Abbie Hoffman – Steal This Book

E aí, meus queridos! Antes da gente começar os trabalhos de hoje, uma rápida pesquisa de opinião: o que vocês acham de abrir o espaço aqui para vocês, leitores, resenharem alguns livros ocasionalmente? Afinal, isso aqui é uma brincadeira e, até que se prove o contrário, todo mundo pode brincar. Digam aí o que vocês acham…

Pois muito bem. O livro de hoje é um clássico da literatura (tá na tag), mas não pelo valor literário (e manual tem lá valor literário?), mas pela geração e pelo movimento que ele representou. Sim, chegou a vez de Steal This Book, do lendário Abbie Hoffman! Pra quem não sabe, Abbie era um militante político e um dos criadores do chamado movimento Yippie, que é mais ou menos como o movimento hippie, só que com propensão a fazer paradas radicais, como coquetéis molotovs e envenenamento das fontes de água. A verdade é que ele era loução. Diagnosticado como bipolar, a doença da moda e queridinha das novelas e do mundo da música norte-americana, ele participou ativamente nos protestos e atentados da década de 70, em especial durante a guerra do Vietnã, o Brasil X Itália de 82 lá dos Estados Unidos. Morreu em 89, enchendo a cara de boleta, suicida safado. Antes disso, porém, escreveu este livro, um manual da resistência Yippie.

Steal this book é, basicamente, um guia da malandragem americana — o que, como deve ser fácil de supor, não é nada malandra. Gringo não manja de falcatruas e pequenos golpes. É por isso que o nome da parada não é “jeitinho americano”. O livro é dividido em três partes, após um breve e incrivelmente coeso manifesto, ainda que pouco pé-no-chão.

“Survive!”, a primeira parte, dá dicas de como conseguir dinheiro, móveis, roupas, comidas, transporte e outras coisas de graça, e até como comprar, vender e plantar sua própria maconha (com ilustrações ensinando a enrolar o cigarrinho do capeta e tudo!). Claro que tudo ali é adaptado à realidade estadunidense da década de 70. Então dicas como “ofereça seu corpo para estudos médicos após a sua morte e você receberá 25 dólares após fazerem uma pequena tatuagem no seu dedão do pé” e “pegue carona nesses pontos aqui” hoje em dia não valem de mais nada. Ainda bem, eu acho.

“Fight!”, logo em seguida, ensina técnicas básicas de luta corporal (inclusive o invencível chute no saco), luta com armas brancas, fabricação de todo tipo de bombas e timers, imprensas clandestinas, rádios piratas (com ilustrações), roubo de lojas (a chamada mão leve), primeiros socorros para os amigos que caem e algumas pílulas de direito estadunidense pra você, cabeludo maluco, poder berrar “Eu conheço meus direitos!” quando o sargento Peçanha te meter o big stick. Alguns tópicos descritos nessa parte são ainda válidos para a sociedade de hoje, e inspiraram outros livros semelhantes, como o Anarchist Cookbook, talvez o primeiro e-book de todos os tempos. Fala sério hein, se você tinha acesso a internet com 16 anos, você leu esse livro.

A última parte, intitulada “Liberate!”, é a menor de todas, e seus quatro capítulos, Fuck New York, Fuck Chicago, Fuck Los Angeles e Fuck San Francisco, dão dicas específicas sobre os tópicos de “Survive!” em cada uma dessas cidades, além da programação cultural, os buracos quentes de música e poesia underground. Meio sem graça se você não conhece os Estados Unidos, como eu. E nada é aproveitável hoje em dia. “Tem um poeta chamado fulano de tal nessa esquina”. Vai nessa, amigo, você vai encontrar no mínimo um McDonald’s.

