Paulo Scott – Habitante Irreal

paulo scottTinha algumas metas de leitura esse ano, que até estipulei para mim mesmo no Desafio Livrada 2013 (como estão vocês com os seus?), mas se dissesse que consegui cumprir algum deles, estaria mentindo. O que não quer dizer que não tenha conquistado outros objetivos com os livros que me passaram pelas mãos ao longo do ano (e devo dizer que este ano foram poucos, em comparação com anos anteriores. Vida que freia, sabe como é, todo mundo precisa parar e respirar mais). Conheci mais dos russos, descobri autores novos muito bons e, mais do que isso, realmente me empenhei em encontrar autores brasileiros contemporâneos que valem a pena ler (e valer a pena ler já é demais pra grande maioria da produção atual). Paulo Scott, com esse Habitante Irreal, foi uma descoberta surpreendente. Jamais imaginaria tanta profundidade cultural, temática e literária em um romance escrito em 2011. Recado pros mau-amados da área: tem spoiler.

O romance tem como ponto de partida o final da década de 80 e um protagonista chamado Paulo, portoalegrense descontente com os rumos que o PT tomou depois de conquistar a prefeitura na capital do Rio Grande do Sul e com seu trabalho numa firma de advocacia. Ele resolve pedir a desfiliação do partido, as contas no emprego e fica meio perdido na vida até que encontra uma indiazinha de 14 anos na beira da estrada pedindo carona. Ao dar carona pra ela, ele começa a se envolver com a vida de Maína, que é o nome da indiazinha, numa espécie de compensação político-cultural pela opressão colonial e pelo descaso do seu partido com as minorias marginalizadas. Pelo menos foi isso que eu entendi. Só que, obviamente a parada pega mal, porque se esse negócio de “estupro de vulnerável”, como costumam chamar, já é complicadíssimo, com uma índia dimenor, rapaz, a turma dos direitos humanos cai matando. O sujeito vai pra cadeia depois de uma merda com a polícia e passa um tempo em Londres porque, sei lá, passar a pior em Londres não é coisa só de Orwell. Enquanto isso, no Brasil, Maína, que tinha engravidado do Paulo, dá a luz ao Donato, um rapaz índio que acaba sendo adotado por um casal de assistentes sociais, ou algo assim. E a partir daí, começa uma história sobre passado, cultura, política, erros e acertos cujo teor preciso generalizar para esse blurb sob pena de entregar mais do livro do que já entreguei.

por Renato ParadaO pior de tudo é que está justamente nesse desenrolar a maravilha do texto do Scott, de modo que fica bastante complicado fazer uma resenha adequada desse livro só com essa sinopse geral, mas vou deixar assim mesmo. Se você ainda não teve vontade de ler esse livro pelo que eu falei aqui, leia pelo que eu ainda não falei. O jeito como o autor conduz a obra é de uma maturidade literária jamais vista nessa geração de escritores, e lembra gente do naipe de Don DeLillo e Philip Roth. E a temática – isso de discutir a geração que atualmente está no poder no Brasil, e debater as relações delicadas com nossas raízes – é igualmente sem paralelo na nossa atual literatura. Scott sabe separar bem os estilos, e se resolve ser prosador poético em um capítulo, o faz distintamente da prosa geral do livro, que é densa e sem maiores floreios.

E essa também não é uma história bonita, muito pelo contrário. A literatura dele, comumente suja, chega atropelando em tabus e vira para lados que o leitor não necessariamente quer ler, mas é confrontado com um mundo sujo e amoral à força. E as conexões que o livro sugere são ainda mais assustadoras, mas isso é trabalho para o leitor e não para o comentador do livro.

O projeto gráfico da Alfaguara é demais, e essa capa é meio engraçada e meio assustadora, mas, no geral, não foge muito dos outros livros da editora. À exceção de alguns capítulos, que o autor escreve inteiramente no formato de nota de rodapé, pra dar a entender que a história ali não está sendo narrada, mas meramente comentada e preparada paras as próximas páginas. No mais, é um livro sombrio, delicado e raivoso. Gostei

Comentário Final: 260 páginas de papel pólen. Uma porrada na cabeça do PT.

