valter hugo mãe – a máquina de fazer espanhóis


E aí? Quem foi na Flip? Ó, eu sou de lá e posso dizer: Paraty para quando rola essa festa. E Paraty só para quando tem Flip, Festa do Divino, Festa da Pinga, Festival de Blues, do ano novo ao Carnaval, Corpus Christi, na festa da Nossa Senhora dos Remédios – padroeira da cidade – em feriado nacional porque ninguém é de ferro, em gravação de filme ou de novela que rola pelo menos uma vez por ano, em show grande, que rola uma vez por semestre e durante as férias de verão européias. Só. Então a gente pode ver por aí que o festival é mesmo grande. Agora, a última vez que fui na Flip foi em 2004, e já tava meio circense a parada. A presença mais marcante é a das madamas, que só se aventuravam por outros festivais. Imagine vocês uma matrona barrense, racista, laqueada, pelancuda, de colar de pérolas, lendo um autor como Michel Houellebecq? Tudo bem que ele é uma versão masculina desse tipo de madama, mas mesmo assim, catzo, na minha época elas só liam A Profecia Celestina, Dan Brown se não fossem muito católicas, Fernando Morais e, arriscando, um Gabriel García Marquez ou outro, de leve.

Enfim, pra quem foi nesse ano, viu que uma das atrações era um cara chamado valter hugo mãe (“tudo em minúsculas, assim mesmo”, como os jornais colocaram em parênteses em 500 matérias desse ano). Pra quem tava lá meio que a passeio, era um sujeito careca que era sempre visto do lado da Pola Oloixarac, vulgo “a gostosa da festa”. A presença da Pola e seu livro fétido é prova de que a Flip tá num ôba-ôba que só vendo, mas enfim, falemos do mãe (do valter hugo mãe, não tô fazendo agora a minha tradicional imitação do Wilmutt).

valter hugo mãe é um angolaaaaaaaaaaaaano (que saudade desse quadro do Zorra Total) radicado em Portugal que, como todo bom escritor português, quer dar uma estuprada na língua materna. Um incesto gramatical, se preferir. Na boa, essa apropriação do português que fazem Saramago, Lobo Antunes, ele e o resto da patota tá levando a literatura além da nossa bundamolice nacional. Ficamos aqui com nossos bukowskis-wanna-bes e ficamos pra trás bonito nessa disputinha entre nações irmãs, mas tudo bem. Bola pra frente que no futebol a gente é melh… no basquete a gente ainda é melhor. O abuso desse autor em específico com o português, além de só escrever em minúsculas, passa também por criar uma oralidade diferente da que a gente (ou os portugueses tão acostumados). É que nem ler Guimarães Rosa, saca? Você sabe que ninguém fala assim na vida real, mas pareceria muito plausível se alguém falasse. Criar uma linguagem oral verossímil é tarefa das mais árduas, você que assiste cinema nacional e vai ao teatro sabe disso. Então ele sabe criar algo novo a partir do zero, e é isso que ele faz nesta máquina de fazer espanhóis.

O livro conta a história do seu silva (olha só, não faz nem um mês que li o livro e já esqueci o primeiro nome dele… esse alemão me deixa louco! ui!), um velhinho de 84 anos que, após perder a sua esposa, vai para um asilo de velhinhos, a última casa, as últimas amizades e inimizades, as últimas últimas. Lá ele debate sobre o rancor dos portugueses de terem se emancipado da Espanha (o quê? Não sabia disso? 20 anos de cadeia!!), e terem ficado pra trás no avanço econômico e tudo mais. Fala também uma visão pessimista demais sobre a velhice, que nenhuma propaganda de previdência deveria ver, além de conhecer o famoso Esteves sem metafísica, aquele do poema do Álvaro de Campos, o primo gaiato do Fernando Pessoa que escreveu aquele poema Tabacaria, que diz “e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante,onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações. Eu sei, eu sei, é um movimento que o Saramago já tinha feito no Ano da Morte de Ricardo Reis, criar vida a partir de um poema ou um poeta de Pessoa, mas, gente, olha que legal, é o Esteves sem metafísica! Que outra oportunidade você teria de vê-lo fora daquela tabacaria? Não é a mesma coisa de filmarem um Eduardo e Mônica, um Faroeste Caboclo ou As Meninas, ou criarem um desenho animado só pro Cleveland do Family Guy, é um spin off completamente diferente. O Esteves aqui é coadjuvante de novo! É mais ou menos o que o Kevin Smith faz com seu próprio personagem em quase todo filme dele, e ninguém deu a devida atenção. Prestenção, cambada, coerência nesta joça! Ah sim, também tem uma fantasia a respeito de uns corvos e uma tal máquina de fazer espanhóis, mas isso aí cabe você descobrir senão eu estrago a surpresa (1- viu como é que você disfarça o fato de ter esquecido detalhes de um livro? 2- adoro fazer esses parágrafos com quase dois mil caracteres!).

