Stanislaw Ponte Preta – Febeapá


FebeapáQuarta-feira, molecada! Mal a semana começou e já estamos chegando no meio dela, rumo ao glorioso feriado! Bem, nem tudo são flores: para os meus amigos militares, não é feriado, o sete de setembro, é uma data tão festiva, mais uma piada nessa terra tão querida (Blind Pigs entrando aqui no texto). Então, pra vocês é 1, 2, 1, 2, esquerda, direita, esquerda, direita, paga flexão, come gororoba, lambe o coturno, apanha o sabonete! Só não sinto pena porque vocês estão mais ricos do que eu.

Stanilslaw Ponte Preta: taí um autor que eu nunca quero que vocês conheçam, porque senão, esse blog vai ficar jogado às moscas. Ninguém nunca combinou tão bem inteligência, erudição, linguajar maroto e escrita fluida quanto Sérgio Porto, identidade secreta do Ponte Preta. E esse livro — é mentira, mesmo correndo o risco de ser abandonado, quero que vocês conheçam — é Stanislaw Ponte Preta em sua melhor forma.

Febeapá, para quem não sabe, é o Festival de Besteiras que Assola o país, um compêndio das asneiras que rolam na nossa sociedade e na nossa política, em especial na época da ditadura, período que Sérgio Porto cobriu intensamente. Se bem que, não é preciso ser muito esperto pra saber que besteira na política não é um privilégio da milicada. A única coisa que mudou é não temos mais quem faça esse trabalho sujo de Stanislaw, que morreu junto com seu alter-ego, precocemente, aos quarenta anos, de tanto trabalhar, eu imagino. O livro em questão compila os três volumes de Febeapá que saíram aí no mercado editorial da época, junto com umas crônicas ótimas e engraçadas, para quem quer dar umas risadas.

E é impressionante o quanto se conseguiu reunir em tão pouco tempo. A frase que abre o primeiro volume é a mais pura verdade: ou o Brasil acaba com a besteira ou a besteira acaba com o Brasil. Coisas absurdas como impedir que a Alemanha Oriental tocasse o hino do país durante um jogo de futebol, por ser um ato subversivo, ou uma batida policial no teatro para prender o tal do Sófocles, que escreveu essa peça suja cheia de sacanagem, ou ainda a tentativa de se instituir o “Dia do Pobre”, para homenagear essa grande parcela da população, ou um vereador de Mafra (SC), que queria pedir em plenário que se fabricassem fósforos de duas cabeças para economizar o pauzinho. Enfim, poderia ficar aqui contando várias histórias para atiçar o gosto de vocês, é e isso mesmo que vou fazer agora: prefeitos no Rio Grande do Sul que inauguram bebedouros públicos para cavalos e dão o primeiro gole com as mãos em concha, dizendo “Tá inaugurado, tchê!”; pessoas que mandam cartas para Belém, no Pará, e, os analfas do Correio que não entendem a letra, mandam para Berlim; um campeonato de futebol patrocinado pela Brahma, onde os locutores da Tv, ao saberem que tinha lá um jogador do Galo chamado Grapete (concorrente da Brahma), resolveram só chamar o sujeito de “Guaraná”. Já tão querendo correr para comprar esse livro? Ótimo, continuemos.

Sérgio PortoAs crônicas do livro, parte do compêndio do Febeapá, também são valiosíssimas. Nela, vemos a qualidade da veia humorística do autor, que criou uma família de personagens fictícios inesquecíveis, dos quais o mais presente é o primo Altamirando, o malandro maconheiro da família. Ele arruma negócios escusos, campeonatos de futebol com a bandidagem, com escalações hilárias que vieram muito antes do pessoal do Rockgol. E vários outros personagens esporádicos, todos com o seu valor, fazem o leitor vencer o calhamaço de páginas como se fosse uma volta no parque (jargão militar dos filmes de ação, adoro isso: “volta no parque”. Esse pessoal que acha fácil dar volta no parque deveria visitar ali o Jardim Botânico em um sábado de sol).

Quando Sérgio Porto morreu, morreu com ele parte desse humor montado na erudição, e as pessoas passaram a achar que a comédia é uma coisa feita de gente burra para gente retardada. E aí ferrou-se tudo, amigo, saiu neguinho por aí fazendo comédia romântica, sátira de filme de terror, seriados sobre amigos que dividem apartamentos, neguinho gravando vídeo no Youtube dizendo que odeia isso e odeia aquilo, etc. Temos, felizmente, alguns receptáculos desse legado, o mais bem sucedido no momento é o Xico Sá (em breve, resenha sobre ele). Acho uma pena, mas acredito nesses heróis que sobraram e que vão levar o movimento adiante.