As ilustrações e fotos do livro são um capítulo a parte. Cartuns e quadrinhos do Gilbert Shelton, pai dos Fabulous Furry Freak Brothers, que de repente TODO MUNDO conhece, só porque o cara vai estar na Flip, ora essa (aliás,  e o Lou Reed na Flip, hein? Precedente perigoso pra transformar a bagaça numa espécie de bienal do livro. Zero de literatura); fotos do próprio Abbie Hoffman e sua gangue, simulando algumas de suas dicas; e ilustrações para ensinar algumas das coisas mais complicadas no livro. Não se pode esquecer que ele foi escrito para este povo inteligente que é o norte-americano, em especial, o norte-americano adolescente hippie e drogado até as orelhas. Pensando bem, me admira que o livro tenha letras.

Encomendei esse livro da amiga Manuela que foi visitar os esteites, e já esperava algo meio thrash. Publicação de livro nos Estados Unidos é de chorar mesmo. Pólen Soft? Chamois Fine? Mesmo o horroroso Offset você vai ter dificuldade em encontrar. Lá, amigão, ou é papel de bíblia ou é papel de jornal, você escolhe. Nesse caso, papel jornal, aquele que começa a apresentar manchas após cinco meses na estante e te dá uma rinite gostosa pra ficar espirrando o resto do dia. Uma tal de editora Thunder’s Mouth Press publicou a obra. Aliás, chamar de editora é elogio. Nem a própria Martin Claret teria a sagacidade de fazer algo tão capenga. E impresso no Canadá, ainda por cima. Na certa, uma sweatshop de livros, se é que existe uma. Uma fonte horrorosa que eu não sei qual é e uma capa minimalista que a gente não sabe se é um projeto gráfico elaboradíssimo ou preguicite aguda. Ainda assim, vale pelo registro de ter um livro importante como esse na estante. Acho que aqui no Brasil ele não existe pra vender, então, se quiserem passar os olhos por um, já sabem.

Comentário final: 318 páginas de jornal. O som que faz quando você bate em alguém com ele é “Puf!”.

Philip Roth – A humilhação (The Humbling)

Ia falar hoje de outro livro do Philip Roth (no caso, O complexo de Portnoy), mas acabou que viajei aqui para a terrinha e só sobrou para resenhar o único livro que eu tinha em mãos, que terminei de ler no voo, graças ao meu vexaminoso – e primeiro – no-show e a escala forçada em Congonhas: A humilhação, do estadunidense Philip Roth.

Preciso admitir que a crítica, quando a gente liga pro que o crítico pensa, pesa sim sobre nosso julgamento final da obra, principalmente quando o comentário não é bom. Pois bem, tinha lido no blog do Irinêo (esse sim é um blog sério e compromissado) que a Humilhação é um livro, vamos dizer assim, tosco. Quem quiser leia lá o post do ano passado, quando ele leu o livro ainda em inglês, mas o caso é que eu fui ler esperando pior. E a verdade é que, por manter a expectativa baixa, o livro até me surpreendeu positivamente. A história é excelente, e isso por si só é algo grandioso nos dias de hoje, com suas punhetas literárias, poetas marginais e escritores wanna-bes que acham que literatura é só juntar um monte de palavra bonita. Entretanto, como assassinato em cadeia que nunca tem um só autor, dou aqui também minha apunhalada na obra, que, já adianto, vai causar faniquito nos guardiães do velhaco: A humilhação é um livro meio mal escrito (ooooohh!!). Explico o porquê.

Tenho a opinião meio fixa que tá difícil de ser mudada, que é a de que literatura de língua inglesa é naturalmente sem estilo. Não é culpa deles. O inglês é uma língua feia, é o McDonalds dos idiomas: rápida, com poucas opções de construções, falta de formas verbais que facilitam a vida, enfim, falta muita coisa que torna a profissão de escritor de língua inglesa um trabalho ingrato pra cacete. Por isso, tirando Shakespeare e outros ministros da boa escrita inglesa, o grosso da literatura nesse idioma baseia-se principalmente no poder da narrativa e nas análises psicológicas, descritivas, etc. Chega de falar bonito.

