E ainda dizem que o polonês é uma língua difícil. Xá dos Xás = Szachinszach. Xáxinxáx = Xá dos Xás. É só deixar a intuição fazer a sua parte e começar a ler Bruno Schulz, e entender o que você quiser entender, é claro. Mas bem, os senhores e as senhoras não vieram aqui para ter lições de polonês comigo, que no máximo improviso um versinho ou outro de ogórek ogórek ogórek zielony ma garniturek e não tô aqui para destilar mais do que isso dos meus conhecimentos filolololológicos. Estou aqui para falar desse livrorreportagem do grande mestre da arte Ryszard Kapuściński, esse polaco que deveria ter morrido antes do tempo umas 70 vezes e não morreu. Kapuściński cobriu guerras e escreveu sobre déspotas memoráveis, e ajudou a entender o lado feio e sujo do meio do século 20, lado esse que as pessoas até hoje não sabem pelo simples fato de não ligarem a mínima para o que acontece nesses países. Assim foi com o Irã e sua dinastia Pahlevi.
O livro, obviamente trata disso. Se você não sabe – e tudo bem, ninguém aqui está julgando o fato de você ter feito supletivo – xá é o título dado ao monarca no irã, e é esse o título porque quer dizer “rei”, em persa. Xeque-mate, o rei está morto, você já deve ter escutado isso em algum lugar ou lido em algum almanaque de cultura inútil. Pois bem, o Irã tem uma longa história de xás que massacraram o povo apenas para depois serem mortos ou exilados. É uma história cíclica, e a dos Xás Pahlevi tem muito a ver com o que está acontecendo hoje com o Estado Islâmico – de novo, se você não sabe o que é Estado Islâmico, a gente não julga, MAS…
O primeiro xá é o Reza Pahlevi, um homem de formação militar que ascendeu ao poder e que mais ou menos conseguiu manter tudo em ordem, se é que pode se chamar aquilo de ordem. O Irã não é essa potência cheia de petróleo e gente perigosa que é hoje, antigamente era só mato, deserto e pobre. Nem carroça tinha. Mas o filho, o xá Mohammed Reza Pahlevi, diferentemente do pai, não lidou tão bem com as coisas. Ele era, segundo o autor, um cara inseguro, que precisava ser bajulado, vaidoso e arrogante, e quando seu primeiro-ministro Mohammed Mossadegh resolveu nacionalizar o petróleo iraniano (e o império britânico sofreu uma queda porque até então eram eles quem mais ou menos mandavam por ali), a promessa de um país bilionário botou o Xá pra trabalhar. Assim, ele começou a querer industrializar o Irã, sem perceber que as coisas mais básicas ainda faltavam. E o povo ficou mais irado, e com o povo irado, o movimento nas mesquitas se intensifica, e eis que surge a voz incansável, serena e monocórdica do aiatolá Khomeini, que inspira a articulação do movimento contra o xá. Mas aí já tô contando demais sobre a história e pouco do livro.
Falemos do livro. Não é à toa que Kapuściński foi o que foi. A escrita dele é um misto de crônica, relato jornalístico, remontagem histórica, ensaio e leves tons de escrita ficcional, tudo misturado num blend gostoso típico desses gênios da raça que surgiram naquele século (Norman Mailers da vida). De modo que ler O Xá dos Xás é algo que você tem que fazer nem que seja pra falar “mas que desgraçado esse sujeito que escreve tão bem e rodou o mundo e viu de perto a história acontecendo… que desgraçado mesmo”. E, claro, aprender um pouco sobre a história do Irã, como já disse, é entender também um pouco do que ocorre no Oriente Médio. Os governantes colocados no poder pelos interesses do ocidente, o descontentamento do povo com a falta de perspectiva e o levante capitaneado pela ideologia formada dentro das mesquistas torna a história cíclica como os espertinhos sempre falaram que era. De modo que O Xá dos Xás é uma aula de boa escrita, de história, de geopolítica e de como viajar pelo mundo (aprendam, seus fanboys da Disney).
O livro faz parte da coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras e é fiel ao padrão de quatro fotos e um textão, uma capa gráfica e um posfácio pra exaltar o autor e o livro em questão. O problema é que achei que nesse caso em específico, o livro carecia de mais fotos. Quem não queria relembrar a beldade de dona Soraya, mulher do Xá, e de ver o levante dos povos, e mesmo as fotografias de que o autor fala na segunda parte do livro – a maior delas, que centraliza o tríptico. Intitulada “Daguerreótipos”, ele conta a história através de fotografias antigas de que dispõe. Por que não podemos ver essas fotos também? Not cool, bro. Not cool.
Comentário final: 197 páginas em papel pólen. Xuxuxu Xaxaxau.