Liev Tolstói – Felicidade Conjugal (Semeynoye Schast’ye – Семейное счастье)

Felicidade ConjugalTolstói, senhoras e senhores, esse russo cabra da peste que não nega fogo nunca e que não decepciona nem quando encarna as ideias mais odiosas que uma mente brilhante como a dele pode ter. Vamos mostrar aqui hoje como este Felicidade Conjugal, publicado em 1858, exibe toda a maestria do autor em escancarar paradas tão e atemporais quanto estes tais sentimentos comuns a todos. No caso aqui, o amor. L’amour, aaah, l’amour. Senta aí que lá vem história.

A história é narrada por Mária Aleksândrovna (esses russos e seus acentos impronunciáveis para nós), uma menina novinha do interior. Conhecemos Mária pouco tempo depois dela ficar órfã de pai e mãe, criada por uma irmã e uma governanta. É aí que aparece a figura de Sierguiéi Mikháilitch (posso dizer que to adorando essas transliterações de nomes russos que privilegiam esses “is” que os russos falam muito sutilmente? Porque, olha, tô mesmo), amigo de longa data do pai de Mária incumbido de resolver umas pendências burocráticas em nome da família na ausência de um adulto. É claro que a menina fica toda apaixonadinha pelo sujeito que tem idade pra ser seu pai, e o cara que não é bobo mas tá mais vacinado da vida do que gado pra exportação, cai de amores pela gata também, mas não dá nenhum passo nesse sentido porque sabe que 1- ele é velho e tá precisando de esposa e 2- menina novinha assim se interessa por cara mais velho mas depois de um tempo cansa porque percebe que tem muito pra viver ainda.

Mas eventualmente as partes não se aguentam e partem pro abraço, diante de vários, mas muitos mesmo avisos de Sierguiéi de que a coisa não vai dar certo porque Mária é mocinha do interior e quando conhecer a cidade grande vai querer saber só de badalação e vai esquecer o maridão em casa pra ir festar, e ela jurando que não, que nada a ver, que onde já se viu minha vida, meu tudo, te quero só pra mim, mil e uma noites de amor com você, sou evoluída e não vou pra balada e pois bem. Casam. Termina aí a parte um, sabe por quê? Porque acabou aí o sossego da vida. Logo que a menina casa, o que ela percebe sobre a vida? Que ela quer mesmo é ir pra balada e deixar o maridão em casa pra ir festar. Rá!

TolstoiO desfecho dessa coisa toda é parte da maestria da obra e não me cabe comentar aqui, mas veja só que coisa curiosa. Tolstói no começo de sua carreira já tinha umas ideias meio radicais que se aproximariam muito de outras ideias radicais do final de sua carreira, tipo em Sonata a Kreutzer, de 30 anos depois, a saber: que mulher é um bicho escroto que não sabe o que quer, e que casamento bom de verdade é aquele que não acontece de verdade. Sabe-se que a felicidade conjugal de que fala o título é outra daquela esperada no amor romântico, e cabe ao leitor ir até o final para descobrir do que diabos nós falamos quando falamos de felicidade conjugal.

O que queria falar sobre Felicidade Conjugal é que Tolstói é um cara muito bom em descrever com palavras exatas – mas exatas mesmo, enxugando toda a gordurinha melodramática e deixando só o que é verdadeiro mesmo, e isso dá pra ver no todo – a morte dos sentimentos. Em Sonata a Kreutzer, o marido traído vai narrando a morte da confiança na esposa; em A Morte de Ivan Ilitch, Ivan Ilitch narra a morte de sua esperança em viver e a sua própria morte; e neste Felicidade Conjugal, temos em câmera lenta, muito bem explicadinho para bom e mau entendedor, a morte do amor romântico. Pra mim, esse é o grande mérito dessas novelinhas que ele publica: esmiuçar sentimentos tão complexos que serviram de base para muitas outras novelas, desde as de banquinha de jornal até grandes outras obras, incluindo aqui Anna Kariênina do próprio autor. É tipo um Shakespeare: falar de coisa que todo mundo fala, mas de um jeito que ninguém nunca falou antes. Boa, Tolstói.

Esse é o último Tolstói que vou resenhar da Coleção Leste da Editora 34. Porque não tem mais! Aliás, se essa Coleção Leste tem algum defeito é não ter mais Tolstóizinhos curtos, porque ele escreveu vários desses, mas a editora só publicou três (que foram os três que citei no parágrafo anterior). São excelentes edições comentadas e posfaciadas pelos tradutores, que traduzem direto do russo, e serve bem para conhecer as ideias do sujeito, que é claro que precisam ser conhecidas. A tradução desse é do Boris Schnaiderman, que fez um posfácio que, sei lá, não me acrescentou muita coisa, mas tá valendo, eu suponho. Papel pólen, fonte Sabon, aquela coisa de sempre. (Acho que me apeguei muito a essa Coleção Leste mesmo, quero mais livros dela)

Comentário final: 119 páginas em papel pólen.