Cormac McCarthy – Todos os Belos Cavalos (All The Pretty Horses)

All the pretty horsesTodo mundo que me lê aqui sabe que eu começo falando dos livros pra depois falar da edição. Mas vou inverter a pirâmide hoje (tá ligado em pirâmide invertida? É gíria de jornalista pra prexeca, só quem é malandro sabe) e começar falando da edição. Todos os Belos Cavalos foi lançado pela editora Planeta DeAgostini, que fez a coleção Grandes Escritores da Atualidade, uma dessas coleções de banca de jornal que você compra quinzenalmente pra dar a chance do jornaleiro de ter carne na ceia de natal dele. De modos que esse livro, caso você goste do que eu vou escrever aqui hoje, vai ser meio difícil de ser encontrado, porque a Companhia das Letras, que é quem o publica, deixou esgotar a edição e nem sequer se dignou a fazer uma reimpressão desse que é top 3 das minhas leituras desse ano.

Enfim, a coleção foi lançada em 2003/2004 e era vendida a R$16,90 cada exemplar. Só que os caras fizeram uma coleçãozinha matadora, com títulos como Reparação, Abril Despedaçado, Voragem, Pastoral Americana, Ruído Branco, Todos os Nomes, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Os Versos Satânicos, Santa Evita, Quando Éramos Jovens, Os Cadernos de Dom Rigoberto, Se Um Viajante de Uma Noite de Inverno, Os Mímicos, Coelho Corre.. ah, é demais, cara. Quando descobri isso fiquei meia hora batendo a cabeça na parede me perguntando onde diabos eu estava com a cabeça em 2003 que passei por várias bancas de jornal e não comprei nada disso. Enfim, passou e esse livro foi resgatado pela digníssima num sebo via Estante Virtual, anteriormente propriedade de um certo Ariel R. Pinheiro, que, vou dizer, deu mole ao vender essa joia provavelmente pelo valor de um maço de cigarros. A coleção é caprichada, com capa dura, uma foto boa pacas na capa e de resto, a mesmíssima tradução da editora original, que provavelmente fez com capricho. Recomendo, e agora que vocês já estão ávidos pela coleção, vamos ao livro em si.

Todos os Belos Cavalos é o primeiro volume de uma trilogia chamada “The Border Trilogy”, ou a Trilogia da Fronteira. São romances ambientados na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Seguem a esse o A Travessia (também esgotadão na editora, nem adianta chorar) e Cidades da Planície (talvez esse ainda tenha alguma coisa), os quais certamente estão entre as minhas próximas leituras, todos devidamente providenciados. Por hora, posso falar do primeiro. O livro conta a história de um sujeito chamado John Grady Cole, que veio de uma família de fazendeiros do Texas e cujo sonho maior é… tchanam! Ser fazendeiro. Mas justo quando chega a vez dele de assumir, o avô morre e o resto da família acha por bem vender a droga da fazenda que nunca deu dinheiro mesmo. Ele luta com isso o quanto pode, mas quando vê que não tá dando pé pra ele, resolve pegar um cavalo junto com o primo, de sobrenome Rawlins, e partir pro México, sem nenhum plano muito mais elaborado na cabeça. E aí ele chega numa fazenda mexicana, resolve domar os potros selvagens, se apaixona pela filha do hacendado e se mete em altas confusões, ao estilo faroeste cabôco do McCarthy. Seus personagens são todos sábios taciturnos, ninguém fica desfiando muitas teorias e ninguém vacila  com os sentimentos na frente de ninguém. Onde os fracos não tem vez.

