Mario Vargas Llosa – Tia Julia e o Escrivinhador (La tía Julia y el escribidor)

La tía Julia y el escribidorBom domingo, moçada! Aí, manerassas as fotos de estantes que eu estou recebendo, mandem mais, vamos fazer um post irado sobre isso. O e-mail, já sabem, é bloglivrada@gmail.com. E sem o nariz de cera habitual, vamos ao que interessa. Não, não é a festa da democracia, mas, se querem saber, meu voto vai para o Plínio de Arruda, porque ele tem cara de presidente e um belo patrimônio acumulado ao longo de seus longos 70 anos, segundo li em uma matéria da Folha de S. Paulo. Minha única preocupação é que ele é velho demais, e desconfio de quem quer fazer um futuro melhor para o Brasil sabendo que ele próprio não vai estar nesse futuro. No mais, o resto da corja de canalhas, vocês votem em quem quiser trabalhar no seu estado que, independente de qual seja, tenho certeza de que está um lixo.

O livro de hoje é um livrasso que ganhei inesperadamente de minha mãe durante um almoço em Paraty. Gosto de ganhar livros que parecem bons, mas que por alguma razão não estavam nos meus planos de futuro próximo. É justamente o caso. Esses livros da Alfaguara têm uma página que é geralmente maior do que a dos livros que eu costumo ler, então minha percepção de tempo acerca da leitura fica meio desorientada, e sempre acho que levo muito mais tempo para lê-los. Bom, graças a uma reclamação no Procom que eu fui fazer, em 2008, a leitura desse livro foi super rápida. Horas sentado naquele banco poderiam me fazer acreditar que a lentidão dos órgãos públicos brasileiros está formando um país de leitores, mas a maioria das pessoas prefere sentar ali e olhar para o teto. Não me espantam que fiquem irritadas assim, não sei como conseguem. Mas falemos disso outro dia.

Já disse aqui, na minha resenha sobre o Pantaleão e as Visitadoras, que o Mario Vargas Llosa é um escritor de mão cheia por dominar tão bem vários estilos diferentes entre si. Se no outro livro foi com o gênero epistolar que ele chutou alguns traseiros, neste agora ele consegue misturar romance autobiográfico com contos — algo que nunca havia visto em minha curta experiência como leitor.

A história é a seguinte: Varguitas, um garotão de dezoito anos, que trabalha numa rádio e quer se tornar escritor, começa a namorar a própria tia. Pera lá: não é da família, é tipo uma cunhada da tia, se bem me lembro, mas na família, o que não é do núcleo de pai e mãe, nem avô e avó, ou primo, é tia. Tá, essa frase foi muito ao estilo Cleber Machado, vou tentar não me repetir. Ao mesmo tempo, conhece o lendário Pedro Camacho, um escritor boliviano de rádio novelas que é sensação em todo país. Então a história se divide entre seu romance com a Tia Julia (com quem Vargas Llosa realmente se casou, e depois se separou para casar com a prima. Que cara mais freak) e contos que seriam as novelas escritas por Pedro Camacho. Falemos mais dele.

Pedro Camacho é o personagem que o autor criou para personificar o escritor ideal. Ele vive para escrever: durante todo o tempo em que está acordado, está escrevendo, criando, bolando histórias. Embora, em termos de produtividade, seja esse o ideal do escritor — principalmente do aspirante a escritor Varguitas, que tem em Camacho um ídolo — a história mostra que a realidade é bem mais amarga. Baixinho, feio, antipático e cheio de preconceito com as pessoas, Camacho tem uma existência muito triste, e o excesso de trabalho o leva a confundir os personagens de suas novelas, tornando os contos cada vez mais misturados, como naquelas brincadeiras de criança de misturar os três porquinhos com João e Maria e assim por diante.

Mario Vargas LlosaAinda assim, os contos de Vargas Llosa assinados por Pedro Camacho são espetaculares. Lembro-me especialmente de um, sobre um sujeito que foi fazer terapia porque sentia-se culpado de ter atropelado uma criança, e a psicóloga sugere a ele uma terapia baseada na raiva por crianças, em que ele devia ser mal e chutar-lhe as costelas se fosse possível. Impagável, realmente, e me lembrou uma certa música da gloriosa banda Merda, com o título justo de “Eu odeio crianças” (acho que cada vez que eu faço alguma referência ao universo do hardcore, perco uma penca de leitores que passam a me considerar mais burro).

