Aí rapaziada, muita calma nessa hora. Hoje não estamos falando de qualquer autor, um vagabundo qualquer que resolveu escrever livros ao invés de ter um emprego de gente grande. O autor de hoje é nada mais nada menos que Nicolau Sevcenko, o bambambã da USP, que por acaso também é o tradutor da edição nova de Alice no País das Maravilhas. Se você não sabe quem ele é, vergonha na cara e Google no browser já, monstrengo ignoranteeee. Enquanto isso, vamos ao que interessa.
Sevcenko é então o mais novo integrante da coleção ensainhos, da Cosacnaify (falamos mais sobre isso ao final), com o livro A Revolta da Vacina. Pra você que fez supletivo, a revolta da vacina foi uma quebração de pau no Rio de Janeiro do começo do século XX, quando tiveram a ideia de detetizar a população pra ver se a varíola sumia da cidade maravilhosa. O problema é que se neguinho já é xucro com a pobretada hoje em dia, imagine só naquela época em que briga de bar não terminava até que tivesse uma mãe chorando. E tu achando que tinha Zé Gotinha dançando Ivete Sangalo na porta do posto de vacinação, né? A vacina era na base da porrada mesmo, filho. Pra piorar, não fizeram muita questão de explicar como a injeção mardita funcionava, e o povão mal informado só entendeu dessa história que o governo, que já não gosta muito de pobre, resolveu dar um “remédio” de graça pra geral que consiste em injetar a doença direto nocê. Ah, filho, a jurupoca piou bonito. Desmancharam a campanha de vacinação embaixo de cacete, e sobrou pra todo mundo. Teve nego bloqueando a rua, chinelo havaianas voando pra tudo que é lado e precisaram chamar as forças armadas pra dar um jeito na coisa. Morreu muita gente. E você achando que sua irmã era a pessoa que mais tinha medo de agulha na face da terra.
O livro então, procura traçar um panorama do episódio, explicando o que levou o governo a campanha tão drástica e por que, ou por quem, o povo se descabelou desse jeito (não, não era vontade de ficar doente, dona Fátima, tenha paciência). Compilando textos de autores da época, incluindo o vívido depoimento de um jornalista que viu de perto a cobra fumando, além de charges e fotinhas sobre o episódio, pra dar aquele tchananã de pesquisa histórica bem feita.
Na moral, peguei esse livro pra ler porque gosto muito do episódio histórico (quem é que não gosta de ver um efeito borboleta bizarro tipo a Guerra do Pente?), mas me surpreendi mesmo com a maneira lúcida e acessível com que o autor lidou com o assunto. Tudo bem que o livro é pequeno, mas devorei a leitura rapidão, de tão interessante que ele deixou tudo. E isso sem ficar aqui que nem eu recorrendo a piadinha marota ou apelando pros escândalos e polêmicas da história. É só no papo reto mesmo, mano, tá ligado? Ah, se todo livro de história fosse assim… esses maconheiros cabeludos que andam de calça jeans e sandália iam estar todos empregados dando aulinhas pra molecada. Enfim, mais um livro pra botar na estante e reforçar a ideia de que o Sevcenko é um monstro no palco e no estúdio (pergunta pro Thaíde, ele sabe).
E essa tal de Coleção Ensainhos da Cosacnaify? Bom, é uma coleção de ensainhos, cabeção, queria o quê? Tua mãe pintada de azul? Os livrinhos abordam de leve temas diversos, o suficiente pra saciar sua vontade momentânea de querer ser culto, ou o suficiente pra você ficar com a pulga atrás da orelha, mexer o rabo do sofá e procurar saber mais. O acabamento desse livro é sensacional. No verso da capa e da quarta capa, mapas do Rio de Janeiro da época, delimitando o projeto de urbanização criado pela prefeitura e pelo governo. Páginas cinzas para diferencias textos assinados por outros autores e um posfácio à edição de 2010 que é, no mínimo, emocionante. Papel pólen e fonte Perpetua, chiquerérrima com o formato do livro. Sabem que não faço isso muito, mas esse eu recomendo fortemente, foi uma das melhores leituras que fiz em 2010.