The Border TrilogyA sacada é que tudo isso se passa no ano de 1949, se fiz as contas direito, ou seja, algum tempo depois da época das grandes diligências e da época em que as pessoas faziam viagens de cavalo. A guerra já tinha acabado, “Guerra Fria” era um conceito moderno, como “sustentabilidade” é pra gente hoje, o bebop tocando nas vanguardas e tudo mais, e o cara viajando a cavalo. É justamente essa a graça dos romances desse senhor. Sabe quando você vê essas propagandas patéticas do governo incentivando as pessoas a lerem dizendo “quando você lê, você se transporta para outro mundo”. Bom, isso é balela pra 90% dos livros que eu leio, mas não para os livros do Cormac McCarthy. A parada sempre vai numa vibe meio Red Dead Redemption, meio Sergio Leone, meio propaganda de cigarro (galera que é mais novinha que lê esse blog nem deve saber do que eu tô falando). Bate uma sensação de liberdade, um isolamento do tempo, um despreendimento dos problemas mundanos em favor de questões existenciais.

Porque essa é outra beleza da literatura de McCarthy. A ideia de que mesmo entre pessoas de vida mais simples, ainda há a inquietação cósmica, a vontade de entender o ininteligível, o desassossego da alma e o debate metafísico. Talvez até com mais propriedade, ante o contato maior com a vida do que nós, citadinos bunda-moles. E talvez por isso também o livro faça referência, em seu título, apenas aos cavalos, esses seres que são tratados com todo o carinho e veneração por seus donos. Os personagens de Todos os Belos Cavalos conhecem histórias de cavalos famosos, leem sobre cavalos, discutem sobre cavalos, comparam cavalos, matam e morrem por cavalos. E os cavalos continuam bichos, não são repletos de humanidade como em um certo filme do Spielberg que deveria inaugurar o Oscar de Melhor Cavalo, mas também nem por isso são desprovidos de profundidade ou vida. Entendem os homens, criam laços com eles, mas não se furtam a arroubos de susto e surpresa ante suas atitudes. Ainda são apenas cavalos, mas paradoxalmente são muito mais do que isso.

O que é estranho (e não deixa de ser uma qualidade) é o apelo comercial desse livro, que poderia muito bem virar um drama de faroeste moderno nas mãos de um charlatão de Hollywood. Acho que isso é uma técnica de sobrevivência dos escritores nos Estados Unidos. Nunca fazer um livro puramente contemplativo ou sisudo demais. Sempre tem que dar uma brecha pra, caso surja o desejo, adaptar a coisa pro cinema. Deve ser bem difícil conviver com esse povo ignorantão que mora nessa terra esquecida por Deus por causa disso, mas por outro, a coisa trabalha como um darwinismo literário: quem se sobressai, vira sucesso de crítica e público, e isso nunca vai ser algo ruim em tempos de Quentin Tarantino.

Por fim, Todos os Belos Cavalos pode ser o livro que vai te distrair durante um final de semana ou uma leitura que vai te marcar pela beleza, singeleza e profundidade. Assim como num finado programa da Globo, você decide.

Comentário final: 272 páginas do mundo de Marlboro. Oh yeah!

Milan Kundera – A Brincadeira (Zert)

zertEstavam com saudades? Puxa vida, hein, não dá pra ficar nem mais uma semana fora que esse povo me cobra! Brincadeira, seus queridos, vocês são até muito compreensivos, dado o fato de que não escrevi na semana passada porque fiquei jogando Skyrim. Bom, eu pago minhas contas e, por outro lado, não tem ninguém pagando pra eu fazer esse trabalho periódico de leitura e resenha, leitura e resenha, leitura e resenha, de maneira que não nutro maiores ilusões de que não posso desapontar os fãs. Mas a verdade também é que dei uma desacelerada boa no ritmo das minhas leituras esse ano, e já está ficando difícil ler um por semana para resenhar por aqui, especialmente porque preciso e quero ler uns calhamaços que sejam dignos de nota e… ah, mas vocês não vieram aqui pra ficar lendo minhas lamúrias de leitor preguiçoso e gamer proativo, então vamos ao livro de hoje.

