Ler não-ficção é sempre bom pra desopilar a mente de narrativas que sugam toda a sua atenção e sua capacidade de abstração pra uma história que pode se revelar muito pouco merecedora do esforço. Dentre as não-ficções boas para isso, os ensaios livres, aqueles em que o cara usa muito pouca referência acadêmica ou, pior, ignora qualquer referência e escreve as ideias dele sobre o tema, são as melhores porque a coisa da arte ativa vai embora e dá lugar a uma conversa boa entre você e o autor, na qual você senta e escuta e ele fala. O livro do Allen Shawn, Bem que eu queria ir, é assim. Uma conversa leve e edificante sobre o mundo das fobias.
Shawn é um compositor nova-iorquino, autor de muitas peças eruditas e populares. O pai dele era editor da revista The New Yorker, que é, para muitos, a melhor revista de todos os tempos. Mas tanto ele quanto o pai cresceram me meio a muitas fobias. De lugares abertos, de lugares fechados, de avião, de elevador, enfim, aquela coisa toda. E, diante da sugestão de um amigo de escrever um livro sobre suas fobias e de como elas atrapalham sua vida, o músico resolveu basicamente pegar tudo o que estava ao seu alcance e escrever um pequeno compêndio misto de experiências pessoais e estudos sobre a questão das fobias.
Assim, existem capítulos que tratam de psicanálise, de neurologia, da percepção do medo no mundo da arte, de outras pessoas célebres e fóbicas como ele, de lembranças de sua primeira infância, das relações com seus familiares – dos quais, sua irmã gêmea Mary, deficiente mental, parece desempenhar um papel preponderante em sua personalidade –, enfim, tentou fazer uma compreensão macro da coisa, pra não deixar nenhuma aresta.
Esse caráter heterogêneo também dá ao livro um ar meio indefinido. Afinal, Bem Que eu Queria Ir é um livro sobre fobias, ok, mas a que ele se propõe? Explicar a vida do autor a partir de tudo o que já se estudou sobre o tema e a partir de experiências vividas? Ou, ao contrário, legitimar os estudos diante de suas vivências que, acreditem, não são nada demais aos olhos de qualquer pessoa não-fóbica. Mas que, de alguma forma, te fazem pensar em como seus medos são definidos pelo meio e são um reflexo do medo dos pais. Tudo isso faz muito sentido se você fizer um paralelo inocente com a sua própria vida.
Além de indefinido, porém, o livro é meio irregular. Existem capítulos que são extremamente monótonos e outros que são bacaninhas mas, no geral, não é uma leitura tão empolgante. A vida do cara não tem nada demais, como eu disse e, sinceramente, também não sei o que eu estava esperando quando resolvi ler esse livro. Talvez ler umas coisas engraçadas do tipo “rá rá! Olha o que esse bobão tem medo de fazer”, mas a coisa não vai por esse caminho – infelizmente, porque se fosse, seria um livro mais engraçado, embora menos informativo. Ainda assim, o caráter didático da explicação de Shawn coloca um lampejo de alegria nos olhos de estudantes amadores de psicologia, uma raça que parece se propagar sem maiores motivos além de entender porque, afinal, a gente é tão zoado assim.
Como leitura de ensaio, Bem que eu queria ir é minimamente divertido, mas não sacia a sua sede de ensaio nem sua curiosidade sobre o tema, já que ele trata apenas de coisas muito pontuais e já que nem a própria ciência consegue dar conta das fobias humanas por enquanto. E como os estudos psicanalíticos de Freud são bem recentes e não há uma narrativa que mostre a evolução do ramo e de sua preocupação (como há, por exemplo, no glorioso O Imperador de Todos os Males, do Sidharta Mukherjee), também ficamos a ver navios nessa. Mesmo assim, o livro entrega o que suas 300 páginas prometem. Só não se empolguem muito.
O projeto gráfico do livro sim, é uma beleza. Fonte Electra, papel polen, capa em papel cartonado e uma arte de fazer inveja nos designers da Cosac. No mais, é o padrão da Companhia das Letras. Chuchu beleza.
Bem que eu queria ir cumpre as seguintes modalidades do Desafio Livrada 2014:
5- Um livro que não foi te indicado por ninguém
12- Um livro de não-ficção
Comentário final: 311 páginas em papel pólen. Quem tem medo de Livrada?