Michel Houellebecq – Submissão (Submission)

Capa Submissao_Alfaguara para novo padrao.inddVoltamos à carga com os textos no blog, e logo com Michel Houellebecq, nosso francês tristonho favorito, que já resenhamos por aqui quando falamos de Extensão do Domínio da Luta, Partículas Elementares e Plataforma. Gosto muito do Houellebecq, porque ele te joga pra baixo e você se deprime mas dá umas risadas pelo menos, e ele deriva de uma linha boa de escritores engraçadinhos porém pertinentes que você deve ler em determinadas épocas da sua vida, tipo Chuck Palahniuk, antes dos 18 anos, Will Self, dos 18 aos 25, e Michel Houellebecq, dos 25 em diante. Fato é que o sujeito vende milhares de livros na França por esmiuçar de maneira muito lúdica e muito agradável (ainda que bem triste) questões da existência humana que vem atormentando os franceses desde, principalmente, o século 20. E ele parece ser um cara que tá sempre ligado nas contemporaneidades, então mal não faz.

Submissão é o livro da vez e nele, Houellebecq aborda questões polêmicas em vigor na França de uma maneira um tanto bunda-mole para os próprios padrões: a ascensão islâmica na Europa e principalmente na França, com os imigrantes do norte da África tomando corpo nas perifas dos grandes centros e os ataques aos jornais engraçadalhos que ou as pessoas são ou as pessoas não são. O protagonista é François, mas pode ser o mesmo de sempre: um cara tristonho, meio cínico, meio tarado, politicamente incorreto, que não liga pra muita coisa exceto pra bebida boa, enfim, quem já leu alguma coisa do Houellebecq sabe de quem eu tô falando. O que muda é o emprego: dessa vez, assim como em Partículas Elementares, é um professor de letras especializado no Huysmans, aquele satanista que se converteu ao catolicismo e que escreveu uma meia dúzia de romances franceses que muito pouca gente além dos próprios franceses leem (com exceção de Às Avessas, um clássico universal).

O escritor situa o personagem em ação pela primeira vez contemplando as alunas muçulmanas e chinesas da faculdade, que chegam quietas e saem caladas. Essa posição subalterna dos islâmicos vai começar a ser alterada drasticamente na trama com a crescente (hã, hã, sacou? Islã, crescente, rá!) expressividade da Fraternidade Muçulmana, o partido teocrático que, em seu braço francês, finalmente consegue, lá pelas tantas do romance, colocar um presidente towelhead. E a partir daí, amigo, as coisas vão ficando estranhas, meio escalafobéticas, começa a aparecer neguinho morto aqui e ali e, mais rápido do que se possa perceber, mudanças bruscas começam a afetar sua vida. E aí ele vê que, diante do quadro geral, até que a coisa não é tão ruim assim. Ops, isso era spoiler, podia contar? Já sabe, né?

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Michel Houellebecq: ô coisinha tão bonitinha do pai

Bom, mencionei esse pequeno spoiler aqui já que uma das questões sociais de Submissão é esse conforto que tradições religiosas como as do islamismo podem trazer a velhos machistas como o nosso protagonista, às voltas com um mundo em que já não se pode viver por pura inapetência. O livro já começa com François falando que, ao entregar seu doutorado em Huysmans, terminou a etapa mais importante de sua vida. Dali pra frente, a falta de roteiro e a inadequação para relacionamentos, amizade e qualquer coisa que não seja comer, beber e dar umas bimbadas ocasionais traz uma melancolia e um desprendimento da vida significativos para o protagonista. Fora isso, e de uma maneira geral, a facilidade com que o país abraça essas mudanças é uma forma do escritor dizer “vocês acham que não, mas bem que vocês gostariam de um pouco de ordem nessa bagaça”, e reside aí a polêmica mencionada no chamariz “O livro mais polêmico do ano”, que, aliás, é péssimo. É talvez a primeira vez na bibliografia do Houellebecq em que a situação converge a favor do personagem, mesmo que ele não se dê conta disso em um primeiro momento. Porque antes era legal ser descolado da sociedade careta, hoje o legal é ser careta na sociedade descolada, né não, véio? Então é isso o que ele traz de novo. Agora, de velho, é o mais do mesmo. A tristeza, a inadequação para a vida, a falta de tino pra tudo, as filosofias baratas que não se sustentam nem por um minuto e todas essas coisas gostosas que a gente gosta de ler pra se sentir melhor com a nossa própria vida. Recomendo, viu?