Zert! Zert, ou A Brincadeira, esse que é o primeiro romance do tcheco Milan Kundera. Aquele da Insustentável Leveza do Ser e de A Ignorância, já resenhado por aqui. Vou dizer uma coisa sobre o Milan Kundera desde já, e que serve tanto para quem o leu quanto para quem nunca o leu: Milan Kundera é um excelente narrador e contador de histórias, mas quando ele quer mostrar que é inteligente ou quer pagar de putanheiro, sai de baixo. Ô bichinho chato. Sinceramente, não entendo porque ele faz isso, ele e um cara legal e não precisa ficar se exibindo desse jeito – mesmo porque acho que ninguém vai ler o cara por causa de sua falsa erudição. Por outro lado, talvez esteja aí o segredo do sucesso que o rapazote de 91 anos faz com a juventude. Ora, quem nunca leu A Insustentável Leveza do Ser com seus 15, 17 anos e se achou muito esperto por ler aqueles ensaios sobre a alma feminina e a união soviética? O problema é que o sujeito para de fazer a sua cabeça quando você faz a curva dos vinte e tantos (se não houve nenhum obstáculo no seu crescimento sadio), e foi por isso também que peguei esse livro para ler. Queria ver o que havia na literatura desse cara que me abalasse.

E a resposta é: pouca coisa. Mas a parte que me toca, que é a da diversão de se ler um livro gostoso, acessível e minimamente inteligente, compensa. Antes de falar do livro conteúdo, porém, um adendo sobre o livro forma: Essa capa que vocês estão vendo aí é de uma edição da Companhia das Letras que já pode ser considerada mais ou menos rara. Especificamente, essa imagem é a minha edição escaneada, porque eu mesmo não achei uma imagem boa para publicar aqui no Sr. Google imagens. Acontece que a editora tinha feito uma coleção caprichadinha com xilogravuras e outros rabiscos do Segall na capa, mas como só adolescente lê o Kundera e adolescente, no geral, é um bicho muito duro, praticamente todo o acervo do autor foi transferido para o selo de bolso. Não sou muito dado aos fetiches de colecionador, mas depois que eu compro três livros formatados na mesma edição, eu quero ter os outros da mesma forma. De maneira que, se alguém tiver Risíveis Amores ou A Identidade nessa edição, por favor entre em contato para fazermos negócio. Pois bem.

A brincadeiraO livro tem vários personagens principais, mas podemos restringi-los a três: Ludvik, um rapazote entusiasta do partido comunista que um dia, só de brincadeira, manda uma frase trotkista via cartão postal pra uma namoradinha e cai em desgraça eterna por causa disso; Helena, uma moçoila que recebe o pior dos castigos psicológicos vindo do mundo masculinizado e canastrão da literatura do Kundera; e Jaroslav, o último dos folcloristas morávios, que tenta com todas as forças resgatar as tradições ainda que nem todo mundo esteja na mesma pira. Nossa, esse resumo saiu muito mais conciso do que eu tinha imaginado. E resume bem até!

A coisa acontece mais ou menos assim: Ludvik é escrachado nas reuniões de crítica e autocrítica do partido, uma parada muito comum na época que servia pra todo mundo vigiar todo mundo e manter a humildade ao mesmo tempo. O principal carrasco de sua queda é um cara chamado Pavel Zamanek, que vem a ser o marido de Helena. Ludvik vai trabalhar numa mina de carvão junto com outros traidores do movimento e se envolve com uma menininha chamada Lucie, que o atormenta a vida toda por regular a mixaria pro rapaz sedento de sangue nozóio. Depois de muito tempo, quando Ludvik deixa a mina e se torna um carinha amargo, ele resolve tramar a vingança de sua vida, que é: tchanam: comer a mulher do seu carrasco. Sério, cara, é esse seu plano? Daí você entende porque os adolescentes gostam dele, olha que parada mais Malhação! Que revoltinha do pipoqueiro, hein, amigo. Só vivendo num mundinho de muita putaria sexista isso é considerado uma vingança. Mas tudo bem, prosseguimos. Jaroslav, enquanto isso, é um cara considerado por todos por resgatar a cultura Moravia, que é uma cultura da região de Ostrava da República Checa, onde o livro se passa. Ele faz umas procissões, toca música folclórica e nos enche o saco com mais de um capítulo explicando (com partituras até) porque a música morávia de raiz é complicada e única nesse mundo de meu Deus. Isso é legal se você é musicólogo, tá lendo Kundera e opa! Aparece uma referência rasa sobre um tipo de música a que você nunca deu muita atenção. Mas tirando isso, sério, pra quê? Pra mostrar que você manja das putarias? Você deve ser muito divertido em festas, hein, cara? Só que aí, em sua última brincadeira (outra brincadeira), ele vê que é tão sozinho quanto o rei sozinho do seu pequeno ato dramático.