Até então, os livros que eu tinha lido do Philip Roth (parente do novo técnico do Vasco) eram primores nesse tipo de literatura que fez a reputação dos livros em inglês. Mas esse não. Muita vontade de analisar tudo. O sujeito leva a namorada pra cortar o cabelo, acha ela muito frágil ali e começa a questionar a independência dela; Depois fica analisando o que a moça tá fazendo com um cacetão de plástico que viado põe no cu e questiona sua fraqueza. Ou seja: forçassão de barra até não poder mais. Isso fica muito mais evidente em um livro curtinho como esse. A vontade louca de colocar importância em todo acontecimento da história tira dela qualquer carga dramática que quer se mostrar autêntica. Afinal, assim como toda música é feita de pausas, toda história necessita de suas lacunas, para serem preenchidas por nós, os leitores. Se eu quisesse ler tudo mastigado eu lia, sei lá, Danielle Steel. Eu disse que ia parar de falar bonito, né?

Mas a história, como eu disse, é muito boa. Um ator velhaco que tenta se matar por não conseguir mais representar se mete num relacionamento meio doentio com uma quarentona lésbica, com quem ele gasta dinheiro como se não houvesse o amanhã. Os pais da moça, outros velhacos, desaprovam o namoro por serem velhos (sic) conhecidos. A explanação sobre a dor da velhice em Roth é cruel, acachapante, fodástica e não recomendada para quem tem essa preocupação em mente. Aliás, Philip Roth não veio a esse mundo pra deixar ninguém feliz, e ponto. O sujeito gosta de uma tristeza, e ai de quem estiver feliz aí com a sua “melhor idade”.

De qualquer jeito, o conteúdo do livro, analisado bem grosseiramente, é uma variação do mesmo tema encontrado em outros livros seus, como A marca humana e O animal agonizante. Gente que se fode tentando passar por cima das próprias impotências e esquisitices pra se dar bem com a galerinha. Pensem em um cara rancoroso.

O projeto gráfico desse livro é o pitéu que é a coleção do autor. Dispensaria o roxo que tem na capa, mas é uma escolha do artista, e nisso ninguém pode meter o bedelho (aimeudeusdocéunummexenasminhascoisasmininu). No mais, tudo padronizado: logo do autor, fonte Electra, papel pólen de alta gramatura (pro livro parecer maior do que é), etc. Uma coisa curiosa desse livro é que ele tem capítulos! Gente, há quanto tempo vocês não viam um livro do Philip Roth dividido em capítulos? Isso, e mais a economia de papel que ele tá fazendo na própria literatura, só mostra o quanto ele tem uma certa razão em reclamar de ser velho. Bem que ele queria mais viço pra produzir os tijolões de outrora, mas ei, cara, não esquenta, os livros ainda estão bons. Ainda.

Só mais uma coisa: O título original em inglês é The Humbling, e tá traduzido certo, tudo bem. Mas Humbling tá escrito com letra maiúscula, pelo menos na ficha técnica do livro. Alguma intenção do autor nessa escolha de caixa alta que a editora não respeitou ou tá tranquilo?

E um ps: Essa semana o livrada completa 2 meses. Não prometo, mas vou tentar fazer uma resenha no dia 8 em comemoração.

Comentário final: 101 páginas em pólen. Pra bater é que não serve.

Philip Roth – A Marca Humana (The Human Stain)

Conheci Philip Roth por indicação do Irinêo, lá do caderno G (dentre as várias indicações que peguei por lá), e assim que li o primeiro livro do sujeito — no caso, o Animal Agonizante — voei em cima de outros títulos o suficiente para acumular suas obras em uma estantezinha. Hoje Philip Roth está entre meus autores favoritos FÁCIL, amigo (atrás, é claro, do all-mighty Coetzee). E a Marca Humana, embora não tenha sido uma de minhas primeiras leituras do autor (foi o quarto livro dele que eu li), é a obra que mais me chamou a atenção pela orelha.