Esse livro foi o primeiro dele que saiu pela Alfaguara. Os dois primeiros saíram pela editora Sulina e os três últimos, pela Record. O projeto gráfico ficou bem bonito, com pantone especial para o dourado da capa em preto fosco, mas por dentro, é um livro da Alfaguara, tudo meio padronizado até onde eu sei.

Comentário final: Allah wakbaaaar! LALALALALALALALALA

Michel Houellebecq – Partículas Elementares (Les particules élémentaires)

Les particules élémentairesEsse ano o querido Michel Houellebecq vem para a Flip. Como brasileiro é um povo festivo com gringo mas ao mesmo tempo não manjam muito das celebridades que vem aqui, resolvi fazer esse serviço de utilidade pública e apresentá-los a vocês, queridos leitores e a vocês, queridos jornalistas que deixam tudo pra última hora. Ó, tô falando disso uns quatro meses antes da festa, dá tempo de se informar e ainda sobra pra ler um ou outro livro dele, se é isso mesmo que você tem que fazer. Pros preguiçosos, pega o resumão e comentário aqui e sai por aí esbanjando o conhecimento que você não tem.

Partículas Elementares é um dos primeiros livros (o segundo, acho eu) do grande escritor francês radicado na Irlanda Michel Houellebecq. Fala de dois meio irmãos: um chama Michel (atenção, jornalistas: os personagens dele geralmente chamam Michel) e o outro chama Bruno. Bruno é o típico moleque que foi gordinho quando criança, cresceu e virou gatão e, pra se vingar da humanidade, come geral pra tentar machucar o coração de alguém (tá, essa última parte eu presumi, mas deve ser). Michel é o típico moleque que foi bostão quando criança, cresceu e continuou bostão, sendo virgem aos não sei quantos anos. Ele trabalha com pesquisa em biologia e está fazendo alguma coisa relacionada a partículas elementares, algo que vai dar um boost na sua carreira e na medicina de uma maneira geral, mas agora não lembro exatamente o quê porque faz um tempasso que li esse livro, uns bons três anos. E o Bruno é professor, querendo comer as aluninhas (hum, igual a um certo professor que tive uma vez numa certa escola de jornalismo), mas frustrado porque a gatinha em que ele está de olho dá pra um negão avantajado — o pesadelo de todo cara branco que não se sente competitivo. Enfim, os dois meio-irmãos, filhos de uma biscatinha da década de 60, se encontram no funeral da mãe, e aí se conhecem e resolvem passar tempo juntos. Vão para um retiro, uma espécie de hotel/SPA numa praia paradisíaca, onde lá Bruno conhece uma gatinha e Michel descobre o paradeiro de sua amada de outros carnavais, Annabele não sei das quantas. Bom, como todo livro do Michel Houellebecq, tudo vai bem, tudo vai bem, até que vai mal. E com esse cara você sabe que, quando eu digo que vai mal, é porque vai mal MESMO.

Bom, nesse livro aqui não temos nada de muito diferente do que o autor veio a explorar melhor em seus livros subseqüentes, com a diferença que este foi o primeiro livro que virou filme, acho eu. O filme é uma produção alemã com atores alemães dos quais nada conheço, e o roteiro pesou muito mais nas partes cômicas, que são sim, pontos fortes do livro. O livro é mais triste, mas acho que o é por ser um livro, afinal, ler não é exatamente uma parada super engraçada que você fica com a barriga doendo de tanto ler. O livro em si é bem escrito mas tem um ritmo mais arrastado que o normal em um Houellebecq legítimo (and I ain’t no Houellebecq girl, I ain’t no Houellebecq girl, já dizia Gwen Stefani), e, como acontece n’A Possibilidade de Uma Ilha, tem um epílogo completamente desnecessário. Tem gente que não sabe a hora de parar de escrever e… opa, é comigo? Ok, ok, parei.

