Vídeo: Foe, de J.M. Coetzee

E aí, party people, estão curtindo essa vibe inédita e raríssima do Livrada! de dois vídeos por semana? É, enquanto sai a cobertura da Flip, vou soltando esses que gravamos por lá. Esse é de um livro antigo do Coetzee que só foi lançado agora pela Companhia das Letras. Espero que gostem.

Clica. Na. Imagem.

Foe

Vídeo: Karen Blixen – A Fazenda Africana (Out of Africa)

Faz tempo que não tem resenha no canal, né? Mas não é por má vontade, pelo contrário. É pra poder diversificar o conteúdo do Youtube. Vai, tá legal pra caramba, tá tendo de tudo e vai continuar tendo. Mas voltando à programação normal, aqui temos um livraço-aço-aço da Karen Blixen sendo comentado. Pra assistir o vídeo, é só clicar na imagem abaixo!

E a propósito, esse livro faz parte do Desafio Livrada 2015! 

blixen

 

Wole Soyinka – O Leão e a Joia (The Lion and the Jewel)

the lion and the jewelLiteratura africana, pois sim! O povão vira a cara, fala que não gosta, mas tem que ler, cara, tem que ler literatura da África porque enquanto seu escritor germânico favorito precisa suar a camisa pra encontrar temática substancial capaz de preencher um livro (geralmente com histórias de desagregação familiar), o africano caminha pelas ruas e os dilemas e a vida complexa brota do chão para que ele colha e faça literatura de qualidade com ela. Wole Soyinka, nigeriano prêmio Nobel de literatura de 1986, sabe fazer isso, mas a gente não sabe que ele sabe porque até a Geração Editorial lançar O Leão e a Joia, a gente não tinha absolutamente porcaria nenhuma dele traduzida.

O Leão e a Joia, entretanto, é uma peça de teatro, e embora o sujeito tenha escrito toneladas de peças, também escreveu toneladas de romances e ensaios, então não dá muito pra saber qual é a vertente principal dele, se é que ele tem uma. De qualquer forma o livro dá uma boa ideia das questões que lhe preocupam, já que é uma peça estritamente alegórica, sendo bem pobre de valor literário, na verdade.

Basicamente, é um triângulo amoroso entre a jovem Sidi, que é a gostosinha da tribo yorubá de Ilujinle, ou a joia de Ilujinle, Baroka, que é o velho bale da tribo (bale é tipo um vassalo do Obá, que é o rei da nação), também chamado de Leão, e Lakunle, o professor da tribo. Aí você já consegue perceber os contornos das alegorias: Baroka representa a África hardcore, a parada tribal, ritualística, tradicional, de faca no bucho e tripas na frigideira, e Lakunle é a cultura europeia assimilada, a caricatura pós-colonizatória do africano pseudo-intelectual. E Sidi, ela mesma, é a África dividida entre abraçar o novo ou aferrar-se às raízes. Contudo, sua personalidade egocêntrica é a própria razão da sua ruína. Cabe que ela fica se achando a gostosa depois que um rapaz de Lagos, que está para Ilujinle assim como São Paulo está para Curitiba, tira fotos dela, o que automaticamente alça a garota a um patamar superior ao do próprio bale.

Wole SoyinkaMas Sidi não está necessariamente inclinada a um ou a outro. Ela acha Baroka velho demais para ela, e como o cara já é cheio de esposas, ela acha que isso é um futuro pouco digno pra preciosidade que ela é. Por outro lado, Lakunle é bundão, não quer pagar o “preço” da noiva, e é cheio de ideia de zé ruela, tipo achar que as mulheres são mais burras que os homens e que isso é um fato cientificamente comprovado. Fazendo uma leitura rápida, dá pra sacar que se por um lado, optar por permanecer no que os europeus consideram primitivo, somente à guisa de automatismo, é por demais pobre e simplista para um continente tão rico e poderoso. Por outro lado, o povo africano não se sente completamente pronto para abarcar uma opção civilizatória feita nas coxas, sem qualquer estrutura maior do que a apresentação dos elementos. A coisa parece falsa, e mais do que isso, parece forçada e caricata. E isso não sou eu quem estou dizendo, é tudo o que os personagens dizem sobre os papeis que representam com gestos, falas e atitudes.

Acho que falar mais do que isso sobre a trama seria estragar muito a diversão, já que essa é uma das maiores qualidades do livro: seu desfecho razoavelmente imprevisível. O que posso acrescentar a essa breve explanação, e não pretendo me estender muito no post de hoje, é que, como parte de todo espetáculo africano, a coisa é construída muito mais do que com palavras. Danças, pequenas peças dentro da própria peça (peçaception?), e gestos muito caricatos por parte dos personagens não deixam muita margem para sutilezas. Tudo em O Leão e a Joia é muito escancarado, o que é uma coisa boa se você não tem muita paciência pra teatro, mas uma coisa ruim se você esperava um pouco mais de profundidade dos personagens. No fim das contas, é uma peça extremamente didática, dessas pra ser debatidas na sala de aula mesmo (atenção, professores que ainda não foram rendidos pelo sistema!), mas dificilmente seria um material literário mais rico do que isso. Tenho certeza, contudo, de que essa peça montada deve ser um show.

Aliás, essa edição da Geração Editoral, embora tenha uma capa que não é muito do meu agrado, é bem completa com fotos de montagem da peça, diversas notas para explicar as coisas africanas que a gente não entende e um prefácio razoavelmente esclarecedor para os mais ávidos por subtextos. Papel pólen, fonte grande e uma gramatura boa para fazer um livro de dramaturgia parar em pé e ainda por cima, machucar alguém, caso arremessado com força suficiente. Vou parando por aqui.

Pra quem quiser ler um pouco mais sobre literatura nigeriana, deixo aqui outras duas resenhas que eu fiz. Meio Sol Amarelo, da Chimamanda Ngozi Adichie, e O Mundo se Despedaça, do Chinua Achebe. E para quem quer mais África geral, fica esse aqui.