Trata-se da história de Coleman Silk, um professor sexagenário que, após uma longa vida dedicada à universidade, se vê em desgraça por causa de um mal entendido. É acusado de racismo por chamar dois alunos de spooks (assombração ou, sei lá, algo ofensivo como crioulo), sem saber que eles eram negros. Só falou isso porque os dois nunca apareciam nas suas aulas, mas estavam na lista de chamada, como assombrações (vai lá entender humor de professor universitário). Aí todo mundo cai de pau em cima dele e o sujeito é afastado de seu cargo. Todo tristonho e sem ter o que fazer, o professor começa a comer a faxineira da universidade, que é uma mulher que se finge de analfabeta pra ganhar a pena das pessoas e tem um casamento conturbadíssimo com um veterano da guerra do Vietnã todo sequelado. A história é contada em parte por Nathan Zuckerman, personagem de outros livros de Roth, como o Fantasma Sai de Cena (só consigo me lembrar desse agora).

O livro é grande como eram os livros de Philip Roth quando ele tinha vigor. Hoje em dia só publica livrinho de cento e poucas páginas. A Marca Humana faz parte de uma trilogia que compõe Pastoral Americana e Casei com um Comunista, e até agora, foi o único a virar filme (parece queestão fazendo um filme de Pastoral também). Só que o filme é uma merda completa, a começar pelo elenco. Quem iria botar fé que a Nicole Kidman seria uma faxineira analfabeta? Sei lá, eu vi o filme lá pelos meus doze anos, mas defendo que meu juízo naquela época era bom também. Veja só: eu assisti City Hall com 6 anos e achei uma bosta. Assisti de novo com 20 e também achei uma bosta. Em compensação, assisti Darkman com 5 anos e achei o máximo. Assisti de novo com 22 e achei demais também. Então, tudo bem né? Eu tenho meus critérios…

O livro em si tem uns pontos que não tem pegada, e o ritmo se quebra. O uso da narrativa não-linear, entretanto, deixa o livro bem interessante e a história do passado do professor Silk é foda. Mas, o mais foda do livro, na minha modesta opinião, é a neurose de Lester, o marido da faxineira, que se esforça para não odiar os vietnamitas, indo a um restaurante de comida oriental com um grupo de apoio e tudo mais. Vale muito a pena ler essas cenas.

A edição da Companhia das Letras para esse livro é um pitéu, cara. Tudo que um autor gostaria de ter, eu acho. Se eu fosse escritor, queria umas edições bonitas assim nos meus livros, com logo de assinatura e o caralho a quatro. Papel pólen soft, fonte Electra e capa com fosco e brilhante para fazer efeito. Quer mais o quê?

Eu sei, a resenha de hoje não é das melhores. Embora goste muito dele, não estou muito inspirado para escrever hoje. Hum, leia a anterior, tá bem legal…

Comentário Final: 454 páginas aaaah, hoje é sexta feira!!!

John Fante – 1933 foi um ano ruim (1933 was a bad year)

Nada melhor para terminar a tal da semaninha light com um livro RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRASO. Eu poderia colocar um livro beatnik, mas seria óbvio demais. Poderia colocar Pergunte ao Pó, de John Fante, mas também seria muito óbvio. Então, por que não pegar um lado B desse autor que foi o precursor dos beats (segundo o papa-beat Charles Bukowski) e que, ao mesmo, do meu ponto de vista, resume toda sua obra como nenhum outro livro seria capaz de fazê-lo. Sim, porque John Fante sabe escrever sobre uma coisa só: ele mesmo e sua família de italianos pobres.

1933 foi um ano ruim é uma dessas histórias tristes e que, assim como a sua quadrilogia (da qual Pergunte ao Pó é a terceira parte), trata das frustrações de um jovem chamado Dominic Molise, de 17 anos, que tem um sonho apenas: ser um grande jogador de baseball. Talento não lhe falta. Tem um daqueles braços campeões, que no livro, é inclusive um personagem a parte — volta e meia Dominic descreve os comportamentos autônomos de seu Braço (assim, chamado com letra maiúscula).