Essa edição da Editora Sulina, lá do Rio Grande Tchê, não é exatamente a edição que eu tenho. Essa capa do livro é a capa do filme também, e a capa do meu livro é um ventre de mulher com a mão na coisa e a coisa na mão. Logo eles perceberam que, por mais que a imagem seja bonita, é o tipo de coisa que impede que a pessoa tímida de criar coragem e levar isso no caixa da livraria, principalmente se a caixa for uma mulher, e principalmente se ela parecer meiguinha. A tradução é do Juremir Machado, um cara porreta, catilogente e sabido (já falamos aqui), mas meio inusitado pra escrever as orelhas. Ele descreve um felatio como “uma mulher de boca ousada”.  Ew, Juremir, deve tá ouvindo muito Lupcínio Rodrigues, fala a verdade! No mais, papel offset desgracido e fonte garamondo do coração dos manos do terminal de ônibus. A numeração dos capítulos tem uns arabescos que ficaram quase invisíveis, e a quarta capa lista uns elogios aqui e ali, além de um “traduzido em 21 línguas” que, pra mim, não quer dizer nada. O livro dos recordes é traduzido em quarenta mil línguas e eu continuo não lendo, afinal.

Comentário final: I ain’t no Houellebecq Girl!

 

Hábitos de leitura 3 – Cintas e adesivos promocionais

Negócio é o seguinte: tentei fazer uma enquete pra colocar nesse blog, mas não rolou porque sou muito ogro pra entender de computador e enquetes eletrônicas. Então resolvi transformar a enquete em um post. Vamos a ele.

Cintas de livro, moçada. O que fazer com elas? Essa questão atormenta a humanidade desde que os publicitários acharam por bem estender seus suportes de anúncio além do rádio, jornal, revista e outdoor (ó, citei um trecho do Racionais MC’s, esse blog é muito versátil). Eventualmente eles descobriram que a forma mais eficaz de propaganda é aquela colocada nos peitos da Larissa Riquelme, mas, como a literatura ainda é um mercado financeiramente muito baixo calibre, não vai ser tão cedo que será visto, durante um jogo de futebol, o resultado do prêmio Jabuti quicando ao lado de um celular vagabundo. Felizmente, existem maneiras mais econômicas de se vender um livro. E as cintas são, nesse ponto, eficazes.

Ao mesmo tempo, é com a cinta que a gente percebe em que pé anda nosso país em termos de público literário. Vi outro dia na livraria a edição das Viagens de Gulliver, do Jonathan Swift, lançado pelo selo Penguin Companhia das Letras, com a tenebrosa cinta: “O livro que deu origem ao filme”. Putz, que vergonha. Tudo bem colocar uma cinta dessas em um livro não muito clássico, como o Reparação, do Ian McEwan, que deu origem ao filme Desejo e Reparação. Afinal, ninguém precisa saber quem é Ian McEwan. Agora, Viagens de Gulliver é um clássico da literatura, pô! Imagine a seguinte situação e imagine também se você ia gostar: Um belo dia você resolve ir na livraria se enturmar mais com os clássicos, e resolve comprar um belo exemplar de Romeu e Julieta, do Shakespeare. Aí você encontra uma cinta verde limão com a frase “O livro que deu origem ao filme”, entre as caras de pato do Leonardo di Caprio e a Claire Danes, empunhando pistolas semi-automáticas. É ou não é pra acordar no meio da noite, gritando, sentado, empapado em suor? Tudo bem que os caras lá da editora precisam vender o livro, e o selo é relativamente novo mas, amigo, se você não sabe que As Viagens de Gulliver é um livro, e não um roteiro inventado em pleno 2010 pro Jack Black fazer suas palhaçadas, shame on you! Os pais da gente compram livrinhos de clássicos adaptados pro público infantil quando a gente é criança, e se seu pai só te deu DVD dos Backyardingans, o problema é seu e do monstro negligente que te pariu, e vocês vão resolver isso algum dia no futuro, na frente de um psicólogo freudiano, que vai olhar vocês dois, franzir as sombrancelhas, falar “hummm…” e cobrar 300 reais a hora. Então pais, por favor, bora dar educação pra esses rebentos que já estão crescendo rodeados por brinquedos pra lá de tentadores (como aqueles NERF, meu Deus, como eu queria ser criança e ter uns desses). Não adianta deixar seu filho crescer igual mongolóide e colocar um adesivo no carro de “eu tenho vergonha dos políticos em Brasília” como se a parada não fosse contigo.