O romance de Varguitas com Tia Julia também é recheado de humor, com todas as neuroses de uma típica tia, encanada e solteira, acerca de sua relação secreta (a família não pode saber). Tem também o seu companheiro radiofônico, Pascual, que é o típico coadjuvante que rouba a cena. Tinha algo a respeito dele que eu achava o máximo mas, folheando o livro aqui, não consegui achar e me lembrar direito. Algo a ver com o fato dele só anunciar tragédias no rádio,mesmo que tenham acontecido no outro lado do mundo e há tempos. Perdão, minha memória já não anda lá essas coisas, e mesmo que tenha lido o livro há apenas dois anos, já me esqueço destes detalhes.

Foi nesse livro que me deparei pela primeira vez com os contos do Vargas Llosa, e, depois pude confirmar lendo Os Chefes, é preciso tirar o chapéu pra esse cara. Sério, algum livro dele é preciso ler. Vargas Llosa é como os Beatles: não dá pra dizer que não gosta, porque ele tem várias facetas (ao menos é isso que dizem pra mim, que não ligo muito pra banda).

Já comecei a comentar essa edição da Alfaguara lá em cima, mas vamos ao restante dela. Bom, o último livro da editora que li antes de ler esse havia sido Nosso GG em Havana, uma história curtinha e muito irada do Pedro Juan Gutierrez, com tipografia garrafal. Estranhei a miudeza desse livro, o que, aliado ao tamanho e ao número de páginas, me pareceu um livro gigantesco. Só mesmo o Procom ou o Detran para fazer-nos vencer calhamaços como Ulysses como se fosse gibi do Chico Bento. Sério, desaconselho adentrar em uma repartição pública sem estar munido de documento com foto, xerox de tudo e literatura pesada e das boas. E lanchinho também. Mas é um livro maravilhosamente bem acabado e tem uma das melhores capas dos livros do Vargas Llosa já lançados pela editora. Nostálgica pá dedéu com esse radinho vintage aí, “Philco Transitone”. Onde será que a gente arruma um desses? Apesar do calhamaço, pegaram umas páginas de gramatura boa, que dá vontade de ler e faz muita diferença para mim. Por último, uma dica pra editora: tava na hora de reeditar A Festa do Bode, hein?

Comentário final: 359 páginas gigantes em pólen de gramatura alta. Uma pedrada na sua fuça!

Xico Sá – Chabadabadá

ChabadabadaOi pessoal! Ih, hoje não é quarta-feira, é quinta, e ontem não teve resenha. É que ontem foi feriado aqui em Curitiba (dia da padroeira da cidade, que eu não sei quem é. Prova fortíssima de que a fama do santo não se faz pelo feriado) e eu estava ainda no meu recesso prolongado de aniversário, e meu maior presente foi ficar uma semana sem esse mal necessário que é a internet. Foi bacana, mas agora também pago o preço: tô caindo de sono — acordei às quatro da matina hoje — mas fiel a vocês, meia dúzia de gatos pingados que ainda se importam de passar aqui vez ou outra. Então vamos lá, bem rapidão pra eu me meter no pijama logo.

Xico Sá, minha gente! Olha, se tem um sujeito que objetivamente SABE escrever nesse Brasilzão é esse rapaz, esse moço, pobre moço, nascido no Crato e radicado em São Paulo, cidade que, para mim, nada mais é do que o cenário do filme O Invasor: podridão sem fim. Mas isso pode ser só uma primeira impressão equivocada, parte da minha adolescência zanzando pela galeria do rock.

Mas tergiversei, divaguei, digredi (inventei um verbo legalzão!), soliloqueei (outro!), e não cheguei ainda no que interessa. Dizia eu que Xico Sá é um cabra que sabe escrever. Combinando erudição e populachos mil (e dos melhores), o escritor faz uma verve única para suas crônicas, que falam basicamente dos universos masculino e feminino (alô Pepeu!) e as disputas, lutas e nuances inerentes às classes. Um tema tão batido e, ao mesmo tempo, tão novo nas mãos desse cara. Ponto pra ele.

Xico SaChabadabadá é, portanto, uma reunião dessas crônicas que Xico escreve para os mil veículos com os quais colabora. Uma espécie de continuação de seu livro Modos de Macho & Modinhas de Fêmea, também lançado pela Record. Nesse livro, porém, surge a atualização do tema: a entrada (ui!) em nossa sociedade dele, o temido metrossexual, o sujeito que usa tiara, creminhos, roupas da Lacoste, ouve The Strokes e finaliza o fliperama de dança (opa, confundi as preferências sexuais, mas a ideia é essa: o hômi afrescalhado porém não completamente baitola). Também entram na ordem do dia as fêmeas predadoras, mulheres que exigem, escolhem, liberam-se sexualmente, levantando uma bandeira que nenhum sovaco cabeludo ou falta de sutiã poderia representar.