(Aliás, um parêntese: eu particularmente odeio esses filmes americanos de baseball em que o menino taca uma bola forte e o treinador fala “Santa Maria mãe de Deus, olha só o braço daquele garoto! Ei, filho, o que acha de jogar na liga?” “Não vou te decepcionar, treinador” brrrrrrr)

Como eu dizia, Dominic trata seu braço melhor do que trataria a um filho. O mantém aquecido com um unguento e atende aos anseios do membro (peraí que é o braço mesmo) mais rapidamente que os seus próprios. Mas Dominic é pobre, filho de imigrantes italianos paupérrimos que moram no gélido estado do Colorado. E por isso, precisa ajudar o pai, cujo maior patrimônio é uma betoneira. A saga de Dominic, que tenta escapar de sua rotina massacrante para ir para a Califórnia tentar ser alguém é dolorosa e bate fundo no peito. Qualquer frustração dessas de abrir mão dos próprios sonhos descrita num livro, de Anne Frank a Holden Caulfield, arrebanha multidões de leitores que sofrem junto (nunca vi esse povo, hein?). E Fante sacou isso antes de todo mundo, porque explorou essa mesma dor em quase todos os seus livros. Acho difícil alguém ler o livro e não chegar à última página com um aperto no peito. Final dramático, sem essas palhaçadas de beatnik de terminar o livro com frases esdrúxulas como “fumei o cigarro e olhei o mar”. Final tem que ser final mesmo, porra!

Muito embora já tenha passado da idade de ler literatura beat, guardo muitas boas recordações desse livro, pelo qual tenho um carinho. Inclusive o indico pra qualquer Zé Mané que insiste nessa literatura pobre de ideias e estilo. Aliás, acabei de incorrer no erro de chamar John Fante de beat. Tudo bem mesmo, afinal, não fossem os beats para divulgar sua literatura, Fante passaria despercebido aos olhos dessa garotada que só gosta de música, sendo ele um beat honorário, como um tiozão que joga bola com a molecada. Mas reconheço que sua obra, além de curta, é repetitiva. A foto também é repetitiva. Não aguento mais aquela foto horrorosa que tem ele de lado com o cabelo meio despenteado, por isso peguei uma foto bem escrota dele com um cachorro pra mostrar que qualquer coisa é melhor do que aquilo. Sério, que imbecil tira uma foto naquele ângulo? No mínimo, um anão incompetente com a câmera.

A edição do livro que eu li é aquela pocket da editora L&PM (que, segundo o Chico, são de alguns parentes distantes dele. Tô acreditando, hein, Chico?), que é o formato favorito para publicar beatniks (olhaí, falei de novo). E, convenhamos, a intenção de uma editora pocket não é fazer algo muito produzido. É, antes de tudo, divulgar o conteúdo. E por isso a capa do livro tem uma diagramação péssima, uma foto escrotérrima (provavelmente tirada pelo mesmo anão incompetente), e inclusive, propaganda de outros livros da editora no final. Se liguem, porra, ninguém de respeito faz mais isso desde 1980! E no começo, na parte de leituras afins, adivinha: só dá Bukowski e Jack Kerouac. O tiozão tá mesmo enturmado com a garotada. Não bastasse, papel offset pra tirar a gente do sério. Sorte da editora que eu não era o fresco que eu sou hoje pra livro na época que eu li 1933. Eu, seguindo o nome, realmente guardava o livro no bolso das minhas calças de mano. É, sorte deles.

Comentário Final: 135 páginas offset formato de bolso. Xi, marquim…

Edward Bunker – Educação de um bandido (Education of a felon)

Uau, essa semana o Livrada! está extremamente light com os livros escolhidos. Muitos policiais, leituras fáceis, quadrinhos, literatura jovem, tudo muito bom, tudo muito bem. Semana que vem vou ter que fazer um intensivo de literatura de culhão pra ver se balanceio. Mas, enquanto ainda é sexta feira e o mês ainda não acabou, vamos falar de uma das obras mais cativantes que já li dentro do gênero de autobiografias: Educação de um bandido, de Edward Bunker. Sim, o próprio, o Mr. Blue de Cães de Aluguel. Seu papel mais famoso no cinema, quem diria, foram cinco minutos em uma abertura. Talvez por se tratar de Quentin Tarantino, ou talvez por ser um filme com poucos atores, mas o fato é que, fora Resevoir Dogs, Bunker já incorporou atores inúteis em várias outras películas.

