Moacyr Scliar – A mulher que escreveu a bíblia

Como vocês puderam ver, não publiquei niente na quarta-feira, e por uma boa razão: atolado de coisas para fazer. Que lhes interesse, escrevi uma matéria gigaaaante para a Gazeta sobre George Orwell, o mágico do romance panfletário, o rei da metáfora animal, o Gerson King Combo da…bom, já deu pra entender. Que não lhes interesse, eu e minha gloriosa banda Sua bunda fizemos um triunfante show no Blues Velvet bar na quarta-feira e a multidão foi à loucura. Sendo assim, de qualquer forma, parafraseando o título de um outro livro, os dias estavam completamente lotados. E, para citar Marcelo D2, “tá ruim pra você, também tá ruim pra mim, tá ruim pra todo mundo, o jogo é assim”. Alright, chega de citações. Vamos à homenagem.

Moacyr Scliar se foi, minha gente, provando que esse papo de imortal é, na verdade, fruto da imaginação de velhos loucos que têm amigos como Paulo Coelho e Ivo Pitanguy, místicos da alma e da carne. Ainda assim, Scliar era um dos poucos nomes que prestavam dentre os almofadinhas da ABL. Cito mais alguns: João Ubaldo, Ana Maria Machado, Nejar, Lygia Telles e sua chapa Nélida Piñon, Ledo Ivo (“b-ab-aaaaaaaaaca”, dizia ele na entrevista ao Globo News, hilário) e, em menor grau, Cony, o Van Damme entre Schwarzeneggers. Agora, esses os corvos: nem bem o Scliar esfriou e já elegeram um cara pra ficar na cadeira dele, o Marco Lucchesi. Um poeta! Um poeta! Pois eu discordo! Acho que a cadeira do Moacyr Scliar devia ser dada a um escritor frenético como ele. Um cara que lance cinco livros por ano, no mínimo! Brincadeiras à parte, eu quero um dia fazer parte da ABL pra ganhar 15 mil por mês + vida eterna + gato NET + duas mariolas por dia + roupa de Power ranger. E quem não quer? Esse país tem que tirar os escritores da miséria, minha gente. Tira o Paulo Coelho de lá, ele já é rico por seus próprios méritos! Coloque um cara bom, mas marginalizado tipo, sei lá, Marçal Aquino.

Bom, pra homenagear o Scliar, esse grande escritor gaúcho, resolvi resenhar o único livro que já li dele em toda minha vida. E ainda assim fiquei com o pé atrás, porque li emprestado da minha mãe e li em apenas um dia. E isso foi há uns dois anos. Ou seja, tô sem o livro, minha memória já não é mais a mesma, mas enfim, todo jornalista se mete a falar sobre o que não sabe pelo menos uma vez na vida. Se você é jornalista e só fala sobre o que sabe, ou você é chefe, ou você é frila, ou você é desempregado.

A mulher que escreveu a bíblia é um desses livros em que você lê numa sentada, sem nenhuma conotação homossexual aí (aliás, amigos homossexuais, tenho um filme homossexual aqui em casa que estou disposto a passar adiante, quem tiver interesse, contacte. E chega de usar a palavra homossexual que isso é coisa de boiola). É curto, tem punch, tem humor, tem sacanagem, tem contexto histórico, só faltava mesmo ter alienígenas, porrada e perseguição de carro para ser o livro perfeito. A história fala de uma mulher que, fazendo regressão, descobre que, em uma vida passada, foi a única esposa do Rei Salomão que sabia ler e escrever. O que justificava, porque ela era feia pra diabo. Salomão era como um desses pitboys que pegam vinte loiras peitudas pra depois pegar uma gordinha fã de Harry Potter que faz engenharia no CEFET e dizer que também valoriza a beleza interior. Enfim, tendo essa vantagem sobre as loiras peitudas, tem sua existência escalada pela máfia chinesa, quer dizer, pelo Salomão, pra coordenar um bando de escribas mais enrolados que sexo de cobra que estão escrevendo a história da humanidade, desde que o mundo é mundo. E assim ela começa, escrevendo o antigo testamento, enquanto narra sua história de mulher feia e mal-amada.

É bom dizer que essa história de mulher escrevendo a bíblia é uma tese do Harold Bloom, ó, Harold Bloom, velhus decreptus da crítica literária, aquele que tudo sabe e tudo lê, e que a ninguém come. Ele, no livro The Book of J., jogou uma ideia de que a primeira versão da bíblia teria sido escrita por uma mulher. Mas isso é óbvio pô. Olha só as coisas que tem lá: cobra falante, gente feita de costela, o assassino é o Coronel Caim, na biblioteca, com uma pedra mixuruca, enfim, fruto de uma imaginação muito fértil. O mesmo tipo de imaginação que se põe a conjecturar seus whereabouts quando você chega em casa meia noite e cinco ao invés de meia noite. Enfim, desse verde aí que o Bloom jogou, Scliar fez um livrinho mais hilariante do que gás hilariante (que não é tão hilariante assim, ao contrário do que o nome pode supor), e leve, muito leve. Ler a mulher que escreveu a bíblia é o equivalente a alugar um filme do Simon Pegg na locadora porque você já tá de saco cheio de ver Bergmans e Tarkovskys. Vale a pena também pelas sacadinhas que ele mete no meio, tendo em vista o contexto histórico da parada. Uma pena que não me lembro de nenhum agora pra exemplificar. Jornalismo verdade é isso. Eu não minto pra vocês e vocês não mentem pra mim.

Sobre o projeto gráfico, nada tenho a dizer. Já disse, tô sem o livro na mão aqui. Mas a capa reproduz um desenho típico da época, em que ninguém sabia desenhar. Eu seria uma espécie de Michelangelo nessa época. E com meu físico, seria mister universo. Nasci na época errada mesmo… Bom, não foi tanto uma resenha hoje, mais para não deixar a morte do Scliar passar em branco. Descanse em paz, nobre escritor.

Ah sim, esse livro ganhou o prêmio Jabuti em 2000, na época em que o Jabuti premiava bons escritores, e não ficava fazendo média com ninguém.

Comentário final: Você já comeu uma carne assada com uma cenoura no meio? Estranho, muito estranho…