PS: Seu blogueiro atencioso agendou o post de hoje para sair ontem, de modo que ele já está a 24 horas no ar e isso não é justo com o assinante do Livrada! De maneira que vou fazer uma promoção relâmpago no dia de hoje. Quer ganhar esse livro? Seja o último a comentar nesse post até a meia-noite de hoje. Vale comentar quantas vezes quiser. Vai.

Comentário final: 150 páginas em papel pólen. Epa epa Ê!

J.M. Coetzee – Homem Lento (Slow Man)

Homem LentoBom dia, todo mundo! Enquanto este post está sendo lançado no oceano da internet, Fernando Alonso está em Cingapura, largando na frente de todo mundo e cantando “cuidad de las ideas  donde pasas por la noche y encerrado en el silencio de los bosques”. Correndo como o vento e ouvindo Vicente Amigo NO TALO. Mas deixa esses caras pra lá, bora falar de literatura que esporte não é droga. Chega de esporte, portanto.

Tava aqui só me enrolando para falar de Homem Lento. Não escondo que esse livro tá entre os melhores da minha vida. Diria que tá no Top 5, mas desde que eu vi Alta Fidelidade não faço esse tipo de listagem. Filme pentelho do caraças. Divaguei. Dizia eu que esse livro é essencial constar aqui, porque até agora todos os livros do Coetzee de que tratei foram da trilogia Cenas da Vida na Província que, convenhamos, não é a melhor leitura para se iniciar no autor. Homem Lento, por outro lado, é o livro perfeito para tal finalidade. Posso dizer por experiência própria. Li esse livro na volta do feriado de Finados do ano passado, em um voo chatão desses com escalas em Congonhas (se bem que no último que eu peguei, encontrei o Serguei em Congonhas, foi maneiro). Li metade dele entre Rio e Curitiba, e isso pra mim é um sinal claro de que o livro é bom mesmo. E digo o porquê.

Homem Lento é a história de Paul Rayment, um sexagenário que, um dia, enquanto dava uma volta de bicileta ouvindo música de pai NO TALO, tipo Whitesnake (mentira, ele não tava ouvindo nada), é atropelado por um carro. Bom, velho quando cai no salão do baile da terceira idade já é uma desgraça — no mínimo quebra a bacia — agora imagine ser atropelado por um carro. Os médicos se veem obrigados a amputar uma de suas pernas (direita, esquerda, direita, esquerda, direita, direita, direita… alô poesia concretista!), e ele passa a receber os cuidados de uma pobre enfermeira croata chamada Marijana (lê direito, seu maconheiro!), que vive um casamento conturbado e tem um filho rebelde adolescente pra piorar a equação. E, claro, um velho solteiro, traumatizado, sendo cuidado por uma enfermeira (alôôô, enfermeira!), não poderia dar em outra: o idoso cai de amores pela quarentona esquisita que cheira a cigarro e ovo frito. Isso do cheiro dela eu inventei, na minha cabeça ela parece a Toni Colette, só que mais velha e destruída. Então, coitada da moça afinal, pobre, imigrante, enfermeira, alvo da cobiça de um marido traste e um velho perneta, em quem ela dá banho de esponja quando não está perdendo os cabelos com o filho.

Gosto desse livro primeiramente pela escrita fluída.  Não adianta nada o cara ser um jeito e fazer das palavras bolinhas de gude, jogadas no nosso caminho pra gente ir tropeçando e escorregando a cada linha. E esse livro passou por rigorosos testes de qualidade: minha vó leu e gostou. Aliás, foi ela quem me deu o livro, presente de aniversário, ela tava esperando eu ir para o Rio no feriado e resolveu começar a ler para saber se era legal e leu o livro de cabo a rabo. Isso me fez pensar duas coisas. Primeiro que não é prudente pedir livros do Pedro Juan Gutierrez para minha vó, vai que ela começa a ler. Segundo que, se ela, que curte clááássicos como Quando Nietzsche Chorou, Caçador de Pipas e A Menina que Roubava Livros, leu e gostou, o livro é gostoso de ler mesmo. Outras pessoas leram e podem confirmar o que eu digo. Mas — e aí temos o grande tchananã do Coetzee — só porque ele é de fácil leitura, não quer dizer que ele seja raso. Pelo contrário. Tive a nítida sensação de que o sul africano é preciso nas suas frases, e as ideias que ele insere no subtexto, ou mesmo no texto descarado, são cirurgicamente expostas: pensamentos simples, limpos, claros como água e no timing certo. Não é que nem eu, que coloco um parêntese a cada linha que escrevo (e olha que esse parêntese que abri agora é o primeiro do parágrafo. Tô melhorando, aê! Mas agora você vai dar uma de oráculo do Matrix e se perguntar se eu teria aberto esse se não tivesse mencionado meu vício por parênteses).

John Maxwell CoetzeeO que eu admiro nesse livro, e que faz ele ser um dos meus favoritos é sua pluralidade de sentidos. Homem Lento pode ser uma história sobre um velho que perde uma perna e fica independente se você quiser. Também pode ser um livro sobre a velhice, no melhor estilo Philip-Roth-depois-que-o-Viagra-acabou, e sobre a dependência dessa idade e o apego a certas coisas, a vitimização natural da terceira idade, etecetera. Ainda pode ser uma história sobre o frágil mundo intelectual e seu choque — carregado de sedução — com a (podemos chamar assim) “vida simples”, das pessoas que prescindem de arte, livros outras coisas de gente fresca. E, claro, para quem é um fanzasso de Coetzee, pode ser uma história fantástica de um personagem criado por ele que recebe a visita de outro personagem, de outro livro: Elizabeth Costello, alter-ego do autor. Eu acho que, depois desse livro, tinham que dar um outro Nobel pra esse maluco, por ele ter ficado milionário e deixar o cruzeiro na Grécia de lado para escrever essa obra maravilhosa. Recomendo esse livro mais que ator da Globo recomenda que você vote conscientemente nessas eleições.

Já falei do projeto gráfico da coleção do Coetzee quando resenhei o Juventude, mas, só para refrescar a memória: capa baseada na pintura do Fábio Miguez (Google já se você ainda não sabe quem ele é), fonte Electra, papel pólen e tudo mais. Sem me aprofundar nisso hoje, procurem os outros posts do autor se quiser saber do belíssimo trabalho do João Baptista da Costa Aguiar, valeu?

