Georges Simenon – Pietr, o Letão (Pietr-le-letton)

pietrA categoria número 1 do Desafio Livrada! 2015 é um romance policial. Já falei aqui em algumas ocasiões a minha opinião sobre romances policiais: pega um autor que você gosta e lê tudo, porque é mais fácil encontrar variação dentro de livros do mesmo escritor do que entre escritores diferentes, e isso porque a fórmula da literatura policial é uma… veja, uma fórmula. É claro que se você escolher Simenon pra ser esse seu autor policial de estimação você vai ter bastante coisa pra ler, porque o sujeito escreveu, sei lá, uns cem livros. Mas tudo começa de algum lugar, e a carreira do Comissário Maigret, personagem central de grande parte de suas obras começa com Pietr, o Letão. E aqui cabem os dois avisos: tem spoiler e não gostei desse livro.

O mote e a abertura começam desprovidas de qualquer glamour, pra uma primeira história e para apresentar um novo personagem. Maigret recebe um telegrama de que um tal de Pietr o Letão está fugindo de trem e passando por vários países. O policial puxa a ficha do cara e aqui começamos a ver os traços de personalidade que o distinguiriam: nada muito brilhante a não ser a capacidade ímpar de conseguir distinguir qualquer meliante por meio da orelha. Veja bem aqui uma coisa. Existem três tipos clássicos de detetives de histórias de detetives: os sagazes, tipo o delegado Espinosa do Luiz Alfredo Garcia Roza e, tipo ideal, Sherlock Holmes, que saca tudo o que é para ser sacado sobre a vida de um meliante só de olhar pra ele; os derrotados, que são uns bêbados e falidos que tão nessa de desvendar crimes porque não prestam pra muita coisa, e aqui temos alguns personagens do Rubem Foseca e da tradição noir, e as aberrações, que são pessoas que nunca julgaríamos ser capaz de serem protagonistas de livros de detetives. Os casos mais clássicos são os personagens da Agatha Christie, Hercule Poirot, que é um sujeitinho meio patético com uma cabeça de ovo, bigode fininho e um nome escroto (traduz-se Hércules Alho-Poró) e Miss Marple, que é só uma velhinha que mal sai de casa. O detetive Monk, do seriado de TV, também se encaixaria aqui. Agora, veja que Maigret, apesar de conhecer uma orelhinha como ninguém, não se encaixa em nenhuma dessas categorias. É um sujeito mediano, mas competente o bastante para não ser um derrotado. Seu sucesso se encontra em seu autoritarismo, gritando “polícia!” para que soltem a língua ou lhe abram as portas. Nada de muito cativante, portanto. Sai esse picolé de chuchu a caça desse tal de Pietr o Letão, que o narrador simenontrata de explicar aos poucos quem é: um cabeça de uma quadrilha de agiotas que tem como principal colaborador na questão da bufunfa e da lavagem de dinheiro um milionário americano chamado Mortimer-Levingston, que tem uma mulher gatíssima e igualmente maluca e capangas dispostos a apagar vestígios de suas atividades da maneira mais drástica possível.

É engraçado de ver como a coisa se arrasta por 160 páginas por dois impeditivos do pragmatismo policial na história: o fato de Maigret ser francês e sofisticado o impede de chegar chutando a porta, meter a algema e largar o prego em geral. Fica aquela lenga-lenga jamesbondiana em que os antípodas se encontram pra conversar e não sai muita coisa disso. E mesmo quando se descobre a verdade sobre Pietr, o Letão, esse personagem até poderia ser interessante em outra história e em outras circunstâncias, a coisa não melhora muito.

Mas, ainda que o romance falhe miseravelmente em prender a minha atenção (e olha que já li coisa bem chata nessa vida), estruturalmente todos os elementos de um bom policial estão lá: um protagonista, um antagonista, um ajudante, um capanga, uma femme fatale, as pistas, os interrogatórios com pessoas aleatórias, as perseguições, o contra-ataque, o primeiro encontro, o cair da cortina, o segundo encontro, a dissolução, etc. Tudo lá. Talvez na época que Simenon escreveu essas páginas essa parada não fosse tão manjada e acabe rolando um efeito Cidadão Kane na gente. Mas não sei, fato é que o livro não me despertou tanta a atenção quanto deveria.

A Companhia das Letras é quem está republicando a obra de Simenon e os outros livros do Comissário Maigret. São vários e são fininhos, eles vem sem orelha e numa página de gramatura bem leve, então são até mais baratos do que a maioria dos livros da editora. Legal pra montar uma coleçãozinha, mas não pra mim. Só vou ler outro livro desse cara em um futuro distante, quando alguém me recomendar um e disser: “tem que ler esse aqui, cara, porque esse aqui é que é a parada pra valer”. Por enquanto, de volta à programação normal.

Comentário final: 168 páginas. Puliça!