algo mais leve e solto, e relatar minhas impressões do livro e nada mais por hoje, porque análise a essa hora da noite é algo que foge à minha alçada. Bom, aqui temos os temas que o mãe usa pra maioria de seus romances: solidão, amor, morte e gente feia (na verdade, esse último é subjetivo, mas eu sempre imagino todos os personagens do vhm mais feios que a necessidade). E são temas que ele explorou bem melhor em seus últimos dois romances, o que me leva a inadiável verdade: não gostei desse livro. Nem de longe vemos aqui o lirismo e a acurácia poética que o autor mostrou ter em trabalhos futuros, e muito menos histórias instigantes. Temos é uma literatura morna e sem muitas jogadas além de adjetivações estranhas e comparações despropositadas. É claro que se entende que a questão toda gira em torno de pessoas que buscam uma vida melhor, seja o imigrante, seja o trabalhador explorado, e o sonho com a morte da Maria tem a ver com essa mudança de vida pra melhor. Mas o livro não se resolve tão bem quanto eu gostaria, e oferece poucas coisas surpreendentes, coisas surpreendentes com as quais nos acostumamos com facilidade lendo o valter hugo. Enfim, é um livro ruim se comparado com os outros, mas um livro bom se comparado com a média nacional. Acho que tudo seria melhor se ele colocasse mais umas viagens no meio, mas isso é só minha opinião. Enfim, a culpa é dele que elevou demais minhas expectativas com sua obra. Continue assim, champs.
Coisa boa é a edição da Cosacnaify que, como sempre, capricha na arte, embora seja bem verdade que ninguém até hoje conseguiu fazer frente à arte do glorioso Lourenço Mutarelli na edição brasileira da máquina de fazer espanhóis. Em todo caso, a colagem parece apropriada para dar o colorido triste que o romance sugere. Senti falta de uma orelha explicando o livro, gosto de ter uma pequena sinopse antes de começar a leitura. É, sou desses. Mas tudo bem.
Comentário final: 192 páginas em papel pólen. Porrada no trabalhador que se esforça com ardor, quando reclama é infrator, um dia de fome, um dia de dor. Suando pra ganhar mixaria, trabalha duro todo dia, trabalha como um condenado por um salário minguado, metralha o trabalhador sem hesitar um instante. “todo preto é safado, confundi com assaltante”. Metralha o trabalhador quando sai da favela, e seu corpo estatela num rápido instante sem dor.