É até intrigante pensar como o autor divide seu tempo entre o Microsoft Word (ou outra ferramenta para dar vazão à sua verborragia, num bom sentido), as leituras dos clássicos, que são muitos — o leitor menos experimentado se perde entre as citações e referências — e a boemia, de onde, ao que parece, tira a maior parte de seus motes. Deve ser um dessa raça que o Millôr descreveu no prefácio do livro do Stanislaw, que saem do bar às 3h, estão na praia às 7h, e na máquina de escrever às 10h. Só isso explica, acho eu.

Essa edição da editora Record me surpreendeu positivamente. Que escritor não queria ter um livro com esse projeto gráfico? Pra começar, formato quadradão de almanaque que ganha o coração dos abestados e o respeito dos letrados, que vão ter algo diferente para fazer vista na estante. Depois, ilustrações — e muitas! — do mestre Benício, o cara das pin-ups. Se fosse só um livro do Benício já valia a compra, mas os caras juntaram isso às crônicas saborosas do cearense, e o livro ficou um pitéu. Papel pólen, fonte Filosofia (conhecia essa fonte? Acho que nem eu) e paginação só do lado ímpar, o que, embora seja um charme para formato de almanaque, é um pouco irritante para meus tocs, já que eu só leio a paginação do lado par. Mesmo assim, sensacional, capa coloridassa com direito a alto-relevo brilhante em papel fosco.  Bacaninha, né?

Ah, olha só, essa semana, o lado A traz uma entrevista com o autor. Vejamos se funciona esse negócio de completar o lado A com o lado B e vice-versa, né? Passa lá e fala tu.

Comentário final: 181 páginas em papel pólen soft quadrado. Porrada na sua cara!

Stanislaw Ponte Preta – Febeapá

FebeapáQuarta-feira, molecada! Mal a semana começou e já estamos chegando no meio dela, rumo ao glorioso feriado! Bem, nem tudo são flores: para os meus amigos militares, não é feriado, o sete de setembro, é uma data tão festiva, mais uma piada nessa terra tão querida (Blind Pigs entrando aqui no texto). Então, pra vocês é 1, 2, 1, 2, esquerda, direita, esquerda, direita, paga flexão, come gororoba, lambe o coturno, apanha o sabonete! Só não sinto pena porque vocês estão mais ricos do que eu.

Stanilslaw Ponte Preta: taí um autor que eu nunca quero que vocês conheçam, porque senão, esse blog vai ficar jogado às moscas. Ninguém nunca combinou tão bem inteligência, erudição, linguajar maroto e escrita fluida quanto Sérgio Porto, identidade secreta do Ponte Preta. E esse livro — é mentira, mesmo correndo o risco de ser abandonado, quero que vocês conheçam — é Stanislaw Ponte Preta em sua melhor forma.

Febeapá, para quem não sabe, é o Festival de Besteiras que Assola o país, um compêndio das asneiras que rolam na nossa sociedade e na nossa política, em especial na época da ditadura, período que Sérgio Porto cobriu intensamente. Se bem que, não é preciso ser muito esperto pra saber que besteira na política não é um privilégio da milicada. A única coisa que mudou é não temos mais quem faça esse trabalho sujo de Stanislaw, que morreu junto com seu alter-ego, precocemente, aos quarenta anos, de tanto trabalhar, eu imagino. O livro em questão compila os três volumes de Febeapá que saíram aí no mercado editorial da época, junto com umas crônicas ótimas e engraçadas, para quem quer dar umas risadas.

E é impressionante o quanto se conseguiu reunir em tão pouco tempo. A frase que abre o primeiro volume é a mais pura verdade: ou o Brasil acaba com a besteira ou a besteira acaba com o Brasil. Coisas absurdas como impedir que a Alemanha Oriental tocasse o hino do país durante um jogo de futebol, por ser um ato subversivo, ou uma batida policial no teatro para prender o tal do Sófocles, que escreveu essa peça suja cheia de sacanagem, ou ainda a tentativa de se instituir o “Dia do Pobre”, para homenagear essa grande parcela da população, ou um vereador de Mafra (SC), que queria pedir em plenário que se fabricassem fósforos de duas cabeças para economizar o pauzinho. Enfim, poderia ficar aqui contando várias histórias para atiçar o gosto de vocês, é e isso mesmo que vou fazer agora: prefeitos no Rio Grande do Sul que inauguram bebedouros públicos para cavalos e dão o primeiro gole com as mãos em concha, dizendo “Tá inaugurado, tchê!”; pessoas que mandam cartas para Belém, no Pará, e, os analfas do Correio que não entendem a letra, mandam para Berlim; um campeonato de futebol patrocinado pela Brahma, onde os locutores da Tv, ao saberem que tinha lá um jogador do Galo chamado Grapete (concorrente da Brahma), resolveram só chamar o sujeito de “Guaraná”. Já tão querendo correr para comprar esse livro? Ótimo, continuemos.