E que podemos mais dizer sobre esse livro? Bom, ele é, primeiro, uma cutucada no comunismo, uma tara que qualquer leste-europeu tem vez ou outra nessa vida. A coisa do partido que se leva a sério demais e que se empenha mais em castigar seus adeptos do que discutir as ideias que podem levar a coisa pra frente, a linha tênue que o regime guarda com um tipo mundano de religiosidade, essas coisas, você sabe. Isso não é novo, só que ele também fez. Depois, é um livro em que o Kundera desfia – não com tanta maestria como na Insustentável Leveza do Ser – o seu medo de ser corno. A traição está em seus livros como a maior de todas as desgraças, e ele fala um pouco mais sobre ela aqui justapondo-a com outro de seus medos: o de parecer um liso que não come ninguém. Por isso, ele mostra, encarnando no personagem do Ludvik (sempre tem um personagem que é ele mesmo), que manja do que a mulherada quer, e sempre que pode solta algo do tipo “então, teve uma vez que comi uma mina assim, teve outra vez que veio uma cocota e aí… pãnz”, etc. Sinceramente, amigo, já passei da idade de achar isso uma parada legal. E, por último, é uma história bem contada sobre vidas na Chéquia, e isso é o que vale pra mim. Vocês podem gostar do que vocês quiserem no livro, mas pra mim, é só um livro bom que se esforça pra ser um livro ótimo e que não consegue e fica elas por elas. Finito.

Comentário final: 352 páginas em papel pólen. Machuca osso, cartilagem, ideologia política e faz uma boa sequela para o século vindouro.

 

James Wood – Como Funciona a Ficção? (How Fiction Works)

How ficcion worksSalve, galera beletrista, os que vão morrer de tédio vos saúdam. Bem sei que aqui vocês encontram um texto leve sobre livros nem tão leves, e que gostam exatamente disso neste blog, por isso hoje vamos arriscar e falar de um livro mais cabeça ainda para quem tem disposição de ler depois. Porque, você sabe, né? Aqui eu dou o empurrão, mas na hora do Tete-à-tete, minhas piadjênhas não saem na nota do rodapé. Eu sou como o Morpheu, sou meio careca, só posso mostrar a porta para você atravessar e não paro de falar um minuto sequer.

James Wood é um dos mais respeitados críticos literários do mundo. O que isso quer dizer? Pouca coisa, na verdade. A gente tende a respeitar alguns críticos, mas a gente raramente respeita o maior de todos, o ultra-mega-chefão-que-muda-a-música-de-fundo-e-tem-uma-barra-de-energia-que-fica-verde-antes-de-ficar-amarela-antes-de-ficar-vermelha (e isso aqui só vai entender quem jogou Final Fight). Isso porque é natural do ser humano desconfiar das unanimidades e dos cânones. Pelo menos na literatura. No cinema, por exemplo, nenhum zé Mané em pleno estado de consciência vai falar que O Poderoso Chefão é um filme xexelento. Mas quando se trata de algo tão exigente e discutível quanto a literatura, o assunto é outro. Se você não gostou, é porque não entendeu a proposta do cabra. É isso que todo mundo te fala, não é? É aí então que entram os críticos literários. Os donos do polegar, que ora vai pra cima, ora vai pra baixo. E esse crítico em específico é o nosso objeto de estudo de hoje.

Sinceramente, acho que os melhores críticos literários são os brasileiros, e não é uma questão de puxar sardinha pro nosso lado não. É porque a gente está, na minha opinião, mais em contato com a literatura do mundo todo do que o resto dos países. James Wood, por exemplo, é um cara inglês, que, vá lá, até lê coisas da França, da Alemanha, dos Estados Unidos, Rússia e países nórdicos. Mas a gente não tem garantia de que ele conhece um Guimarães Rosa, um Mia Couto, um Vila-Matas, um Juan Rulfo, um Onetti, um Benedetti, um Canetti, um Spaghetti, um Piriguetti, enfim, vocês entenderam. Falta mundo pra esses caras. Pra gente não, hein? Tô falando sério. A gente liga tão pouco pra nossa própria literatura que a gente compra qualquer porcaria da terra onde Judas perdeu as botas.