Divaguei, desabafei, voltemos à questão central. Dizia que as cintas podem ser muito vergonhosas, e nesse caso é melhor jogar fora. O problema é quando nem dá pra tirar. A editora Lua de Papel, por exemplo, editou O Morro dos Ventos Uivantes, da Emily Brontë, uma das irmãs superpoderosas Brontë, e colocou um adesivo falso — que é, na verdade, impresso na capa — com o seguinte chamado: “O livro preferido de Bella e Edward da série Crepúsculo”. Caramba, que chute nos bagos! Imagine você, meu amigo, minha amiga, que quer saber de que livro vem aquela música irritante da Kate Bush gravada pelo Angra no abominável disco Angels Cry, e chega na livraria pra comprar esse livro, tenta arrancar o adesivo pra não apanhar na escola e vê que é em vão. Essa edição tá marcada pra sempre, e todo mundo vai saber que você é um fã de vampiro que brilha, caso contrário, por que esperou 164 anos pra ler esse livro? Então corre, Bino, porque é cilada.

Agora, a cinta também pode ser bem usada. O livro Política, do Adam Thirlwell, lançado pela Companhia das Letras, contem uma cinta com uma crítica elogiosa do The Guardian e do Le Monde, e um chamado em letras garrafais: “Uma comédia sobre a etiqueta sexual”. Traduzindo: “Esse livro chama-se Política, mas é de sacanagem, então pode ler porque é legal”. Ótimo! Eu, você e a torcida do Flamengo nunca ouvimos falar em Adam Thirlwell. Vai que o cara escreve mesmo sobre política? Mas, graças à poderosa cinta, você está a salvo de ler um livro xarope e livre para ler um livro de mulé pelada.

Estou quase acabando. Por penúltimo, existem os adesivos colados nos livros que indica seu potencial best-seller. Alguns são possíveis de serem arrancados e outros, mais uma vez, são impressos juntos com a capa. É o caso de A Possibilidade de uma Ilha, do Michel Houellebecq, cuja capa diz que a obra em questão vendeu mais de 300 mil cópias na França. Considerando que a França é um país pequeno que deve ter uns, hã, 500 mil habitantes mais ou menos, 300 mil exemplares é pra estourar a champanha (se bem que nada faz o Houellebecq feliz, não adianta). E, como todo bom apreciador de arte sabe e parafraseia o senador Juraci Magalhães, o que é bom para a França é bom para o Brasil (isso valeu 2 anos intermináveis da minha infância escutando Jordy, mas tudo bem). Então, sei lá, pode ser que ajude se você for do tipo maria-vai-com-as-outras, se amarra no Diogo Mainardi e curte repetir umas verdades de almanaque, do tipo “sabia que a maioria das pessoas num incêndio morrem sufocadas pela fumaça ao invés de queimadas?”. Existem públicos e públicos.

Por último, existem as cintas que anunciam os prêmios que o livro ganhou. Também funciona se você é um desses que acha que premiação não é uma parada política e baba-ovo, e acredita que a quantidade de prêmios que o livro leva é diretamente proporcional a sua qualidade. Eu confesso que acredito ainda em alguns prêmios, mas o Jabuti e o Nobel não são eles. Essas cintas de prêmio são facilmente descartadas, porque, uma vez que você já sabe que o livro ganhou tal prêmio, pode jogar ela fora. É o caso do livro Ironweed, do William Kennedy, já resenhado aqui inclusive. Veio com uma tarja azul com um único dizer “Vencedor do prêmio Pulitzer”. Ótimo, ganhou o Pulitzer, levei pra casa, li, gostei, e a cinta tá no lixo. Vê-se que a Cosac não se preocupou em fazer algo muito estiloso, com papel bacana e etc. É efêmero e é isso aí.

E você, caro leitor, o que faz com as cintas de seus livros? Joga fora se estiver muito detonada? Guarda com carinho porque curte umas listras? Usa pra remendar o papel de parede que descolou? Dobra e faz um recorte daquelas menininhas de mãos dadas? Forra a gaiola do canário? Diz aí, aqui você é livre. Passando da moderação de comentários, pode tudo!

Temos um vencedor!

