Ashley Kahn – Kind of Blue: a história da obra prima de Miles Davis (Kind of Blue: The Making of the Miles Davis Masterpiece)


Kind of BlueBom dia, todo mundo. Domingo glorioso esse, minha gente. Ganhei um irmãozinho na sexta feira, ele chama Theo e é cheio de personalidade. Vamos deixar esse post em homenagem a ele, e a internet há de preservá-lo para quando o garotão souber ler, saber o que o irmão com idade de tio escreveu quando ele era ainda um pequeno pacote de gente. Sem mais babações, vamos aos trabalhos.

Escolhi o livro de hoje oportunamente para pedir uma ajuda de vocês: rapazotes e raparigas (no bom sentido), vocês tem algum disco bom de jazz para me indicar que eu ainda não tenha escutado? Algo levinho, instrumental, matematicamente bem feito? Gosto muito do Bill Evans, mas já estou meio de saco cheio de ouvir todos os discos dele. Então sugiram aí, mas excluam as obviedades tipo Giant Steps, a Love Supreme, Sugar, Double Rainbow, Amsterdam After Dark, Ascenseur pour L’Echafaud, Kind of Blue, etc.

Falando em Kind of Blue, nosso livro de hoje é, aliás, um livraço sobre música. Geralmente passo longe desse gênero de livro, porque a quantidade de música que a mídia joga na nossa cabeça é tanta, que gosto de fazer da literatura um hobby silencioso, sem Meteoros da Paixão e Garotas Radicais. Biografia de guitarrista? Passei. Trajetória do grunge? Tô fora. O rock dos anos 80 em imagens? Vai catar coquinho. Autobiografia da Lady Gaga? Livrada na sua fuça! Chega de tanta música. Vamos desligar o ipod e ler um livro sobre outras coisas, né?

Mas hoje não. Hoje, escolhi o maravilhoso livro do Ashley Kahn (não me lembro direito das aulinhas de ingês da Tia Regina, mas Ashley não é nome de menina?), Kind of Blue: a história da obra-prima de Miles Davis, pelos seguintes motivos: 1- esse disco é uma das poucas unanimidades desse mundo entre as pessoas que entendem alguma patavina de música. 2- esse livro mistura reportagem e ensaio, ponto pra ele, minha gente. 3- Como já dizia o Capitão Nascimento, quem manda aqui sou eu. Então, vamos a ele.

Kind of Blue: a história blábláblá, ô título grande da gota!, é uma pérola para os amantes de um bom vinho e um bom jazz que leem Kant no banheiro e cantam as gatinhas na balada falando “oi, você vem sempre aqui nesse antro pequeno-burguês?”. Mentira, é um livro bom pra todo mundo, mas nos últimos anos o Jazz ficou estigmatizado como gênero de música que as pessoas mais fingem que gostam do que propriamente ouvem, ou seja, som de poser chatão que quer pagar de inteligente ouvindo um gênero que nasceu com a bugrada afro-descendente socialmente marginalizada dos Estados Unidos. Então, falar de Jazz ficou uma coisa perigosa, você pode acabar sendo tomado por um desses homens-bouquet (como bem definiu Xico-Sá em seu maravilhoso livro Chabadabadá).

E é assim, crianças, que vocês enrolam um texto por cinco parágrafos. Aprenderam? Agora é sério gente, o livro é um apanhado breve do jazz na época de Miles Davis, e o que foi importante na sua carreira, e no modo como se fazia e consumia o gênero musical na época para a criação de Kind of Blue, o álbum com as cinco musiquinhas mais espertas que você conhece. A partir daí, o autor conta os bastidores da gravação e da formação e analisa textualmente cada faixa do disco, umas das melhores descrições de músicas que eu já vi.