Mas, para quem não sabe, Edward Bunker passou dezoito anos de sua vida encarcerado, e não só isso: entrou para o Guiness (não entrou? Pois deveria ter entrado) como o prisioneiro mais jovem a ser enviado a San Quentin, a prisão de segurança máxima mais famosa dos Estados Unidos — tinha dezessete anos. Uma juventude rebelde, um vício em heroína que foi uma verdadeira praga na sua vida, muitas surras de colegas de cela: esses são os elementos de sua narrativa. Quando saiu de lá e começou a se dedicar ao cinema — graças a ajuda de uma certa família influente — lançou-se também como escritor de romances, embora já obtivesse algum prestígio com os livros que escrevera no xilindró. Interessante notar como seus livros não são tão emocionantes como sua autobiografia — O romance O Menino (Little boy blue) é extremamente parecido com a infância de Bunker, sendo Educação de bandido algo similar a um compêndio das aventuras narradas como ficção por ele.

Vai saber se tudo o que ele diz em Educação de um bandido é verdade ou não. Melhor acreditar que sim. Dois indícios, porém, advogam a favor de sua honestidade: o primeiro é que ele de fato ficou preso um tempão, isso não há como negar. E para ficar preso por muito tempo nos Estados Unidos, você sabe, é preciso fazer merdinhas. O segundo indício é que ele tinha a cara toda retalhada quando saiu da prisão, ponto positivo para as histórias em que ele conta que apanha pra caralho só pra depois levantar e tentar dar o troco. Isso é algo meio incrível em suas histórias, a capacidade que o bicho tem pra aguentar porrada.

Outros pontos interessantes valem ser ressaltados em seu livro. Por exemplo: a fatalidade com que trata a vida bandida. Para Bunker, que foi bandido de verdade e ganhou a vida principalmente roubando jóias e falsificando cheques e cartões de crédito, a vida do crime é praticamente um caminho sem volta. Tirando a sorte que ele deu (e seu amigo, o ator Dany Trejo, que conheceu em Folsom), o sujeito que rouba e mata está fadado a morrer fazendo isso. Principalmente porque, segundo ponto, os bandidos sempre dão um jeito de chamar os outros bandidos de volta para a vida do crime. Também é interessante notar sua dificuldade para deixar o vício da heroína, uma droga que, de tão famosa por sua exposição em clássicos do cinema como Trainspotting, tem hoje alguns poucos adeptos. E por último, observar o gosto de Bunker pelos livros, ainda na prisão. Ler cinco livros por semana é uma proeza que já consegui durante uns dois meses na minha vida e que hoje em dia só é possível mesmo com uma vida de presidiário.

O livro foi editado aqui pela editora Barracuda, uma editora um tanto modesta (tem um catálogo de apenas três páginas em seu site), mas com alguns títulos supimpas que vale a pena conferir. A coleção de Bunker está quase completa (faltando talvez seu último livro Stark), e é sensacional em suas capas. Só faço minhas queixas em relação à falta de orelhas de seus livros, que, se não cuidar, detonam muito fácil. Educação de um bandido é o único livro de Bunker com orelhas, mas veja isso: em compensação, condensaram sua história em uma fonte minúscula! Quase precisa-se de lupa para ler. E poxa, publicar livro em fonte Helvetica até dá se você não tem um tostão no bolso, mas é dose! Bom, podia ser pior, podiam publicar em Times… O livro não tem muita margem e é um blocão de letrinhas miúdas, mas tem um cabeço charmoso junto à paginação. A foto da capa também é sensacional, a única que destoa do resto da coleção. E o melhor: mugshots de Bunker ao começo e ao final do livro (primeiro bem jovem e depois, velho detonado). Ainda assim, palmas para a editora Barracuda que publicou esse livro bacanérrimo. E palmas para mim que cheguei ao fim do mês com vinte posts diários (começou dia 8 e, como cristão, respeitamos os domingos). Que venha maio!