A propósito: acho que o pessoal curtiu o último post, sobre hábitos de leitura, afinal, foram muitos comentários e muitas visitas. Pretendo fazer outro desses em breve, mas para isso, gostaria da colaboração de vocês: enviem fotos das estantes dos senhores e senhoras, e falem-me dela, se existe alguma organização de seu critério, e qualquer outra informação que gostariam de comentar. Para mandar, é fácil: escrevam para bloglivrada@gmail.com Tranquilis?

Ps: Acho que ninguém sabe, mas escrevo os posts em um documento de Word que fica numa pastinha especial para o blog, onde arquivo fotos de capas e autores. Pois não é que cheguei à página 100 do documento? Bom, tudo bem, poderia estar desperdiçando minha juventude com outras coisas socialmente menos aceitas, como esculturas de palito de sorvete ou torneios de RPG.

Comentário final: 277 páginas pólen soft. Cada porrada é um flash!

Chinua Achebe – O mundo se despedaça (Things fall apart)

O mundo se despedaçaE aí galera, como vocês estão? Eu tô um bagaço, preciso começar a ganhar dinheiro com esse negócio de crítica, senão to ferrado. Ficar fazendo isso no contratempo é ruinzão. Mas hey, vocês não vieram aqui para me ouvir reclamar da vida, né? Então vamos ao que interessa.

Um dos mais requisitados “termos de motor de busca”, ou seja, as palavrinhas que trazem os leitores ao meu blog (e que de vez em quando me surpreendem com coisas bizarras que eu, volta e meia, jogo lá no twitter para divertí-los também por lá) é “literatura da Nigéria”. Isso acontece porque, logo quando eu estava começando o blog, resenhei um livro da autora Chimamanda Ngozi Adichie chamado Meio Sol Amarelo (aliás, o nome da moça e o título do livro são bem requisitados também). Senti que não tava com essa bola toda pra falar de literatura nigeriana e resolvi ir atrás de mais um livro. Mas não dou passo em falso. Li lá na Gazeta do Povo uma resenha ixperta do camarada Irinêo Netto sobre o livro O mundo se despedaça, do bambambã da literatura nigeriana, Chinua Achebe e pensei que esse seria um bom livro para se inteirar mais sobre o assunto.

Já ouviu falar de Chinua Achebe? Bom, se você foi um bom fã de Sepultura, deve ter percebido que o clipe de Roots Bloody Roots (a melhor fase do Max, é ou não é?) começa com uma citação do autor. Êta metaleirada culta da gota! Curiosamente, a maioria dos clipes da música disponíveis no Youtube limaram esse começo, mas o papai aqui achou um para vocês verem que eu não to de brincadeira. E sério, gente, vocês podem não curtirem muito metal, mas se vocês não gostam do Roots do Sepultura, é bom dar uma conferida no seu senso de humor porque esse disco é o ouro. E não me venha com esse papo de que o Arise ou o Chaos A.D. são outros quinhentos porque não tem música nenhuma com o Carlinhos Brown, podicrê?

Bom, O mundo se despedaça é uma viagem bacana e consideravelmente profunda for a white guy ao universo Ibo. Os guerreiros ibos, suas mulheres ibas, seus filhos ibinhos, todos moravam na Ibolândia, região da Nigéria que, no final da década de 60, virou a república de Biafra, que, como Ícaro, voou, voou, subiu, subiu e se espatifou bonito no chão pelas mãos das tropas da Onu, dos hauçás maloqueiros e de todo o resto do mundo que não tava a fim de ver pobre feliz. Como bom ibo que é, Achebe conhece a fundo as tradições do povo e pôde, a partir desse conhecimento, sangrar a história de Okonkwo, uma espécie de Eric, o Vermelho da Ibolândia, guerreiro temido e respeitado que é gente que faz. As tradições do povo são muitas para eu ficar aqui contando pra vocês, só adianto que é uma galera tarada num inhame e num vinho de palma (eca!).

Chinua AchebeBom, o livro demora para entrar no assunto principal (igual a esse blog, hã? Hã?), que é a seguinte: Okonkwo mata, sem querer querendo, um membro do seu clã e é obrigado a viver no exílio por sete anos, tempo que sai de Umófia, sua aldeia, cheia de boi de bota, para ir para Mbanta, terra de nego ponderado igual paulista. O problema de contar mais do que isso é que é contar quase o fim do livro. O que dá pra falar, porque isso a orelha já fez o favor de contar mesmo, é que o garotão deveria engolir o orgulho e baixar a bola, mas o cabra quando é ignorantão e cabeça dura, não tem jeito, pisa na bola quando pode. E isso é, mais ou menos, uma metáfora do porquê a civilização rachou no meio igual melancia na roça quando tá boa. Vocês vão entender o que eu estou dizendo se lerem o livro.

A história é muito boa, mas convenhamos: o sujeito se explica demais.  Bom, tudo bem, nesse sentido ele até que foi esperto: usou uma historinha de fantoche para entreter a gente enquanto ele ensina sobre seu povo. Engraçado que, nesse livro, do qual eu esperava história, ganhei explicação e no outro, da Chimamanda Adichie, esperava explicação e só ganhei história. Vamos deixar de reclamar então, que acho que o problema é comigo.

E que belo projeto gráfico esse da Companhia das Letras. Simples, mas bem bonito. Não é do feitio da editora fazer livros muito estampados e com letras muito grandes, mas até que a variação ficou boa. Tem essa foto assustadora da capa, de um negro se vestindo de branco, tipo aquele filme O Cantor de Jazz no Mundo Bizarro (sério, quando eu falo mundo bizarro, eu quero dizer o mundo bizarro do super-homem. Por que ninguém saca essa referência e acha que eu tô falando daquela coluna do G1?). Acho que seria algo como “O cantor de (insira aqui o seu gênero musical caucasiano de preferência)”. A foto é do rapazote G.I. Jones, um bonequinho do Comandos em Ação que viu uns três filmes do Woody Allen e resolveu se dedicar à fotografia, expondo seu acervo no Museu de Arqueologia & Antropologia da Universidade de Cambridge (puta nome pomposo esse “Cambridge”, só de pronunciá-lo você já se sente mais fresco). Fonte Electra é sempre bem vinda e papel pólen soft é fundamental. A tradução foi feita pela Vera Queiroz da Costa e Silva e a introdução pelo Alberto da Costa e Silva, ou seja, ninguém mete a colher. Tem uma epígrafe linda, linda, linda do Yeats, donde vem o título da obra. Aliás, repararam que “things” foi traduzido como “mundo”, né? Tradutores de poesia do meu Brasil, saquem suas defesas do bolso. Mentira, assunto encerrado.