Desafio Livrada 2013 – O inimigo agora é outro

Já assistiram àquele filme Revolver, do Guy Ritchie? Se não viu, pule este parágrafo porque tem spoiler (olha só pra mim, avisando pras pessoas de spoilers nos meus posts, essa humanidade tá perdida mesmo). Então sabe como é, o sujeito tenta lutar para subir na vida, para vencer seus principais inimigos e no final das contas o inimigo é nada menos do que o ego. E não estou falando aqui do site de fofocas, nem do Caça-Fantasmas (não tinha um Caça-Fantasmas chamado Ego?), mas da partezinha do nosso inconsciente que nos forma. Em outras palavras, o inimigo é você mesmo.

Imbuído desse ímpeto de frenar as auto-sabotagens do dia a dia, seu humilde blog resolveu que a volta do Desafio Livrada! (quem não lembra do Desafio Livrada 2011?) seria marcado por desafios autoimpostos. Dessa forma, todos conhecem seus ritmos, seus gostos e suas forças de vontade, de maneira que esse é mais uma forma de fazer um desafio literário que fuja ao lugar comum de quantificar leituras e que permita inserir uma qualidade nesses momentos de prazer literário que eu espero que todos aqui tenham esse ano. Pedi então aos seguidores do Facebook para discriminarem ali seus desafios e agora os compartilho oficialmente aqui com todo mundo para que o mundo saiba: O desafio Livrada! 2013 está de volta e ninguém pode pará-lo. E se alguém tiver algum problema em divulgar a imagem de perfil do Facebook nesse blog, é só mandar um e-mail para bloglivrada@gmail.com, mas é aquela coisa: é o equivalente a ir pra praia de nudismo e não querer que ninguém te olhe.

Eis os nossos bravos soldados:

Pedro Victor

Nome: Pedro Víctor

Meta: “15 livros. entre eles o infinite jest, o mason e dixon e o idiota. e algum do roth, claro”.

Categoria: Triathlon de Cabeceira.

Bruno Rodrigues

Nome: Bruno

Meta: “6 livros: 3 clássicos e 3 lançamentos”.

Categoria: Offspring literário.

Raphael

Nome: Raphael

Meta: “Ulisses e Infinite Jest! O resto é complemento!”

Categoria: Companhia das Letras Fanboy.

Carolina

Nome: Carolina

Meta: “12 livros em 12 meses! Os dois primeiros eu decidi por culpa de posts do Livrada: Cosmópolis e A trama do casamento.”

Categoria: Cooper (de muito bom gosto).

Gabriel

Nome: Gabriel (não é a foto dele, mas era a única que dava pra pegar).

Meta: “Meta mesmo eu não tenho, mas o foco é Infinite Jest – ou seja, a responsabilidade pelo cumprimento da minha “meta” é do Galindo e estou livre, leve e solto pra ler qualquer coisa no caminho”

Categoria: It’s now or never.

Sandoval

Nome: Sandoval

Meta: “Conseguindo, até o momento, manter a meta de pelo menos um por semana. Até agora: Cinzas do Norte (Milton Hatoum), Cabeça de Negro (Paulo Francis), Um Copo de Cólera (Raduan Nassar), Como me Tornei Estúpido (Martin Page), A Mãe (Gorki), Jornalistas e Revolucionários (Bernardo Kucinski). Se bem que eu tava de férias, o que deu uma colaborada. Quanto à metodologia de escolha para os próximos 11 meses, ela é a mesma de anos anteriores: nenhuma.”

Categoria: Usain Bolt de biblioteca.

Guilherme

Nome: Guilherme

Meta: “Em 2013 quero ler Anna Kariênina, Ulysses e um grande do Pynchon (se quiser recomendar algum, só li Vício Inerente). O resto é lucro e complemento!”

Categoria: Em busca do clássico perdido.

RA

Nome: simpático blogueiro

Meta: 30 livros que estão na minha estante e que eu ainda não li.

Categoria: Acumulador.

Todos devidamente anotados, damos início aos trabalhos do Desafio Livrada! 2013. Não nos decepcione e, mais importante, não se decepcione. No final do ano, faremos um balanço, então mantenha o contato!

Até a próxima, coleguinhas!