Sérgio PortoAs crônicas do livro, parte do compêndio do Febeapá, também são valiosíssimas. Nela, vemos a qualidade da veia humorística do autor, que criou uma família de personagens fictícios inesquecíveis, dos quais o mais presente é o primo Altamirando, o malandro maconheiro da família. Ele arruma negócios escusos, campeonatos de futebol com a bandidagem, com escalações hilárias que vieram muito antes do pessoal do Rockgol. E vários outros personagens esporádicos, todos com o seu valor, fazem o leitor vencer o calhamaço de páginas como se fosse uma volta no parque (jargão militar dos filmes de ação, adoro isso: “volta no parque”. Esse pessoal que acha fácil dar volta no parque deveria visitar ali o Jardim Botânico em um sábado de sol).

Quando Sérgio Porto morreu, morreu com ele parte desse humor montado na erudição, e as pessoas passaram a achar que a comédia é uma coisa feita de gente burra para gente retardada. E aí ferrou-se tudo, amigo, saiu neguinho por aí fazendo comédia romântica, sátira de filme de terror, seriados sobre amigos que dividem apartamentos, neguinho gravando vídeo no Youtube dizendo que odeia isso e odeia aquilo, etc. Temos, felizmente, alguns receptáculos desse legado, o mais bem sucedido no momento é o Xico Sá (em breve, resenha sobre ele). Acho uma pena, mas acredito nesses heróis que sobraram e que vão levar o movimento adiante.

A editora Agir é uma santa mesmo, relançando a obra completa do autor em livros maravilhosos, de papel pólen soft, fonte Bakersville, formato grande, cabeço vertical charmosão, e ilustrações do glorioso Jaguar, e são várias ilustrações, tipo, uma cacetada delas. Ponto, ponto, ponto! Esse livro ainda tem o prefácio de Millôr Fernandes e o posfácio da acadêmica Berenice Cavalcante, mostrando que há lugar para todos os leitores em Febeapá, e na literatura de Sérgio Porto de uma maneira geral.

Uma última curiosidade sobre o autor: ele foi o autor do Samba do Crioulo Doido, clássico do samba nacional, e inclusive recebeu, na ocasião, uma ligação do ex-presidente JK (tô abreviando porque acho complicadão escrever o nome dele), para agradecer a menção no começo do samba — a única parte coesa da música. O cara é demais ou não é?

“Mas Yuri, e o Lado A?” Ah, sim, claro, o Lado A, é lá na revista Paradoxo. Nessa semana, um livro da Natalia Ginzburg, da lindíssima coleção Mulheres Modernistas, da Cosac Naify. Corram lá!

Comentário final: 398 páginas pólen soft. Deixa você com orelha de lutador de jiu-jitsu.

Enrique Vila-Matas – Suicídios Exemplares (Suicidios ejemplares)

Suicídios exemplaresEis que, no fim do mês passado, bem naquele período de apertar o cinto, quando sobra mês pro salário, a Cosacnaify, editora que adoro e admiro, resolveu fazer uma vileza com todos nós: colocou em sua loja virtual uma promoção de 24 horas com livros caríssimos pela metade do preço. Era Moby Dick saindo a 55 reais, trilogia do Górki a um galo, ensaio do Levi-Strauss saindo mais barato que cd do Calipso. Enfim, bate aquela sensação de que o mundo inteiro está se divertindo e você aí, na pior. Eis que minha mãe surge para livrar-me da dor de ver e não ter e disse “escolhe dois aí de presente de dia do amigo”! Gente, que mãe legal! Sem pestanejar, escolhi dois livros do espanhol Enrique Vila-Matas. Li um deles e agora estou aqui para comentar com vocês, queridos leitores, a genialidade desse rapazote no livro Suicidios Exemplares.