Algumas pessoas realmente nascem com o bumbum virado para lua. O leitor Raphael Pousa fez o seu primeiro comentário no blog e foi o vencedor da promoção do Livrada!: o felizardo autor do comentário de número 500. Eis o que o rapaz comentou:

“Cara, parabéns pelo blog, grande resenhas, vc é muito bom em crítica! E João Ubaldo é João Ubaldo, com certeza um dos únicos que temos para o cânone da nossa literatura! Continue sim resenhando mais literatura brasileira! abs”

Ufa, imagina só se o vencedor comenta algo como “seu cuzão, seu blog é uma merda!”? Melhor assim, afinal, né? Vocês desconfiaram que estava chegando perto pelo fato de eu não ter respondido nenhum comentário do último post? Espero que não muito, sou um cara ocupado apesar de tudo.

Pois muito bem, sr. Raphael, entre em contato com o meu e-mail de contato e enviaremos em seu endereço um exemplar do livro “Plataforma” do Michel Houellebecq. Se já tiver lido, ou quiser abdicar do seu prêmio, não podemos fazer nada, não é? Aí o livro vai para o Juvenal.

E é isso, moçada, continuem lendo, comentando e divulgando o blog Livrada!, que dá muitos prêmios pra você. É. Praticamente um caminhão de prêmios.

3 meses – Promoção

Aí, rapeize! Hoje sim esse site faz três meses, e, pra não deixar passar batido, vou falar da promoção, em um post separado que é pra vocês lerem, divulgarem, enfim. Sabe quando a bruxa má do oeste eventualmente precisa da ajuda dos macacos alados? Então, é agora, meus preciosos. Voem! Voem!

Seguinte: o comentário de número 500, aqui no blog, vai ganhar um exemplar do livro “Plataforma”, do francês Michel Houellebecq. Não, amizade, não é um livro do qual eu estou tentando me livrar. Fosse assim eu dava cabo no Antonio Lobo Antunes, portuga chato da porra. Esse livro é foda mesmo, e quem lê-lo não vai se arrepender. Então, como diz Mr. Catra: VEM QUI VEM QUI, PORRA! Participe.

Livrada! – Há 3 meses fazendo você sentir um pouco menos de nojo de pegar um livro pra ler.

Michel Houellebecq – Extensão do domínio da luta (Extension du domaine de la lutte)

Issa! Mais um domingo de crítica literária totalmente isenta de embasamento e arrogância! E, olha só, falando em arrogância e falta de embasamento, olha o livro de hoje: Extensão do domínio da luta, do francês boiolinha favorito de todos, Michel Houellebecq.

Esse título é um negócio, é ou não é? “E aí, o que você está lendo?” “ah, nada demais, só ‘Extensão do domínio da luta’ do Michel Houellecq…” “Cacete, como você é inteligente!” Sentiu a MORAL do cara que lê um livro desses? Então pode esquecer agora, porque esse título é só pra pegar otário. Sabe o que esse rapazote queria dizer com esse título? Vamos explicar pra você. (Tô me sentindo muito aquele cara do Larica Total que diz “Olha minha cara… Vê se eu não tenho cara de uma pessoa que vai te ajudar?”)

A história é o seguinte: Um sujeito que não come ninguém (isso, tipo o autor), chamado no livro de “nosso herói” (rá rá rá, se achou, hein, Houellebecq? Você não é herói nem de gato magro de mendigo que sobe na árvore), trabalha num trabalho chatão de programador de computador para o ministério da agricultura (se bem me lembro). O sujeito fica lá nas punhetas — mentais ou não — enquanto se toca que é um merdão. Pra sorte dele, ‘nosso herói’ arruma um amigo que consegue ser pior do que ele: um merdão-mór, virgem de vinte e oito anos, que admira o protagonista por ele ser capaz de ter um relacionamento em algum momento da vida dele. Aí, tudo o que eles fazem é para provar que eles são merdões: vão comprar cama de solteiro, um atestado de que você nunca mais vai comer ninguém, saem para dançar, etc etc. Em dado momento, o sujeito se convence que, entre a vasta luta das relações humanas, sejam elas de gênero, classe social ou etnia, a sexualidade é uma forma de poder. Isso, algo que qualquer criança na sexta série que descobre que beleza interior é um conceito altamente falacioso consegue perceber. Por isso, a sexualidade é a ‘extensão do domínio da luta’, sacou? Olha só, hein, tô te ajudando!