Bom, é isso por hoje, minha gente. Tão afim de ler o lado A da crítica? Já sabe, é lá na Revista Paradoxo. Essa semana, um livro do Italo Calvino pra galeraê!

Ah, vai, vou terminar com a epígrafe do livro, que realmente vale a pena. Lá vai:

“O falcão, a voar num giro que se amplia,

Não pode mais ouvir o falcoeiro;

O mundo se despedaça; nada mais o sustenta;

A simples anarquia se desata no mundo”

Vê que com a tradução, aparece “mundo” duas vezes. Fazer o quê, né?

Comentário final: 236 páginas pólen soft. Pof pof pof!

Albert Camus – O estrangeiro (L’étranger)

Já vi que os leitores deste blog reagem de maneiras diferentes quando um clássico da literatura (tá na tag, sempre digo) é massacrado. Quando meti o malho n’O vermelho e o negro, ninguém fez furor. Talvez concordem, talvez não tenham dado tanta importância ao livro assim. Em compensação, quando falei mal do Som e a Fúria, do Faulkner, recebi o meu primeiro feedback negativo a respeito da proposta do blog. E isso foi só na semana passada. Pois bem, resolvi comentar hoje mais um do time dos canonizados que eu, particularmente, não gostei (e vou dizer o porquê, não se preocupem). E que tarefa difícil essa, principalmente com o Estrangeiro, do Camus, a obra mais pop do sujeito. Provavelmente não vai haver viva alma que concorde comigo. Mas nem por isso vamos ficar nessa espiral de silêncio, não é?

Pois bem, meus queridos: O Estrangeiro, a Xuxa da literatura canonizada: Todo mundo idolatra e, ao mesmo tempo, lá no fundo, a gente sabe que já passou da hora da aposentadoria. Olha, não me faltou gente pra me recomendar esse livro. E gente boa mesmo, que entende da coisa, que não lê qualquer merda. Resolvi testar meu francês e ler no original. Pensei: “Não é possível, tem alguma coisa errada com esse livro”, e aí resolvi relê-lo em português pra saber que diabos tinha de excepcional nessa obrinha que mal para em pé na estante. Ah, tenho ao todo cinco edições desse livro em casa, inclusive uma estranhíssima com um desenho de um cara que parece muito o Ringo Starr na capa (usei posteriormente essa edição como alvo, num sábado à tarde em que eu e meu camarada Pedro Pimentel saímos para dar uns tiros).

Refrescando a memória: O Estrangeiro é um romance de tese, o que, por si só, já é uma ideia tonta. Escrever um romance pra tentar provar alguma coisa já mostra que você tá numa vibe muito errada.  Mersault (esse nome deve ser o equivalente a Glêdson Rodrigues na Argélia) é um argeliano blasé que não se impressiona com nada. Um dia, o sol tá incomodando ele e aí ele resolve matar um árabe que tava na praia. Ele é condenado a morte, por ser considerado um cara frio e calculista (tipo um BBB), porque não chorou quando a mãe dele morreu. E aí ele morre. Fim da história. Narrei essa sinopse com essa emoção toda porque é justamente desse jeito que o livro é escrito. O Estrangeiro é a prova de que um excelente enredo pode ser arruinado pela falta de estilo (mesmo que proposital). E estilo, meus amigos, é uma coisa que Camus não viu nem quando visitou a fábrica da Fiat. Na ânsia de tentar passar um clima de poucas emoções na vida do cara (que narra em primeira pessoa), o autor quase mata a gente de sono. Se liga no primeiro parágrafo, que é bem famosinho, por sinal:

“Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: ‘Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos.’ Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.”

Tudo bem que o objetivo do autor era mostrar um cara que não demonstra maiores sentimentos pela mãe ou pela vida, mas isso significava não ter sentimento pela escrita? Pouco provável, afinal, fosse assim e ele estaria escrevendo para quê, se não tem ninguém obrigando? “Eu fui na casa da minha amiga. Eu comi bolo. Eu bebi guaraná. Ela comeu também.” Na moral, minhas redações de segunda série eram mais ou menos assim. A tia da aula de redação insiste pra gente articular as frases, usar vírgulas, adversativas e o escambau, e esse cara me faz um livro que mais parece uma lista de supermercado que vende palavras (cinema nacional, pati patapá). Isso é revolta escolar reprimida?

E a tese? Meursault não foi condenado por matar o árabe, por colocar a culpa no sol ou por ter um nome feio de dar dó, mas sim por não ter chorado no enterro da mãe, provando através de tais circunstâncias que o luto é preciso, o blasé não tá com nada e, por conseguinte, todo francês metido a besta merece a morte. Com efeito, não fosse o sujeito preso e morto ao final, seria preciso que me escrevessem na história pra encher ele de sopapo de tanta raiva que dá o jeito como ele fala as coisas. Meursault fica lá paradão na dele analisando e julgando todo mundo e se achando o gostoso por não ser afetado por nada que o rodeia. Do tipo: “Aí a moça veio. Ela me beijou. Eu senti mais ou menos. Ela começou a chupar meu pinto. Eu meio que gostei. Ela tava com uma cara estranha.” Por aí vai. Pra não dizer que o livro é inteiramente ruim, ele começa a ficar bom nas últimas duas páginas quando, à beira da morte, Mersault resolve acordar pra vida e ficar revoltado. Nas últimas duas, veja bem. Ou seja: o livro só não é mais chato porque não é maior.