Deus sabe que não gosto de livro de contos. Dos contos sim, gosto muito, e leio com prazer. Mas livros de contos — vai vendo — são cansativos a dar com pau: o desgaste de entrar no clima de uma história para logo sair dela é um ônus do costume de ler romances. Quando eu lia só contos, achava tranquilo. Mas aí é que tá, camaradinhas: não experimentei esse cansaço nos contos do barcelonês. Talvez, por todos eles serem permeados pelo mesmo tema: o suicídio.

A ideia de um suicídio exemplar é doidona, tá ligado. Aliás, suicídio é um conceito com muitas limitações de caracterização: não pode ser ideal, não pode ser exemplar, e por aí vai. Mas o que Vila-Matas fez, de maneira diabólica (e Vila-Matas ao contrário é Satam Alive, né?) foi explorar o tema e quase esgotá-lo em narrativas eletrizantes. Nelas, o suicídio não só o desfecho lógico como também a justificativa para a própria literatura. Já diziam esses sujeitos emos tipo Cioran, que o suicídio é um ato de afirmação. A morte é a verdade do amor e o amor é a verdade da morte, diz o espanhol lá em dado momento. E a afirmação de Vila-Matas na literatura é justamente a do sumiço, é ou não é? De Bartleby e Companhia, que trata do ofício de desistir de escrever, passando por Doutor Pasavento, que aborda o desejo de desaparecer, o suicídio também pode ser essa saída à francesa, quando não é aquele escarcéu de pobre de “aaaaaargh, eu vô pulááááá”. Talvez seja esse o exemplo dos suicídios do livro afinal: não incomodam ninguém, e são sabidos apenas dias depois.

Enrique Vila-MatasEntre os contos, dois são excepcionais: “As noites da íris negra”, um conto que desafia sua capacidade de largar a leitura no meio da história. Fala do mistério que envolve a morte do pai de uma gatinha que o narrador tava a fim de carcar, e falar mais do que isso é um crime ao conto. E “Pedem que eu diga quem eu sou”, onde o autor vira personagem e trava um diálogo sensacional com um pintor metido a sabichão, considerado o último dos realistas por pintar placidamente um povo “verdadeiramente diabólico”. Esses dois contos — trocadilho prego — dão conta de exemplificar o poder da narrativa de Vila-Matas, seja qual for o aspecto principal da narração, o diálogo ou a descrição. Em descrição, aliás, o penúltimo conto, “O colecionador de tempestades” descreve um ambiente tão sombrio quanto engraçado, e fecha o livro com uma ideia: todo suicídio acaba sendo um espetáculo. Digo penúltimo porque o último mesmo é um trecho de uma carta do gordinho Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa antes de seu suicídio, lhe informando da chegada da estricnina. O título, que abre o excerto da carta, “Mas não façamos literatura”, é um capítulo a parte, uma resenha a parte, que nem eu nem você iremos fazer.

Acho que comentar o projeto gráfico da Cosacnaify é dispensável, né? Os livros são todos sensacionais. Essa coleção do Vila-Matas principalmente. Com essas fotos da Corbis e essa preparação da capa, a gente tem a certeza de que fez um negócio da China por comprar o livro pela metade do preço. Aliás, sugiro entrar ali no blog da editora para ver as capas alternativas a esse livro. Acham que ficaria melhor? Eu, particularmente, não acho. Essa foto matou a pau.

Ô velho, esse cara é a cara do Ney Latorraca ou não é?

Comentário final: 205 páginas em papel pólen soft. Pouca coisa, seu fresco! Toma mais!

Herman Melville – Bartleby, o Escrivão (Bartleby, The Scrivener)

Oi Yuri, como você está? Eu estou bem, gentileza sua perguntar. Como foi a banca da monografia? Ótima, amigo, nota dez pra refrescar a cabeça depois de ano e meio de trabalho. E agora, bola pra frente e taca carvão nessa máquina massacrante de literatura que é o Livrada!

Meus amigos, em verdade vos digo: às vezes é um pouco trabalhoso conseguir ter alguma parte da cultura coletiva instalada na sua cachola. Claro que muita gente já ouviu falar de Moby Dick, mas você sabe de verdade quem já leu? Pouquíssimas pessoas. A mesma coisa com Dom Quixote. Se você quiser bater no peito e falar que leu a obra-prima do Cervantes, vá lá, mas prepare-se para centenas de páginas para serem vencidas, caso contrário, a única coisa que você vai saber sobre o engenhoso fidalgo é que ele, durante umas duas páginas, fala de uns tais moinhos de vento. E aí se prepara para os pescotapas e os amigos te zuando de leitor de orelha e afins. Agora, existem livros menores e mais fáceis de serem lidos, entendidos e utilizados em suas conversas de boteco. Pra isso, o papai aqui dá a dica: Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville.