Mesmo que você já tenha percebido que beleza põe mesa, Extensão do domínio da luta é um livro muito bem escrito e necessário, seja pela diversão, seja pelas ideias contundentes e, para usar uma palavra que eu ainda não usei, necessárias (d’oh!) nesse mundo Emo que a gente vive. Quando o amigo Cássio (que, de tanto aparecer nesse blog, já virou uma espécie de entidade digna de um compadre meu Quelemén) leu Plataforma, do mesmo autor, fez uma comparação que me pareceu muito boa: de um lado, aquele mundo feliz e bamboocha do filme ‘O Albergue Espanhol’ (alguém já viu esse lixo?), todo mundo dando a mão e dizendo “nós somos um só” e outras coisas igualmente nauseantes; do outro, as ideias pé-no-chão do Houellebecq, um sujeito que sabe bem do que ele está escrevendo. Quer dizer, olha só pra cara dele. Olha essa cara de criança que apanhou demais na escola, que tomava Yakult no recreio, que comprava Fandangos só para pegar o Tazo e jogava o biscoito fora, que foi o primeiro da turma ter um Nintendo 64, que fez amizade com a monitora do colégio (e só com ela). Sumite materiam vestris qui scribitis aequam viribus, já dizia Horácio, aquele simpático dinossaurinho. Em latim (uma lígua morta que morreu quando os dinossauros foram extintos) quer dizer “você aí que tá escrevendo, vê lá se não vai falar merda hein? Escreve sobre um troço que você conheça”. Então amigo, se o Michel Houellebecq quer escrever sobre um cara que não come ninguém, é bom todo mundo parar pra ler, porque o cara tá fazendo pesquisa de campo desde que Biafra tocava no rádio.

Agora vamos falar desse projeto gráfico da maravilhosa Editora Sulina, afinal, se não fosse ela e as maracutaias de programas de incentivo a cultura, embaixada da França no Brasil, patati patatá, essa pérola da literatura francesa não ia chegar às nossas mãos. Infelizmente, esse projeto gráfico ficou muito aquém da editora e do livro. Sério, não tem nada que se salve! NADA! Fonte horrível (sério, já viu Garamond ficar ruim em algum lugar? Só vi nesse livro!), papel mais horrível ainda, capa que mais parece disco do Radiohead, quarta capa vergonhosa com uma foto ridícula do autor e um cachorrinho com a frase “Um romance de aprendizagem: a aprendizagem do desgosto”. Fala sério, né? Desgosto tenho EU quando leio uma porra dessas! Colocaram o código de barras do livro exatamente embaixo dos pés do autor, parece que ele tá num pódio com um ISBN inscrito. E a frase escrita dentro da silhueta dele, que… argh! Sei que reclamando assim tô parecendo mais aquela bruaca do Diabo Veste Prada, mas puta que pariu, vai fazer um livro feio desses lá Martin Claret! E você já viu ficha técnica de livro que não tem nem o título do livro no original? Rá, surpresa pra você que comprar um exemplar desses. Tá certo que o que importa é o conteúdo, mas se fosse assim, para quê se incomodar? Bota um espiral de xerox de esquina e pronto, né? E a orelha do livro? Caralho, algum dia vou transcrever aqui as orelhas de livros mais exultantes que existem pra vocês votarem na mais jogadora de confete. O Juremir, tradutor do Houellebecq, um cara fodão mesmo, gasta linhas e linhas numas loas e boas que se esquece de fazer a sinopse do livro. Seguindo a linha dos Tumblrs: PORRA, Juremir!

Comentário final: 142 páginas embrulhadas numa capa vergonhosa. Inutilizável até pra dar umas porradas em alguém.

Michel Houellebecq – Plataforma (Plateforme)

Quem começar a ler Michel Houellebecq por esse livro vai falar “Ôxe, que livro triste da porra!”. Mas isso é um erro. Plataforma é, na verdade, o livro mais alegrinho da carreira literária do escritor francês radicado na Irlanda. Não que ele tenha escrito muitos livros. O sujeito é um preguiçoso. Estamos desde 2004 sem um livro novo dele. Quer dizer, teve um, o Enemies Publiques, uma troca de cartas mais chata que disco do Los Hermanos entre ele e um outro escritor tristonho da França. Um fracasso editorial, diga-se de passagem. Porém, antes de seu último livro, A Possibilidade de uma Ilha, Houellebecq escreveu essa obra visionária.