Ashley KahnO primeiro ponto alto do livro é esse apanhado histórico da época de Miles. O disco foi lançado em 1959, dois anos depois do cláááássico Time Out, do Dave Brubeck e seus miquinhos amestrados, e até hoje se discute qual dos dois foi mais impactante e influente na época. Se bem que é uma discussão meio vazia, tipo saber se foi o Greedo ou o Han Solo quem deu o primeiro tiro naquele boteco de Guerra nas Estrelas. Mesmo assim, o que se sabe é que o Jazz nunca mais foi o mesmo depois dessa época de ouro, e Kind of Blue representou bem isso. Se você não sabe, sente só a escrete que gravou: Miles no trompete, Cannonball Adderley no sax alto, vovô John Coltrane no sax de macho, Wynton Kelly no piano, o master of puppets Bill Evans no piano e na competência, Paul fuckin’ Chambers no baixolão e Jimmy Cobb na bateria. Convenhamos que, com essa galera, não podíamos esperar outro resultado. Claro que isso aconteceu por certas características da personalidade de Miles e outras confluências dos astros. Esse excesso de estrelas juntas, no geral, e principalmente no Brasil, e mais especificamente, no futebol do Brasil, só dá cagada. Fossem todos nascidos no país tropical e sairiam do estúdio com algo parecido com o “vou te pegar (tchá tchá) essa é a galera do avião”.

O segundo ponto importante é essa descrição das músicas que Kahn faz tão bem. Não só serve para fazer aí um transporte de suporte de linguagens, uma sinestesia cabulosa, quanto também para mostrar para os leigos em notação musical e bichos cabeludos semelhantes o quão bem pensadas são essas faixas que gente tapada diz que “é feito na hora”. A genialidade, senhores, pura e descrita em palavras.

Por fim, e é sempre importante dizer, vale o registro. Um disco dessa magnitude não poderia passar sem pelo menos, uma dúzia de livros. Ora, vamos combinar que não faltaram nessa vida livros sobre os Beatles, Jimmy Hendrix e outros sujeitos badalados de um tempo que não volta mais, então por que seria diferente com Miles Davis? Não seria, né? E a literatura sobre jazz é mais vasta do que supomos, o problema é que não chega muita coisa traduzida por aqui. Então, valorizemos e devoremos os livros bons de repórteres competentes que aparecem por aqui.

E o que falar desse projeto da editora Barracuda? É simplesmente sensacional, minha gente. Sim, tem papel offset, sim, a página é meio poluída, sim, é tudo cheio de letras, mas é um livro muito bonito! Essa capa sensacional, as fotos da época no miolo (e são muitas), o cabeço elegantinho, as legendas nas colunas de respiro, é um belo formato para um livro de música. Ah, e o prefácio quem escreve é o Jimmy Cobb, o baterista e o único integrante ainda vivo dessa galera (viram que maneiro é não usar drogas, crianças? Vocês acabam escrevendo um prefácio sobre seus amigos mortos mais famosos que vocês!), que, vá lá, não diz muita coisa, mas, mete aí de novo, vale o registro. E até a próxima!

Comentário final: 254 páginas offset. Em homenagem ao irmãozinho, não vamos bater em ninguém com esse livro hoje!

15 Respostas para “Ashley Kahn – Kind of Blue: a história da obra prima de Miles Davis (Kind of Blue: The Making of the Miles Davis Masterpiece)

  1. Parabéns pelo irmãozinho, Yuri! 😀
    Infelizmente, eu faço parte da população que mais diz que gosta de jazz do que propriamente ouve jazz. Eu gosto de ouvir, mas não entendo nada sobre, o que é uma pena.
    Beijo!

    • Valeu, Cami!
      Não precisa entender muito, mas também não vale falar que gosta se não gosta, né? 😛 Um dia vou fazer um “Jazz para principiantes” e uma lista de discos pra você.
      Beijo!

  2. Pingback: Tweets that mention Ashley Kahn – Kind of Blue: a história da obra prima de Miles Davis (Kind of Blue: The Making of the Miles Davis Masterpiece) « Livrada! -- Topsy.com

  3. Eu gosto de jazz, gosto do Time Out, da Ella e da Billie.
    Vou confessar: não tenho muita paciência pra livros sobre música, prefiro ouví-la. Mas confio em todas as suas dicas.

    Beijos 🙂

    • Oi querida, eu gosto da Billie Holiday, mas tenho muito pouco saco pra Ella Fitzgerald, você sabe 🙂
      Que bom que confia nas minhas dicas! Beijo

  4. Parabéns, mais uma vez, pelo irmãozinho, meu velho! O livro me interessou muito, ainda mais a parte sobre as notações e digressões musicais. E já que é para sugerir algo, fico com Horace Silver, é um cara que gosto muito.
    Grande abraço.