Meu palpite do porquê as pessoas gostarem tanto do Estrangeiro são: a) o livro tem um estilo tão simplório que qualquer animal consegue ler sem maiores dificuldades e acrescentar à estante um livro que não seja Harry Potter, Bukowski, ou a biografia da Bruna Surfistinha. b) O The Cure fez uma música — horrível como o livro, por sinal — sobre a história de Mersault, e neguinho não consegue assimilar cultura nenhuma a não ser que um popstar diga que é bom (Frida Kahlo está aí graças à Madonna, afinal de contas). c) Jean-Paul Sartre falou que o livro é bom e o mundo inteiro fez “béééééééé”, porque se você discorda do Sartre, coitado de você. d) Camus é um prêmio Nobel, e, como tal, tem aquela aura de vaca sagrada em seu entorno. E tudo bem, os outros livros dele podem ser muito diferentes deste, e ele pode escrever bem, afinal de contas. Mas nesse aí ele cagou no pau. Todo bom escritor tem a sua mancha: Saramago tem o Ensaio Sobre a Lucidez, Kafka tem O Castelo, Ítalo Calvino tem o Dia de um Escrutinador, etc. Não é nenhum crime.

A edição da Folio é tão tosca que é melhor comentar a edição da Record. Bom, a Record fez um projeto gráfico xoxo igual ao livro: fonte De Vinnes (sério, nunca usem essa fonte em um livro. É a mesma coisa que escrever a Bíblia em Comic Sans), papel offset e uma foto que ocupa um quarto da capa. E não adianta a Fnac fazer um Box com três livros dele que essa capa não vai ficar mais bonita enquanto você não tiver torado umas quatro serranas.

PS: Desculpem aí, meus amigos fãs de Camus. Vocês não são obrigados a concordar comigo. Pensando melhor agora, vocês são os mesmos que me disseram que Los Hermanos é legal, que disseram pra eu assistir Grey’s Anatomy e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Aí, qual é a de vocês?

Comentário final: 126 páginas de papel offset. Não serve pra nada, a não ser pra servir de alvo no estande de tiro improvisado no terreno baldio.

Leo Frobenius e Douglas C. Fox – A Gênese Africana (African Genesis – Folk Tales and Myths of Africa)

Em época de Copa do Mundo, nada existe e nada funciona de verdade, certo? Errado, campeão. Continuamos com a obstinada missão de comentar e trazer ao conhecimento do público livros da boa literatura, sem necessariamente recair em maneirismos críticos.

Vou ser sincero: Escolhi aleatoriamente um livro na minha estante. Calhou de ser esse. Tem culpa eu se a Copa do Mundo está rolando na África e nós aqui estamos falando de cultura africana? Tenho nada a ver com isso não, hein? Esse blog é isento de dinheiro, bom senso e não mama nas tendências desse mundo fashionista, moro? O livro em questão é A gênese africana – Contos, mitos e lendas da África, escrito por Leo Frobenius (já falo dele) e organizado por Douglas C. Fox (não vou falar nada dele, nunca ouvi falar nesse gajo). O livro busca, como diz o título, realizar um apanhado de lendas e mitos formadores da cultura africana em seu primórdio, ou seja, ver o que esse povo pensava quando não estavam preocupados pensando em comida (ô, maldade!).

Leo Frobenius — agora sim, vamos lá — é uma figuraça, como vocês podem ver nessa foto biíta dele. Antropólogo e etnólogo alemão (por isso, além de encaixar em literatura africana, também vai ganhar a tag de literatura alemã, para estrear a categoria), percorreu, no começo do século XX, as grandes savanas e desertos africanos em expedições dignas de um Indiana Jones comedor de chucrute para resgatar a origem das tradições de alguns dos principais povos de lá, em especial os cabilas, povo que morava onde hoje é a Argélia. Mas além disso, cavucou alguns mitos soniqueses, fulas, mandeses, nupes e hauçás (sim, hauçás, aquele povo zangado da Nigéria). Ah, e rodesianos do sul também, onde hoje é o Zimbábue. Sabe aquele povo que fala estalando os dentes? Pois é. Baseado nisso, fez um dos maiores compêndios sobre mitos africanos já reunidos, que depois deu origem a uma infinidade de livros charlatães que se propuseram a fazer o mesmo com outras civilizações, dignando-se a reescrever as lendas com algumas variações. Duvida que exista gente tão pilantra nesse mundo? Teste rápido para os folcloristas: já ouviram aquela lenda do crânio falante, que faz o guerreiro iludido trazer o rei para vê-lo e, diante da mudeza súbita da caveira, resolve matá-lo? Pois é, amigo, é uma lenda nupe, sim senhor, e você passou a vida achando que era angolana, ibo, até mesmo dos escravos brasileiros que vieram de Angola. Inclusive virou uma novelinha daquele “Casos e Causos” da Revista RPC. Pra quem não sabe o que é Revista RPC, considere-se afortunado.

O grosso do livro, realmente, é o material cabila coletado por Frobenius. Muito legal ver que a ideia que eles tem do gênesis, além de ser muito diferente da Bíblia (mantendo-se alguns aspectos como o do primeiro pai e primeira mãe), não fazem o menor sentido. Anacronicamente, é muita falta de noção desse povo, hein? Mas também, amigo, queria o quê? Poesia homérica nascendo ali no meio do pessoal que vive correndo de leão? Salmo 23 escrito por um negão entre uma matada de mosquito e outra? Você sabe que não rola. Ainda assim, vale a leitura se você conseguir sacar como essa tigrada pensava no começo da raça humana. Vou dizer: não é muito diferente de um sonho ou uma bad trip. E os mitos e fábulas deles são engraçadíssimos porque, além de não fazer o menor sentido, como já disse, também não tem aquela preocupação de moral da história que fez tão famosa a literatura xinfrim européia (européia ainda tem acento? Ajudem aí, linguistas, tô sem a gramática por perto). Pérolas do tipo: A raposa queria comer uma galinha. Aí o leão disse: ‘vai lá e se finge de galinha’. Aí vem um cara e mata o leão. Inevitável aquela cara de “what the fuck?” nessas horas.