Comentário final: 140 páginas pólen soft 80 g/m². Corre, bino!
Sevcenco? Lia muito quando escrevia na Folha de São Paulo, antes de inventarem uma lei impedindo de escrever quem não tivesse diploma de jornalismo. O Brasil não é mesmo um país cartorial de merda?
Ele e o historiador Vamiré Chacon fizeram muita falta. Nosso jornalismo, em geral medíocre, ficou mais medíocre ainda.
Quanto à guerra da vacina, muito ajudou na disseminação da ignorância a própria imprensa, ou parte dela, escrevendo horrores sobre ela em suas páginas.
Isso pra provar que jornalismo medíocre não é privilégio de nossos dias. Parte da cobertura era eivada de preconceitos quase medievais.
Perdão qualquer erro mais grave de português, mas escrever no smarphone e ainda na cama não é um empreendimento fácil.
Oi Juvenal! Tem que aparecer mais por aqui, sujeito.
Olha, essa lei que impede pessoas sem diploma de escreverem para o jornal só vale mesmo para matérias jornalísticas. Colunistas, articulistas, fabricante de palavra cruzada, cartunista, astrólogo e todo o resto podem sim fazer colaborar com o jornal sem que o Sindjor arreganhe os dentes. Então, se o Sevcenko parou de escrever pra Folha, não foi por isso. Mas sim, o Brasil é um país cartorial de merda.
Mas hoje o sr. tirou para malhar o jornalismo, hein? Tudo bem que é esporte nacional, mas tudo junto assim no mesmo comentário… hehehe Sim, a campanha da imprensa contribuiu para confundir a cabeça da elite a respeito da reação do povo. Mas há também que se entender que, naquela época, além de jornalista não ser muito chegado a entrevistar neguinho lá da Vila do Sapo, os principais veículos da imprensa estavam na mão dos aristocratas que tinham um interesse direto em ver as massas se ferrando. Não que o controle dos meios de comunicação tenham evoluído nesse sentido, mas era uma defesa da elite mais caradurista, né?
E olha só, comentando do celular direto do aconchego ímpar de uma cama de domingo. É por causa de pessoas como o sr que este blog é atualizado às 9h da manhã do sétimo dia. 😀
Abraço!
Primeiro, gostaria de pedir perdão aos jornalistas e estudantes de jornalismo pelo mau humor do comentário de domingo: alguém ousou me ligar às nove da manhã, de modo que despertei de mau humor – e acabei descontando via smartphone no Livrada…
Fazendo jus à classe, o jornalismo melhorou muito nos últimos anos graças à especialização: é impressionante o número de jornalistas com um segundo curso ou com mestrado e às vezes até mesmo doutorado em áreas afins, como História ou Ciência Política. A diferença é imensa na qualidade das matérias que vemos nos últimos anos.
Voltando ao Sevcenko e a Osvaldo Cruz. Tenho em mãos o texto de uma conferência de Rui Barbosa escrita em 1917 em homenagem ao grande médico sanitarista. Faz parte da coleção Rex, publicado pela Organização Simões em 1953, a qual editava textos de grandes oradores, como Demóstenes, Cícero, Horácio e Epíteto. É da biblioteca de meu pai.
Sobre a escolha de Osvaldo Cruz para posto de tamanha importância no governo Rodrigues Alves, Barbosa comenta ter sido uma exceção à tradição vigente no Brasil, que normalmente coloca em altos cargos executivos (eu diria às vezes também em outros poderes) “mediocridades apadrinhadas”.
Quanto à imprensa da época, não creio que estivessem, digamos “a serviço da burguesia contra os interesses populares”: o mosquito era democrático, e picava tanto a ricos como a pobres. O problema era mesmo reacionarismo e ignorância – e de parte de um segmento da sociedade que não deveria (ou não poderia) sê-lo.
cara, ia ler, mas cliquei no monstrego ignorante e agora estou vendo banda ritual. Impossível competir com eles, hauha.
Ninguém seria capaz de julgá-lo por isso, meu bróder. Banda Ritual FTW!
Interessante, interessante…