    • Valeu, Lucas! Realmente é um livro muito interessante, vale a pena ler.
      Ah, Horace Silver, realmente, podia ouvir mais esse cara. Tenho um disco dele em casa, uma coletânea, não é das melhores: ele é muito óbvio em algumas músicas, mas desconfio que isso seja só pela péssima qualidade do acervo selecionado.
      Abraço!

  5. esse livro é um dos que estão na minha lista, que só cresce. acho que você vai gostar do livro do Hobsbawm, “História Social do Jazz”.
    no mais, parabéns pelo irmãozinho e boa semana!
    abraço

    • Grande amigo Capiroba!
      A história social do Jazz também está na minha lista, que cresce vertiginosamente também. Vamos todos pirar na batatinha desse jeito. Queria ler aquele que o Poletto te emprestou daquela vez, sobre música, acho que era do Wisnik… enfim, vamos que vamos!
      Valeu pelos parabéns, e uma boa semana pra você também!
      Abraço!

  6. Excelente post. Confesso que também não tenho saco pra ler mais sobre a história da música. Parei no Please Kill Me e isso já bastou minha vida. Inclusive me influenciei tanto pelo livro que fiz o caminho de Iggy e Waine do MC5 nos estaites…
    Te digo que o maior do Jazz é o Chet Baker, delicado e sutil trompetista…;]
    beijos

    ainda pensando como escrever sobre o belo e o feio na literatura…(?)

    • Oi Karen, obrigado pelo comentário!
      Até tive um interesse de ler esse livro no auge da minha adolescência-punk-pra-caralio, mas percebi que não tinha muito a ver comigo. Sempre fui mais adepto do punk nacional.
      Gosto muito do Chat Baker, tanto como cantor (com sua voz de viadinho) como quanto trompetista. Mas também já não aguento mais ouvi-lo, saturei legal.
      Não esqueci desse texto não, só não tive tempo hábil de escrever porque estou adiantando as minhas pendências (inclusive as postagens desse blog) para o feriadão. Mas escrevo sem falta essa semana.
      Beijo!

  7. Fala Yuri, parabéns pelo irmão! Cara eu ainda ouço pouco jazz do quanto desejaria ouvir! Esses tempos atrás a Folha lançou uma coleção de jazz e a fiz inteira é bem interessante. Miles é gênio não tem o que falar. Eu sou apaixonado por Nina Simone, o piano que ela faz em Just in time eu fico se puder o dia inteiro só ouvindo essa música. Mas gosto de tudo. Uma cantora contemporânea que é preciso prestar atenção é Diana Krall que além de linda, compões bem, é mulher do Costello, e toca um piano de primeira. Se não conhece, procure! Sobre as bios de música até acho legal, já li muitas sobre a MPB e Bossa nova, mas hoje não tenho mais vontade de ler. Ainda estou devendo a foto com o livro que ganhei, uma hora ela chega! hehe

    abraço

    • E aí Raphael! Valeu pelos parabéns!
      Eu fiz essa coleção da Folha também, o disco do Horace Silver que mencionei ali em cima para o Lucas é justamente dessa coleção. Achei que fizeram uma seleção um tanto arbitrária, embora bem completinha. Acho que, por exemplo, Chick Corea e Ornette Coleman (sério, existe alguém no mundo que suporte esse cara?) poderiam ser facilmente substituídos por caras mais expressivos, como Wes Montgomery e Joe Henderson. Ah, e o que foi colocaram Al Di Meola por ali? O cara faz uma porção de estilos para entrar como “jazz”. É, quando muito, um fusion muito fusionado mesmo.
      Gosto muito da Nina Simone e da Diana Krall, acho ambas talentosíssimas, e, já que você gosta desse tipo de jazz, procure a trilha sonora do Boa Noite, Boa Sorte, cantada pela Diane Reeves, se já não conhece. É espetacular.
      Vou esperar a foto, hein?
      Grande abraço!

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