E vamos ao projeto gráfico do livro. Olha, pra uma editora mais lado B como essa Landy Editora, esse livro está bem decente. Tem um prefácio do Alberto da Costa e Silva, que eu não conheço e já não gosto (nada pessoal, Sr. Costa e Silva, mas, além do seu sobrenome nada amigável, o senhor é imortal da ABL e, até vocês me chamarem pro grupinho, tô torcendo contra, hein?) Apesar do maldito papel offset, a fonte não é das piores e o cabeço é, pelo menos criativos. Ah, e não faltam ilustrações bonitas e toscas, feitas por uma tal de Kate Marr, funcionária do Forschungsinstitut für Kulturmorphologie in Frankfurt-am-Main (quer saber o que é isso? Faça como eu e comece a frequentar as aulas de alemão). Além disso, alguns retratos desenhados durante as expedições, feitos para você saber que seu senso de beleza e estética está completamente engessado por modelos magrelas, branquelas, que são só titela (pra rimar). Uma capa bacaninha, como vocês podem ver, e folhas de respiro no começo e no final do livro todas pretas e em papel cartão, pra ficar mais tchananã. Ah, e por incrível que pareça, não é difícil achar esse livro. Só não lembro ainda por que foi que eu o li. Tinha uns 16 ou 17 anos na primeira lida. Bom, nem Deus sabe o que passa na cabeça da gente quando a gente é adolescente, né verdade?

Comentário final: 238 páginas compridas em offset. SHHHHPAW!!!

J.M. Coetzee – Verão (Summertime)

Que semana! O Saramago morreu, e ao mesmo tempo, a copa do mundo está rolando. Foda isso, tem que parar de morrer gente legal em copa do mundo. Vez passada foi o Bussunda (cuja biografia saiu agora) e dessa vez, foi o portuga. Fiquei com peninha dele, é claro, mas vou confessar que fiquei com pena mesmo foi do João Marques Lopes, o biógrafo mais azarado do universo que lança uma biografia de gente viva uns seis meses antes do biografado morrer. Ô zica! Por essa o senhor não esperava, hein? Aliás, deveria esperar. Que pressa é essa de lançar biografia de velhinhos com um pé na cova, afinal? Faz igual o Fernando Morais. Aposto que já já ele lança uma biografia do ACM.

E aí a gente fica naquela: puxamos a sardinha pra copa do mundo e falamos de algum livro relacionado ao assuntou ou damos destaque ao Saramago, se aproveitando da necessidade das pessoas em tomar conhecimento de novos defuntos. Já viu? Pronto, de um dia pro outro, todo mundo é especialista em Saramago. Sandy, Luciano Huck, Ana Maria Braga, ninguém fala em outra coisa, como se passasse a vida inteira lendo o gajo ao invés de serem os bucetões que a gente sabe que são. Bom, pra ir na contramão desse pessoal, numa vibe mais publicitária, que sabe aproveitar bem o momento (é, publicitário, se você passou incólume à Copa do Mundo e não fez um anúncio colocando futebol no meio ou zoando argentino, tem algo de errado com você), vamos meter aqui o sul africano all-mighty Coetzee, que, afinal, é um dos dois escritores do país que ganharam o prêmio Nobel (a outra é a Nadime Gordimer). E, pra aproveitar mais o momento, de seu novíssimo livro: Verão.

Ia falar de Verão aqui muito antes, mas fui deixando, deixando, e ele foi perdendo o charme da novidade pras pessoas. Agora é só um livro lançado a dois meses atrás: tempo demais para ser considerado novidade e tempo de menos pra ser considerado objeto de lembrança e estudos. Mas aí, na moral? Foda-se, tô afim de falar desse livro hoje.

Verão é a terceira parte da trilogia Cenas da Vida na Província, que retrata alguns períodos da vida do autor. Vou contar que, embora o livro seja fodasso, esperava outra coisa, sei lá, algo no estilo dos outros dois mas falando da vida de escritor badalado, etc. Bom, quem sabe ele não lança ainda, né? O caso é que em Verão ele resolveu arregaçar a bagaça de vez. Sente só: no livro, que cronologicamente se passa a uns dois ou três anos atrás, Coetzee está morto e um biógrafo coleta entrevistas de pessoas próximas a ele para uma biografia póstuma (aprende aí, João Marques Lopes). Os entrevistados são: um colega de faculdade e quatro mulheres com quem rolou uma tensãozinha sexual (entre elas uma brasileira), ou algo mais até. Não dá pra chamar de namoradas, ainda assim. E o que elas fazem? Simplesmente destroem a imagem do escritor, colocam ele como um tipo esquisito, magrelo, feio, ruim de jogo e ruim de cama. Por um momento, até dá pra esquecer que foi o próprio Coetzee, que está vivinho, quem escreveu aquelas duras críticas a si próprio.

A grande sacada da série Cenas da Vida na Província é esse lance dele referir a si próprio na terceira pessoa. Além de agradar a crítica pelo recurso estilístico pouco comum, guarda aí uma grande vantagem para o escritor: a possibilidade de meter o malho em si. Ora, faça aí você uma experiência. Tente se autoesculachar num texto em primeira pessoa e num em terceira pessoa, como se fosse outra pessoa e não você. Mais fácil do segundo jeito, né? Quero ver quem é que vai ser macho o bastante pra se autodepreciar em primeira pessoa. Ah, e não vale ser judeu!

Verão é um livro que é difícil largar de lado, de tão cativante. Tá certo que eu sou suspeito pra falar do autor, mas, excepcionalmente este está demais, demais. Apesar de ser um livro de língua inglesa, é extremamente prazeroso lê-lo, não como é prazeroso ler outros livros do mesmo idioma, com o consumo desenfreado de informação e o deleite da escrita sem floreios, que, acredite, às vezes é necessário. Ler Verão é legal porque te dá a nítida sensação de conhecer Coetzee como a um primo seu, ou mesmo um amigo de longa data. Parece mesmo que ele não deixou passar nada sobre suas ideias e seu estilo de vida durante o período em que viveu na África. E aí a gente vê o que é um sujeito com vergonha de sua origem, e a vontade que ele tem de viver em um lugar como o Brasil, onde o racismo não chega a níveis absurdos como lá, a ponto de uma pessoa branca não poder dar bom dia pra uma negra. É, amigo, e você achando que jogador de futebol chamando o outro de macaco é pesado. Aliás, ninguém prendeu o cara que colocou o apelido no Grafite? Ou deram esse apelido porque ele sempre gostou mais de lapiseira do que de lápis?