O autor diz no pós-fácil que escreveu essa história como a história da terceira idade de seu pai, que morreu de câncer na segunda. Pela história que ele criou, vou dizer que o fulano não devia gostar muito do velho, ou gostava mas só é bom de contar história triste. Diz também, não no posfácio, em outro lugar, que não mandou o livro de presente pro Saramago – eles eram amigos, jogavam War juntos, coisa e tal – com medo do velho achar a velhice uma droga. Sei lá, o personagem do livro tem 84, o Saramago tinha 87, acho que o máximo que ia rolar seria ele falar “ih, já passei por essa fase, rapaz.” Mas tudo bem, fato é que Saramago leu mesmo assim o livro antes de abotoar o paletó. Bom pra ele, porque é um livro imperdível mesmo. Faça igual o Saramago e leia nem que seja a última coisa que você faça na vida.

O valter hugo é um desses autores que tem de tudo pra ir plantando a sementinha do Nobel no Farmville dele. Fala de política ibérica (coisa que até então nunca tinha visto), revoluciona na linguagem, tem uma voz inconfundível e só falta mesmo começar a adotar uns africaninhos. Fiquem de olho no gajo, acompanhem o que ele escreve e acessem o EGO para saber o que ele tem feito, que um dia ele vai estar lá em Estocolmo em frente aos babacas suecos (repito: que nome de banda isso daria!) representando nosotros lusófonos. Peguei essa foto aí dele pra vocês verem como ele é simpático e como ele revoluciona até na hora de tirar foto de escritor. Mão no queixo é coisa do passado. Guarda-chuva aberto no brejo com buquê de flores is the new melancia na cabeça. Aliás, além de ser escritor, o sujeito também é vocalista de uma banda chamada Governo, que consegue a façanha de ser uma banda pior do que a minha! Aê!!! Além disso é artista plástico e DJ, mas não sei se é DJ DJ ou DJ que só ataca de DJ, então não vou falar nada sobre isso.

E esse projetão da Cosac, hein? Mermão, só a capa vale o preço do livro! Só a capa! Lourenço Mutarelli assina a arte e a orelha. Aliás, foi mal, Mutarelli, gosto muito do senhor, mas essa orelha ficou mais burocrática e monocórdica do que a Ilze Scamparini narrando o carnaval de Salvador. Enfim, o projeto gráfico do livro puxa tudo para a esquerda, do título dos capítulos, que começam nas páginas pares (que inusitado!), ao alinhamento dos parágrafos e a paginação, que não alterna lados como em qualquer livro normal. Até a orelha é escrita do lado de dentro, pra ficar o mais à esquerda possível. Papel pólen e fontes Nassau e Conduit (que é mais bonita do que qualquer conduíte).

Galera, o Livrada! precisa do seu apoio. Não vou abrir um 0800 estilo criança esperança, mas considerem anunciar aqui a preços módicos.

Comentário final: 250 páginas mais ou menos com a PURA LAVA DO VESÚVIO, tipo as bolinhas de queijo mussarela crocantes lá do Cospe Grosso!

20 Respostas para “valter hugo mãe – a máquina de fazer espanhóis

  1. Se tem uma palavra fácil, fácil de associar a Portugal é “velhice” – que é uma palavra bonita.
    O livro realmente parece interessante e o valter hugo mãe é a bola da vez, não?

    Agora, eu gostei muito da foto do cara aí, hein? Achei tão bonita que parei de ler o post por um momento e fiquei prestando atenção na foto.