Comentário final: 381 páginas de papel pólen soft 80g/m². O que nós não daríamos por um pouco mais de gramatura, hein?

Art Spiegelman – Maus

Eu duvido que tenha algum literato conservador que visite esse blog (pelo menos periodicamente) e vá se ofender agora por tratarmos de uma graphic novel (que é uma forma fresca de chamar gibi. Como chamar roceiro de camponês e morro de colina) ao invés de um livro propriamente dito, feito de nada mais que palavras e prepotência. Em defesa da obra, é preciso dizer que Maus não é uma graphic novel qualquer. É um dos poucos (não é o único, né?) quadrinhos que venceu o exaltado — pelas pessoas, o prêmio em si é tranqüilo —prêmio Pulitzer, dado a escritores que ficam felizes e jornalistas que tendem a morrer logo depois por explosão do ego. E o pior, ganhou um Pulitzer especial (que aqui pode ter os dois sentidos de “especial”), pois não sabiam se o premiavam como ficção ou biografia. O que é uma dúvida muito da imbecil, pois tá na cara que Maus é pura biografia.

O quadrinista Art Spiegelman desfiou por páginas e mais páginas a história de seu pai judeu nos campos de concentração durante a segunda guerra mundial. Ele faz isso narrando também suas visitas ao pai, de nome Vladek, para entrevistá-lo. No livro, os personagens tem feições animalescas para apontar cada nacionalidade: judeus são ratos, alemães são gatos, poloneses são porcos, estadunidense são cães, et cætera. Essa característica marcante do livro se baseou nas propagandas nazistas que tratavam os judeus como ratos. Maus foi publicado inicialmente em 1986, aos pouquinhos,  numa revista mutcho loka que o Art Spiegelman editava, e depois foi lançada em dois volumes, apenas para depois ser compilada e chegar às nossas mãos brasileiras (porra, como eu odeio quem fala “tupiniquim”). A edição da Cia. Das Letras — selo da Companhia das Letras destinado ao público infanto-juvenil — foi lançada em 2005, apenas, ou seja, demoraram exatos dezenove anos até que uma edição nacional do livro surgisse. E tudo bem, já que Breakdowns apareceu só em 2009, não vamos reclamar, dezenove anos não está muito atrasado. Ah, o Pulitzer em questão foi ganho em 1992.

Bom, tirando os nazistas, os poloneses (que não curtiram muito serem palmeirenses no livro), meio mundo que não gosta de judeu e aqueles malucos que acreditam que o holocausto nunca existiu, quero ver alguém ler esse livro e não gostar, não se emocionar. Maus é sensacional! E acho que o mais legal do livro é o clima kafkiano com que Vladek e sua esposa Anja são conduzidos de maneira tranquila rumo ao surrealismo de Auschwitz. É como assistir ao Nó na Garganta, do Neil Jordan: de repente só tem absurdo na história e você não consegue definir onde foi que as coisas começaram a ficar daquele jeito. Por meio de Anja, mãe de Spiegelman, e de seu suicídio o autor consegue dar ao público o impacto do holocausto ao longo das gerações das famílias judias. O livro também contém (em uma versão ridiculamente reduzida) a história Prisioneiro do Planeta Inferno, sobre a ocasião do suicídio de Anja. Essa graphic novel foi publicada primeiro em uma revistinha qualquer, mas ficou famosa em seu livrão Breakdowns, e é visualmente muito bonita por tentar transpor para os quadrinhos algumas formas e ângulos do expressionismo alemão. Por isso garanto que vale mais a pena conhecê-la em seu tamanho original. De qualquer jeito, Maus é um livro que é preciso ter em casa, então por favor, trate de providenciar.