Esse projeto da Companhia das Letras pra esse livro é o que há. Embora tenha ficado um pouco triste por eles não resolverem manter o padrão da arte em todos os livros, já não tinha mais esperança de que voltassem a fazê-lo depois do Diário de um ano ruim. De qualquer jeito, essa capa é bem, mas bem melhor do que a do supracitado último livro lançado. A foto não deixa perceber muito, mas essa fita vermelha realmente é uma cinta que colocaram sobre a capa do livro, que não possui nome do autor nem nada. Minha única ressalva é essa lateral branca, porque já tenho muito livro dessa cor aí nas bandas. De qualquer jeito, é demais. Tradução do mestre José Rubens Siqueira (sério, nunca vi esse cara na vida, mas o sujeito é bom, dá pra perceber claramente pelo inglês que eu domino), papel pólen soft, fonte Electra e tudo nos conformes pra mais um livro desse monstro da literatura.

Tenho ainda muitas considerações a fazer sobre esse livro, mas como post grande ninguém lê, vamos parando por aqui antes que alguém desista e vá ver vídeo de gatinho no Youtube.

Sobre a promoção: Ainda está de pé. O comentário de número 500 leva o Plataforma do Michel Houellebecq.

Um Ps: A partir dessa semana, vou começar a postar também nas quartas-feiras. Enquanto a de Domingo é a postagem lado A, na quarta eu faço uma postagem lado B, espaço que também posso abrir para críticos de plantão, ok?

Comentário final: 275 páginas em pólen soft. JAAAABULLAAAAAAAANI!!!

Mia Couto – Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

Mia Couto, caralho! Tava demorando para esse mestre aparecer por aqui. E justamente com qual livro senão o meu favorito em língua portuguesa (depois do Grande Sertão, lógico): Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra.

Conheci o autor através do amigo Cássio (compadre meu Quelemém), que emprestou O outro pé da Sereia para a Carlinha, que sempre foi muito mais destemida para literatura do que eu (do tipo “Ah, acho que vou começar a ler Górki”), e ganhei o livro de Natal do pai numa festinha na Fnac. Vou falar que fiquei com um pé atrás com esse título, que soa como a) livro de poesia (ugh!) b) livro psicografado pelo espírito Lucius (ou coisa que o valha) c) livro arrogante com nome arrogante, do tipo “O Pêndulo de Foucault” d) livro de escritor que publica livro independente e vende na feirinha (“ganha um cd com mantras para ouvir enquanto lê, bicho!”). Claro que o livro no fim das contas não era nada parecido com o que eu achava e isso me ensinou a não ter preconceito com título de livro (mais ou menos, ainda não tive coragem de ler O Segundo Sexo).

Um rio chamado tempo conta a estória de Marianinho e sua família, e parte da ocasião da morte de seu avô Dito Mariano em Luar-do-Chão, uma daquelas aldeias onde a única opção de lazer deve ser o barranqueio. Voltando à aldeia, o neto reencontra a família de tipos engraçados e nomes mais engraçados ainda: os tios Abstinêncio, Admirança e Ultímio, a avó Dulcineusa, sem falar no seu pai, Fulano Malta. No meio do velório e de tanta coisa esquisita tida como tradição local, como tirar os telhados da sala para o velório, Marianinho começa a receber cartas do avô morto. Aí entra um viés policial que, até pouco tempo atrás (antes de Antes de nascer o mundo, seu último livro), era uma característica corrente de sua obra. O mistério a ser resolvido, esse, muito mais num lance Miss Marple, faz de uma ocasião chata pra caralho (afinal, velório só era legal pro Nelson Rodrigues) no cu do mundo um thriller de suspense familiar eletrizante (maldita Sessão da Tarde e os vícios que ela deixou na nossa escrita).

Vi uma entrevista com o Mia Couto uma vez na televisão junto com o José Eduardo Agualusa, onde ele falava que a molecada de hoje quer muito escrever mas quer fazer literatura só de palavras bonitas. Ele nos lembrava da importância de se ter uma história para contar. E o Mia Couto tem história pra contar sim, hein? (Menos naquele Venenos de Deus, Remédios do Diabo) A história não te larga e você, por sua vez, não larga a história. Eu li esse livro em dois dias e fiquei amarradão.

Mas, além da boa história para contar, Mia Couto também SABE escrever (com tudo maiúsculo). Sério, rapeize, esse moçambicano é a melhor coisa da língua portuguesa desde Guimarães Rosa. E não é só a prosa fluida e a musicalidade de seus parágrafos, é tudo: seu estilo híbrido, seus neologismos que brotam da terra e suas pequenas filosofias que são despejadas de torneirinha no livro (se bem que às vezes ele não sabe a hora de fechá-la um pouco). Eu geralmente me limito a resenhar os livros, mas dessa vez vou abrir uma exceção e dizer que se você gosta de boa literatura e de linguagens diferentes, você precisa ler Mia Couto. Se você for cagalhão como eu fui quando peguei esse livro pra ler, sugiro uma coisa: Vá numa livraria, pegue esse livro para folhear e leia as frases que abrem os capítulos, de autoria do autor: “O mundo já não era um lugar de viver. Agora, já nem de morrer é”, “A mãe é eterna, o pai é imortal”, “Se eu não creio em Deus? Lá crer, creio. Mas acreditar, eu acredito é no diabo”, etc, etc. Amigo, só um retardado mental não percebe a preciosidade que existe por trás da escolha de palavras para compor esses ditos e filosofiazinhas.