Mais por desencargo de consciência — acredito que a maioria dos meus leitores já deve ter lido esse livro — a história fala de um advogado de Wall Street que contrata um copista pra ajudar nas tarefas, que só aumentam. O sujeitinho é estranho, não conversa, não come e não lê nada. Mas enfim, era o começo daquela falta de interesse na vida alheia que assola a modernidade desde que instituíram a bisbilhotice como coisa típica de gente da roça. Então ele vai deixando passar. Até que um dia, Bartleby se recusa a fazer a tarefa que lhe é conferida. E a partir daí, não faz absolutamente mais nada, sempre respondendo com o seu inigualável bordão: “Acho melhor não”. Tá, não contei absolutamente nada de novo pra vocês, né?

Primeira consideração sobre esse livro: Claro que o personagem de Bartleby é cativante (menos naquela montagem teatral que fizeram da peça. Sem querer ser machista, mas acho que igualdade de sexos não serve na hora de interpretar papéis masculinos), uma análise mais fria (e simplista) da história pode mostrar que o Bartleby é só um obstáculo, uma parede em um beco sem saída na qual o narrador advogado bate constantemente, a cada tentativa de gesto de boa vontade por parte dele. O advogado, esse sim, é o mérito do conto de Melville. Na narração em primeira pessoa, a primeira frase do segundo parágrafo justifica o livro inteiro: a ideia sustentada por ele de que a vida mais confortável é a melhor. E o que é mais confortável do que ignorar a existência de um problema, como ele faz? A construção desse personagem é que é o barato do livro, e vocês hão de concordar que muitos de nós não agiríamos diferente do narrador, em prol da civilidade que neguinho brada aos quatro ventos.

Segunda consideração: Melville antecipou em uns 80 anos o tipo de suicídio social que a gente vê hoje, a vagabundagem por opção. Claro que ninguém nunca ficou sabendo por que Bartleby deixou de viver, e nem era a intenção explicar isso. Sabe, né? Mesma coisa da prevaricação da Capitu, o buraco que o autor deixa pra fazer a obra perdurar em debates bestas de professorinhas de literatura que organizam tribunais na sala, dividindo em acusação e defesa da cigana os mancebos, que, a essa altura, só estão querendo saber mesmo é de ir pra casa fazer negócios escusos. De qualquer jeito, essa vagabundagem por opção, essa decisão por não fazer mais nada é algo que instiga tanto todo mundo como se ninguém nunca tivesse preferido não fazer alguma coisa. De Enrique Villa-Matas, que usou o nome do copista para fazer um livro sobre os escritores que deixaram de escrever (aliás, alguém aí já leu Villa Matas? Qual livro deles recomendam?), a Homer Simpson, que já dizia que se algo é muito difícil então não vale a pena ser feito, todas as vontades passam pelo filtro de nosso juízo, que analisa cada situação e vê se a gente não vai dar com os burros n’água. Viram isso que eu escrevi? Um péssimo jeito de terminar um parágrafo. Anotem e aprendam como não fazer.

E chega de papo, vamos falar desse projeto gráfico da Cosacnaify. Já me dei conta que a editora está mesmo no ramo da arte, e juntar a arte de fazer um livro com a arte da literatura. Essa edição maravilhosa vem toda costurada artesanalmente, e, para começar a ler o livro, você precisa descosturar a capa e abrir (de preferência com um estilete ou um abridor de correspondências; eu usei minha inseparável balisong) cada par de páginas. Para isso, eles fornecem um marcador transparente, que não é exatamente a ferramenta ideal, mas é bonito e serve como um marcador mesmo, para a VIDA. Só fiquei um pouco triste porque a capa é de couro verde, e, devido às condições insalubres do meu apartamento, ela acabou mofando e desbotando em algumas partes. Mas tudo bem. Ah, comprei esse livro por R$1,50 porque a Saraiva tava fazendo uma promoção com ele a R$16,50, valor do qual abati quinze reais com meu cartão fidelidade (cartão fidelidade, aliás, é um conceito muito agressivo. Pensar que alguém é fiel a uma loja é rebaixar a dignidade humana a uma subserviência comerciária. Desprezível *ptuu* cospe no chão). Tudo isso para você ser ainda mais ativo ao ler o livro e, ao contrário de Bartleby, achar melhor sim, abrir cada página do livro pra saber o que acontece. O livro vem embalado no plástico que traz o bordão de Bartebly estampado, uma provocação pra você ler o livro. Aliás, “Acho melhor não” é a tradução que melhor cai aos ouvidos, da expressão original “I rather not”. Traduzir ao pé da letra — o “prefiro não” da peça já mencionada e da edição publicada da L&PM realmente não desce redondo. Assim como utilizar a palavra “Escrivão”, ao invés de “Escrituário” das outras edições também ficou melhor, na minha singela opinião. Ah, esqueci de dizer que o posfácio é assinado pelo Modesto Carone, o homem-Kafka, que, obviamente, não deixa de citar o escritor tcheco. Fico imaginando se, ao invés do Caetano, o pessoal do Segundo Caderno entrevistasse o Carone. “E aí, Sr. Carone, o que o senhor acha dos discos lançados apenas na internet?”, “Ah, veja bem, Kafka…” (Brincadeira, hein, Modesto).