De qualquer forma, Wood é um cara respeitado e, a julgar por esse livro, leu Henry James, Flaubert, Barthes e Proust além do limite considerado seguro pelos bibliotecários. Nesse livro ele basicamente explica porque os autores usam as palavras que eles usam nos livros e tenta mostrar a intenção de cada um deles. E aí explica algumas magiquinhas de quem trabalha com a pena, como o discurso indireto livre e a profundidade de um personagem (que a gente sabe que é só ilusão de ótica, né?). É isso, eis a sinopse do livro. Legal, né? O que você pensa em fazer com as informações contidas nesse livro? Ser uma pessoa melhor não dá, tenta outra coisa. Ser um leitor melhor? Aí sim, isso dá pra fazer. Eu acho, afinal, que a leitura é algo que exige atenção e cultura. A cultura você pega da vida e de outros livros, e a atenção você pega de livros como esse.

Supondo, é claro, que ninguém lê livro pra falar que leu, pra fazer vista na estante ou para pegar as gatinhas, é óbvio que todo mundo quer ler um livro de uma forma “melhor”. E esse papo de que não importa como você leia nem o quê, contanto que você leia só funciona e é bonitinho até os 20 anos. Depois é bom começar a tomar vergonha na cara e parar de achar que você está ficando mais inteligente por ler Cebolinha. Claro que não vamos menosprezar os Harry Potter, os Crepúsculos e os Dan Browns da vida, mas se os clássicos existem, estão lá no olimpo dos livrinhos por alguma razão. E é isso que o fulano James Wood te mostra: por que o livro é bom, por que merece ser lido e por que você merece dar mais atenção pra ele. Sendo assim, mais do que uma aulinha de crítica, é também uma possível porta de entrada para outros autores – pra quem tiver disposição, é claro.

Agora, o que não pode é achar que se o seu livro de cabeceira não tem as qualidades que o Wood exalta neste Como Funciona a Ficção? é porque ele não presta. O nosso autor de hoje é um cara que preza sobretudo pela forma, e eu sei, você sabe, o vizinho sabe, a porcaria do Paulo Coelho sabe que o conteúdo do livro também tem que ser interessante, né verdade? Por outro lado, a forma não é algo que possa ser desconsiderado tão facilmente, e pra isso tão lá os cânones de que ele fala. A forma pode proporcionar uma sensibilidade única ao livro, uma coisa linda de meu deus do céu. E pra isso serve Pra Que Serve a Ficção? que, vamos combinar, tem um puta nominho escroto no estilo Por que Os Homens Tem Mamilos? e Fuckin’ Magnets, How do They Work?

Ah sim, pra quem chegou atrasado na conversa, James Wood é um crítico inglês, não é o ator James Woods que fez aquele puta filme… aquele… aquele… sabe… É, ninguém sabe o nome dos filmes que o James Woods fez, assim como ninguém sabia os filmes que o John Malkovich fez antes de Quero Ser John Malkovich.

A Cosacnaify fez esse livro fininho, que faz parzinho com o meu A Máquina de Fazer Espanhóis, porque eu curto arrumar minha estante pelo tamanho dos livros, tanto em altura quanto em largura. Agora, por fora bela viola, por dentro, cagadas 100%. Escolheram para a cor da fonte algo perto de um IKB, ou perto de um azul/roxo de mimeógrafo. Isso no papel offset. Quer dizer, tentar ler esse livro sem se estressar com isso é um desafio. Boa sorte pra você.

PS1: O Nobel desse ano é o Tomas Transformer. Ninguém ganhou o bolão. Oh, não.

PS2: ANUNCIEM NO LIVRADA! O papai aqui precisa de um clarinete novo.

Comentário final: 230 páginas em papel ixcroto. Arriba, arriba!