O livro começa com um assassinato. O protagonista, que também se chama Michel, recebe a notícia de que seu pai, um velhinho inofensivo, foi assassinado pelo namorado da enfermeira que lhe cuidava, por um suposto assédio sexual do velho. Com a grana da herança, Michel resolve se bandear para uma ilha da Indonésia e praticar um pouco do abominado turismo sexual. Metido no meio de um grupo de excursionistas e lendo John Grisham (eca!), o personagem tem acesso às mais sensuais orientais do pedaço.

Durante sua viagem, conhece Valérie, uma alta executiva de uma famosa rede de hotéis (fictícia, mas extremamente parecida com a rede Accor). Engajados em um relacionamento aberto, com direito a casas de swing e outras coisas de safado, eles passam a bolar planos para a região: uma rede de hotéis destinada exclusivamente ao turismo sexual. Um ultraje óbvio para todos.

Bom, como todo mundo sabe, turismo é um curso frequente nas faculdades, mas não dá pra dizer que seja uma profissão com uma parte teórica que preste. Pois não é que Houellebecq leu uns turismólogos (com conteúdo ou sem, cabe ao leitor decidir) para escrever esse livro? As citações voam para fora das páginas como moedas pra fora da maquininha de caça níqueis. Os planos de Michel e Valérie percorrem páginas e páginas, permeadas por citações e muita sacanagem (quem curte literatura erótica tá feito com Houellebecq). Sem que nada de triste aconteça. Até o seu final, que eu não vou contar porque eu posso ser babaca, mas não sou esse tipo de babaca. Quem ler vai achar o livro visionário pra caralho, tenho certeza, e posso dizer apenas isso.

O estilo de Houellebecq é aquele francês rançoso, que fica fora da geladeira por um mês e azeda (e não estou falando do queijo). Fazer o quê, o cara nasceu naquele país, não pode esperar um sujeito livre das patinhas asquerosas de sujeitos como Barthes, Guy de Maupassant e até mesmo do argelino Camus. Paciência. Não dá pra dizer, contudo, que o livro é mal escrito. Dentro desse estilo, o sujeito emprega bem seu talento com as palavras, com uma fluidez rara entre aquele povo que gosta de uma putaria, como dizia o Nonato Canivete. Mas o domínio desses filósofos modernos franceses (viu como tô sendo amigo? Até chamei de filósofo!) vai além. Houellebecq ainda não aprendeu a escrever livros sem teses. E o pior de tudo é que ele talvez seja um dos únicos escritores que se sai bem com essa proposta. Disse uma vez e digo de novo. Paciência. Gostamos dele do jeito que ele é, esse feioso.

A edição da editora Record é excelente! Aliás, gosto muito do grupo editorial Record. Só gostaria que eles tivessem um time melhor de escritores. Sai cada merda de vez em quando… Bom, de qualquer jeito, esse livro tá no ponto de bala. Fonte Minion (já disse que essa fonte é foda) e papel Chamois Bulk 70g/m², uma gramatura que é perfeita para livros como esse. Nem muito molenga, nem muito dura, e dá volume às trezentas e poucas páginas dele. Só uma dica pra Record: a gente escreve se o livro é de romance ou conto, ou outra coisa, dentro do livro, ali na ficha técnica. Não precisa colocar na capa, certo? Não é um defeito, é só uma constatação. Não vão me ameaçar de morte igual àquele cara do RP2, hein?

Ah, aproveitem a promoção das Livrarias Curitiba, o Plataforma está saindo pela bagatela de R$9,90 pra fazer caridade, rapaz! Nós aqui já fizemos nosso estoque.

Um PS: escolhi uma foto engraçadona do Michel Houellebecq pra gente rir da cara dele. Então vamos rir: HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Comentário Final: 383 páginas em Chamois Bulk. Graças a essa escolha feliz de gramatura e papel, um livro de médio porte pode deslocar uma junta.