    E outra, Yu, só você sente falta de um quadro do Zorra Total. Peloamordedeus.

    Beijo 😉

    • Oi querida,
      Sim, tanto o escritor quanto seu retrato são badalados! E com razão: duas preciosidades (no caso, o livro do escritor, o sujeito em si é um pouco mal-diagramado).
      E agora não sinto mais tanta falta do quadro porque o Angolaaaaaano voltou.
      Beijo!

  2. O mãe foi a grande surpresa msm. Começarei hj esse livro. A Pola uma decepção msm, apenas linda, o livro dela uma merda! rs Digno de um quadro no Zorra Total. Eu li o remorso de baltazar serapião e fiquei apaixonado pela escrita dele. Fiquei apaixonado por uma personagem do livro, que em Paraty comentei com ele e disse que tb o era o personagem q ele mais gosta. Enfim, é um cara que tem tudo para os aplausos, e já teve de Saramago e Lobo Antunes, quem somos nós para não continuar aplaudindo.

    Abraços meu caro!

  3. Caaara, ele mandou muito bem na FLIP. Foi legal, de verdade. Terminei o livro esses dias também, uma das melhores coisas que eu li em algum tempo. Além de ser de uma tristeza, que muitas vezes é tão triste que chega a ser engraçado.

    Vou ler o baltazar em breve também, e tudo mais que o cara lançar por aqui.

    Ótimo livro.

    Abraço.

  4. Não gostei do livro. Acho ele meio estrelinha. O livro fala sobre um monte de coisa, mas acaba não chegando a lugar nenhum. Achei que dos últimos tempos, mesmo não tendo achado genial, Dublinesca do Villas-Matas foi bem mais interessante.

    • Oi Victor, engraçado sua predileção: a minha é justamente a contrária: gostei do vhm e não gostei do Dublinesca, esse sim achei que não foi a lugar algum (pelo menos durante boa parte do livro). O vhm tem essa coisa da alteridade: tem quem goste, tem que não goste. Abraço!

  5. Devido a restrições orçamentárias, meu cartão de crédito resolveu aceitar compras de livros da Cosac Naif uma única vez por ano: quando dá a louca no patrão e todo o catálogo sai por 50%.

    Cá estava eu, procrastinando uma monografia e pensando se gastava ou não meus cobres com o valter hugo mãe. Sua resenha me convenceu pela falta de frescura. Não há como resistir a bolinhas crocantes de mussarela (dane-se a grafia do VOLP), é o que eu sempre digo.

    Um abraço.

    • Oi Gabriela, queria ter aproveitado essa promoção também. Mas a minha relação com promoções de livros é mais ou menos parecida com a minha reação com mulheres na adolescência. Queria porque queria, mas na hora que aparece, não sei o que fazer. De qualquer jeito, espero que tenha aproveitado a compra.
      um abraço!

  6. Vou dar jeito de conseguir esse livro! Li vários blogs e sítios sobre o livro (inclusive o seu), estando agora interessadíssima em compra-lo. PS: adoro o seu blog, vou lhe acompanhar pelo meu pc!

  7. Li o valter e achei muito foda. Demorei para terminar, pois depois de ler cada capítulo, eu ficava o dia inteiro refletindo sobre o livro. Meus amigos estavam achando-me chata. Agora vou ler o poema de Fernando Pessoa, pois como o Mutarelli disse não se sabe se o poema leva ao livro ou o livro leva ao poema. Abraços.

  8. Leitora assídua de Santa Maria – RS vem manifestar todo o apreço por esse blog!!

    aDORO, mesmoooooo! Tanto que sempre volto.
    Dessa vez, para linkar – se me permite – a resenha que eu própria fiz desse livro do vhm, já que esse book foi o livro da vez no Clube de Leitura Companhia de papel – nosso grupo aqui na cidade!!
    http://companhiadepapel.blogspot.com.br/2013/04/a-maquina-de-fazer-espanhois-valter.html

    Poxa.. e pra completar, o VHM me segue no instagram hahahaha Sou fã mesmo!!!

    bjaaoo
    me visita (odeio que peçam, mas acabei de pedir tb) hahaha

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