Comentário final: 46 páginas offset. Se for bater em alguém com Melville, ainda é melhor usar o Moby Dick.

Leo Frobenius e Douglas C. Fox – A Gênese Africana (African Genesis – Folk Tales and Myths of Africa)

Em época de Copa do Mundo, nada existe e nada funciona de verdade, certo? Errado, campeão. Continuamos com a obstinada missão de comentar e trazer ao conhecimento do público livros da boa literatura, sem necessariamente recair em maneirismos críticos.

Vou ser sincero: Escolhi aleatoriamente um livro na minha estante. Calhou de ser esse. Tem culpa eu se a Copa do Mundo está rolando na África e nós aqui estamos falando de cultura africana? Tenho nada a ver com isso não, hein? Esse blog é isento de dinheiro, bom senso e não mama nas tendências desse mundo fashionista, moro? O livro em questão é A gênese africana – Contos, mitos e lendas da África, escrito por Leo Frobenius (já falo dele) e organizado por Douglas C. Fox (não vou falar nada dele, nunca ouvi falar nesse gajo). O livro busca, como diz o título, realizar um apanhado de lendas e mitos formadores da cultura africana em seu primórdio, ou seja, ver o que esse povo pensava quando não estavam preocupados pensando em comida (ô, maldade!).

Leo Frobenius — agora sim, vamos lá — é uma figuraça, como vocês podem ver nessa foto biíta dele. Antropólogo e etnólogo alemão (por isso, além de encaixar em literatura africana, também vai ganhar a tag de literatura alemã, para estrear a categoria), percorreu, no começo do século XX, as grandes savanas e desertos africanos em expedições dignas de um Indiana Jones comedor de chucrute para resgatar a origem das tradições de alguns dos principais povos de lá, em especial os cabilas, povo que morava onde hoje é a Argélia. Mas além disso, cavucou alguns mitos soniqueses, fulas, mandeses, nupes e hauçás (sim, hauçás, aquele povo zangado da Nigéria). Ah, e rodesianos do sul também, onde hoje é o Zimbábue. Sabe aquele povo que fala estalando os dentes? Pois é. Baseado nisso, fez um dos maiores compêndios sobre mitos africanos já reunidos, que depois deu origem a uma infinidade de livros charlatães que se propuseram a fazer o mesmo com outras civilizações, dignando-se a reescrever as lendas com algumas variações. Duvida que exista gente tão pilantra nesse mundo? Teste rápido para os folcloristas: já ouviram aquela lenda do crânio falante, que faz o guerreiro iludido trazer o rei para vê-lo e, diante da mudeza súbita da caveira, resolve matá-lo? Pois é, amigo, é uma lenda nupe, sim senhor, e você passou a vida achando que era angolana, ibo, até mesmo dos escravos brasileiros que vieram de Angola. Inclusive virou uma novelinha daquele “Casos e Causos” da Revista RPC. Pra quem não sabe o que é Revista RPC, considere-se afortunado.

O grosso do livro, realmente, é o material cabila coletado por Frobenius. Muito legal ver que a ideia que eles tem do gênesis, além de ser muito diferente da Bíblia (mantendo-se alguns aspectos como o do primeiro pai e primeira mãe), não fazem o menor sentido. Anacronicamente, é muita falta de noção desse povo, hein? Mas também, amigo, queria o quê? Poesia homérica nascendo ali no meio do pessoal que vive correndo de leão? Salmo 23 escrito por um negão entre uma matada de mosquito e outra? Você sabe que não rola. Ainda assim, vale a leitura se você conseguir sacar como essa tigrada pensava no começo da raça humana. Vou dizer: não é muito diferente de um sonho ou uma bad trip. E os mitos e fábulas deles são engraçadíssimos porque, além de não fazer o menor sentido, como já disse, também não tem aquela preocupação de moral da história que fez tão famosa a literatura xinfrim européia (européia ainda tem acento? Ajudem aí, linguistas, tô sem a gramática por perto). Pérolas do tipo: A raposa queria comer uma galinha. Aí o leão disse: ‘vai lá e se finge de galinha’. Aí vem um cara e mata o leão. Inevitável aquela cara de “what the fuck?” nessas horas.