E claro, o livro tem seu lado engraçado. No caso, a persona caricata de Vladek, o típico judeu pão duro e preconceituoso, que briga no supermercado para devolver meio pacote de sucrilhos já aberto, e acusa sua namorada de estar com ele pelo dinheiro. Com isso acho que Spiegelman provou que não se meteu nessa para fugir da realidade. E não é isso que todo mundo espera?

Comentário final: 296 pesadas páginas de offset. Como diz a música, bate feio maionese.

J.D. Salinger – O Apanhador no Campo de Centeio (The Catcher in the Rye)

Faça aí uma rápida pesquisa, seja no google, seja entre seus amigos. Você vai descobrir que muita, mas muita gente, tem uma opinião formada sobre esse livro. E a razão pela qual isso acontece é que, para muita gente, esse foi o único livro confessável já lido. Ninguém vai sair por aí falando abertamente que leu “Melancia” de Marian Keys ou “A Profecia Celestina”, de James Redfield porque é vergonhoso demais (se não é pra você, melhor rever seus conceitos). Mas O Apanhador no Campo de Centeio, esse sim todo mundo leu e bate no peito pra falar que leu. Se você tem mais de dezoito anos e ainda não leu esse livro, vou dizer que já passou da idade e talvez seja tão legal quanto assistir ao Rei Leão aos quarenta e três anos. O troço vai perder o sentido pra você. Por isso, corra e integre a massa que elevou essa obra à categoria de long-seller (é como alguns editores chamam os best-sellers clássicos).

O Apanhador no Campo de Centeio é um desses livros que criam uma ligação direta com o seu íntimo quando você está na adolescência. Em um primeiro momento isso é legal, porque você percebe que mais alguém te entende (e quando você é adolescente ninguém te entende, né?). Mas depois você percebe que todo mundo se identifica com o livro e que você, ao contrário do que você pensava, não era tão diferente assim de todo mundo. O livro conta a história de Holden Caulfield, um menino que deveria estar voltando para casa, pois foi expulso de seu colégio, mas resolve fugir. Nessa viagem acaba descobrindo coisas sobre si próprio e sobre a vida adulta. Nada de muito glamoroso nem sofitsticado. A palavra que melhor define o Apanhador é: singeleza.

Com uma história simples e um personagem cativante, o recém-defundo J.D. Salinger cativa leitores desde 1951 com sua principal obra. Acho que ele ficou tão feliz de ter feito algo assim que nunca mais escreveu nada que preste, e ainda assim manteve a admiração de seus fãs com outros livros, como Franny & Zooey e Nove Histórias,  mais fáceis de serem achados aqui no Brasil. “Que injustiça!”, os fãs dos outros dois títulos poderiam pensar, mas olha, é o efeito Kill Bill, não é? Quem gosta de Cães de Aluguel e Pulp Fiction não se importa.

Agora vamos combinar que, por mais unanimidade que seja, a edição brasileira é pra sentar e chorar. Primeiro que o preço simplesmente não condiz com o projeto gráfico. Uma tal de Editora do Autor, da qual nunca vi mais nenhum livro que não fosse os do Salinger. Um formato estranho de livro (quase quadrado), página offset e o pior: orelhas nas quais não há absolutamente nada escrito. Tava na hora de alguma editora catilogente comprar os direitos desse livro e fazer uma edição bacana. Depois, a própria Editora do Autor “repaginou” a edição, fazendo o quê? Deixando a capa do livro fosca. Uau, agora sim esse livro vale quarenta e cinco reais!

Esse foi um dos primeiros livros que eu comprei, e não me arrependo. A leitura foi importante e eu e o Chico até chegamos a filmar um curta experimental à la Glauber Rocha chamado O Apagador no Campo de Centeio, onde tinha um grampeador que fazia o papel de apagador, uma horta de cebolinhas que fazia o papel de campo de centeio e o próprio Chico que fazia o apanhador do apagador no campo de centeio. Pena que não foi pra frente.

Comentário final: 207 páginas offset quadradonas. É como ser atropelado por um fusca: pode não machucar tanto, mas a humilhação de ser atingido por tal porcaria…