A editora Agir é uma santa mesmo, relançando a obra completa do autor em livros maravilhosos, de papel pólen soft, fonte Bakersville, formato grande, cabeço vertical charmosão, e ilustrações do glorioso Jaguar, e são várias ilustrações, tipo, uma cacetada delas. Ponto, ponto, ponto! Esse livro ainda tem o prefácio de Millôr Fernandes e o posfácio da acadêmica Berenice Cavalcante, mostrando que há lugar para todos os leitores em Febeapá, e na literatura de Sérgio Porto de uma maneira geral.

Uma última curiosidade sobre o autor: ele foi o autor do Samba do Crioulo Doido, clássico do samba nacional, e inclusive recebeu, na ocasião, uma ligação do ex-presidente JK (tô abreviando porque acho complicadão escrever o nome dele), para agradecer a menção no começo do samba — a única parte coesa da música. O cara é demais ou não é?

“Mas Yuri, e o Lado A?” Ah, sim, claro, o Lado A, é lá na revista Paradoxo. Nessa semana, um livro da Natalia Ginzburg, da lindíssima coleção Mulheres Modernistas, da Cosac Naify. Corram lá!

Comentário final: 398 páginas pólen soft. Deixa você com orelha de lutador de jiu-jitsu.

17 Respostas para “Stanislaw Ponte Preta – Febeapá

  1. E ai Yuri, tranquilo…Cara muito legal a resenha ae!!! Parabens, mais uma vez e você realmente me deixou com vontade de ler “questo livro” (gastando todo meu italiano, aprendido com o Manuel Carlos, em “PASSIONE”). Se podia resenhar algum livro do Otavio Faria, muito bom…
    Bom é isso abrass.

    • E aí Vitor, valeu por passar aqui e pelos elogios! O Manoel Carlos é horrível, mas quem tá ensinando italiano pra gente é o Silvio de Abreu, outro horroroso. Nunca li nada do Otavio Faria, nem sei quem tenha um livro dele pra me emprestar, mas qualquer coisa, joga lá no contato e joga nas hands que a gente bola alguma coisa.
      Abraço!

  2. Stanislaw Ponte Preta era genial, como bem descreve o Yuri. E ainda hoje é atual. Um desconstrucionista, principalmente da burrice nacional. Cunhou também expressões geniais: “Mais chato que um filme de Hitchcock”, por exemplo, é uma tirada dele.

    Depois de gigantes como Sérgio Porto, o que domina é o besteirol, que é o humor vazio, tolo, acrítico, que a cavalgadura do Jô Soares, na imprensa, é a quintessência (quem teve a infelicidade de ler os textos vazios de humor que escrevia em Veja quando substituiu o Millor sabe do que estou falando).

    • Oi Jarobas, valeu por passar aqui, seus comentários são sempre bem-vindos!
      Realmente, ficamos um pouco órfãos de bom humor depois que Sérgio Porto morreu. Que droga, né? Tá na hora de elitizar um pouco o humor de novo…
      Abraço!

  3. Sim, sim, outro livro que tenho muita vontade de ler… Lembro do texto do jogo de futebol que você leu para mim, do nome dos jogadores, hahaha!
    Ótima resenha, Yu, como sempre.

    Beijo!

  4. Adorava o Stanislaw quando era criança…
    quero ter os livros dele de novo, o cara era irônico politizado…vc tem razão em dizer que depois dele não fizeram mais um tipo de humor como o dele…E a parte que você coloca sobre o papel, fonte e a obra completa empolga mesmo.

    • Tem que aproveitar que a editora Agir tá lançando tudo de novo então, Karen. Realmente vale a pena ter os livros em casa, passar de gerações e tudo mais… Uma pena que tenhamos ficado órfãos do bom humor mesmo.
      Valeu pelo comentário!
      Beijo!

  5. Ótimo esse livro, infelizmente emprestei para alguém que não devolveu mais, ma foi uma ótima experiência para conhecer uma forma inteligente, sútil e muito bem feita de humor.

    • Obrigado pela visita, Rafael. Não sabe a raiva que me dá esse tipo de gente que não devolve os livros. Perpetua-se aquele ditado que diz que há dois tipos de idiotas: os que emprestam os livros e os que devolvem os livros. Mas é uma leitura de descoberta muito interessante mesmo. Um abraço!

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