E o projeto gráfico da Companhia das letras hein? Sen-sa-c-i-on-al (porra, preciso reaprender a separar sílabas) Uma fonte especial para os títulos das obras, capas coloridas com desenhos em silhuetas translúcidas, porra, fantástico. Só uma ressalva, que é coisa de gente chata eu sei, mas o nome do autor ficou na metade da lateral ao invés de ficar no topo como todos os outros livros. Damm, nigga! No mais, tudo um pitéu: fonte maneira, papel maneiro e o principal: falta de economia com papel. Acho ótimo deixar sempre o título do capítulo numa página a parte, sempre no lado ímpar, coisa e tal. Mostra que você tá nessa pra fazer algo que valha a pena os quarenta e cacetada reais que você gasta no livro.

Comentário final: 262 páginas em papel pólen soft. Pimba!

PS importante: Porra, como esqueci de colocar isso aqui? Eu entrevistei o Mia Couto para a Gazeta, sobre seu livro mais recente “Antes de nascer o mundo”. A entrevista está aqui.

J.M. Coetzee – Infância (Boyhood – Scenes from Provincial life)

Aê, mais um livro que eu terminei (viram como eu não leio tanto assim?). Tava pilhadão pra ler a primeira parte de Cenas da vida na província, a trilogia do all-mighty Coetzee, já que até então o único livro que tinha sido lançado aqui era o Juventude (devidamente já resenhado nesta bagaça). Claro que agora vou emendar num c-c-c-c-COMBO e ler Verão, a última parte da trilogia que, assim como Infância, foi presente de aniversário de namoro que a amada Carlinha me deu (azar o seu se você ganha camisa, amigo).

Mas uma coisa de cada vez. Vamos tratar aqui primeiro desse tal de Infância. Galera, devo dizer que fiquei decepcionado com a manobra editorial da Companhia das Letras (editora que eu gosto muito e ninguém tá escondendo isso, olha lá o tamanhão da tag dela ali embaixo) pra lançar Verão. Obviamente que se a última parte da trilogia fosse lançada sem que a primeira já estivesse publicada, o livro perderia o sentido e mesmo não venderia muito. Então o que fizeram? Lançaram Infância só em formato de bolso (que isso gente, o cara é prêmio Nobel!) junto com Verão. E, enquanto o fodão José Rubens Siqueira estava traduzindo a boa nova, o senhor Luiz Roberto Mendes Gonçalves traduziu essa obra de uma maneira, vamos dizer… bom, ele devia estar com pressa, afinal. Ok, erros foram cometidos. Por exemplo, fez sentido em língua portuguesa a religião católica ser diferente da religião cristã, pois enquanto aquela é a forma como a conhecemos, esta chamamos por aqui de puritanos, ou presbiterianos, ou mesmo protestantes. E custava colocar um glossário de africâner no final do livro já que se optou por não inserir notas de roda pé traduzindo-as todas? Vamos lá ficar lembrando toda hora o que são palavras como “asseblief”? Desculpaí se a gente não é fluente na língua, valeu? O livro tem apenas UMA, eu disse UMA nota de rodapé, para explicar o que é Karoo. Acho que isso prova pelo menos que um livro de bolso tem uma importância menor para as editoras.

O aparente descaso com essa edição certamente tira o peso da obra que — não podemos esquecer — foi a única parte dessa trilogia durante cinco anos: de 1997 a 2002, quando Juventude foi lançada.   E o livro, aliás, é sensacional, quero todo mundo lendo ele, hein? Impressionante como Coetzee é sincero consigo mesmo, quase cruel e masoquista mesmo, ao descrever seus primeiros anos vivendo em Worcester. Ele, então com idade próxima dos oito anos, se esforça para ser o primeiro da turma e sente muitos medos, principalmente de ser humilhado. A criançada na África do Sul é toda dividia por causa dos africâners. A família dele mesmo é africâner (Coetzee afinal, não soa como um nome inglês, né?), mas eles renegam: falam inglês dentro de casa e o jovem John Maxwell se borra de medo de ser colocado junto aos outros africâneres. Tem de lidar com sua mãe africâner, que ele venera e odeia ao mesmo tempo, e seu pai, um sujeito relaxado e submisso que não sabe gastar dinheiro.

Esse livro é tão sincero que é uma das poucas autobiografias que dá pra você saber da verdade sobre a vida e a formação do caráter do autor. Por exemplo, Infância só comprova o que eu já tinha dito: que Coetzee tem uma relação muito forte com a linguagem. Pensa em cada letra separadamente e no peso que cada uma dá à palavra. E isso com dez ou doze anos. Também podemos observar o quanto ele era esquisitão, como dizem que é hoje, taciturno, sério e excêntrico. Não se relaciona com as pessoas direito e tem muito a considerar sobre tudo. Há de se admirar esse tipo de coisa, o cara é corajoso pra escrever.

Por último, devo acrescentar que esse é um livro triste pra cacete como são todos os outros livros dele. Não espere ver uma infância muito feliz. Aliás, será que esse cara já foi feliz em algum momento da vida dele? Bom, acho que um milhão de dólares na conta por conta do prêmio Nobel devem ajudar a colocar um sorrisinho em qualquer rosto. Como dizem os curitibanos, “fica de boua” aí, Coetzee!

Comentário final: 150 páginas formato de bolso. Faz nem cosquinha.

Um Grande PS: Hoje o Livrada! completa um mês! Aêêêêê. Há de se reconhecer que foi um mês intenso, com 27 posts, 138 comentários (dos quais quase a metade é minha, porque eu respondo os comentários, tudo bem), e, até o momento que eu to olhando aqui, 1.394 visitas (e isso, pra um blog de literatura, é coisa pra caralho, eu acho). Posso dizer com um orgulhinho que cumpri uma proposta relativamente inovadora (um blog de literatura que fosse diário e com uma linguagem informal), e fiquei muito feliz com a aceitação dele. Mas, com um pequeno pesar no coração, devo dizer que, a partir de segunda feira, não teremos mais posts diários. E isso porque, além de ter outras obrigações (entre elas me formar), passarei a escrever sobre literatura de uma forma mais séria em um outro veículo. Mas , como diria Fernando Collor, não me deixem só! O Livrada! pretende continuar até onde der. E se não der não deu e, citando aquela outra dupla de hip hop, se virar, virou (“aí maluco eu to na minha e se virar virou”). Muito obrigado, gente!