E vamos ao projeto gráfico do livro. Olha, pra uma editora mais lado B como essa Landy Editora, esse livro está bem decente. Tem um prefácio do Alberto da Costa e Silva, que eu não conheço e já não gosto (nada pessoal, Sr. Costa e Silva, mas, além do seu sobrenome nada amigável, o senhor é imortal da ABL e, até vocês me chamarem pro grupinho, tô torcendo contra, hein?) Apesar do maldito papel offset, a fonte não é das piores e o cabeço é, pelo menos criativos. Ah, e não faltam ilustrações bonitas e toscas, feitas por uma tal de Kate Marr, funcionária do Forschungsinstitut für Kulturmorphologie in Frankfurt-am-Main (quer saber o que é isso? Faça como eu e comece a frequentar as aulas de alemão). Além disso, alguns retratos desenhados durante as expedições, feitos para você saber que seu senso de beleza e estética está completamente engessado por modelos magrelas, branquelas, que são só titela (pra rimar). Uma capa bacaninha, como vocês podem ver, e folhas de respiro no começo e no final do livro todas pretas e em papel cartão, pra ficar mais tchananã. Ah, e por incrível que pareça, não é difícil achar esse livro. Só não lembro ainda por que foi que eu o li. Tinha uns 16 ou 17 anos na primeira lida. Bom, nem Deus sabe o que passa na cabeça da gente quando a gente é adolescente, né verdade?

Comentário final: 238 páginas compridas em offset. SHHHHPAW!!!

Nelson Rodrigues – A vida como ela é…

Nelson Rodrigues! Essa pessoa amabilíssima, agradável, que quase nunca fala merda, que ama e dá aos pobres, que não faz ideia errada da gente, esse moço, pobre moço, que teve o azar de morrer no dia em que ganhou na loteria. Nelson Rodrigues era dessa época em que jornalista não era gente, salário não era dinheiro e dignidade não era poder (tá, isso não faz o menor sentido). O que eu quis dizer é que ele era daquele time de escritores enfurecidos que batiam as teclas até gastar as falanges. E como escrevia, este velhus decreptus. Como a época exigia quantidade em detrimento da qualidade, Nelson padronizou sua escrita.

Manja aqueles desenhos da Hanna-Barbera? Cenários que rolam ao fundo, cabeças que mexem enquanto o corpo fica parado pra não gastar com animação (isso, aliás, gerou toda a sorte de bizarrices como dinossauro de gravata, crocodilo de gravata, leão de gravata… Êta bicharada escrava do colarinho!) e eteceteras malandronas que colocaram a beleza dos desenhos da MGM numa situação inviável. Bom, Nelson Rodrigues fez algo parecido com seus textos. Elementos que sempre retornam, ideias que são marteladas, personagens frequentemente visitados, tudo isso fazia o ofício de sentar ali e escrever qualquer merda por dia uma coisa mais fácil.

Variações sobre mesmo tema. Eis o segredo do escritor em A vida como ela é… e outros textos. Assim como as letras de axé, as novelas do Manoel Carlos e os acordes dos Ramones, tudo em Nelson Rodrigues parece ser gerado por um software especializado. Mas pera lá, camarada! Isso não quer dizer que a obra do velhaco não tenha seu valor, muito menos que seja uma obra ruim. Nelson Rodrigues era foda, acho bom ninguém discutir nesse ponto. E A vida como ela é… taí pra martelar o dedo de quem discordar.

Historietas sobre os recalques da classe média e alta, tabus mil, tudo o que há de podre no reino da Dinamarca esse corno escreveu. Fica difícil criar alguma coisa depois disso. No livro, cem, eu disse CEM continhos estão publicados, e olha que não foram todos.

Ler esse livro de cabo a rabo (quem curte expressões de livro como “ler de cabo a rabo”, “ler numa sentada”, etc? Levanta a mão aí!) pode te causar náusea, e até mesmo odiar o autor. Vai dizer “porra, tudo a mesma coisa!”. Mas isso é pra você (e claro, pra mim. Eu só pareço velho), que não lia toda semana o seu espacinho no jornal. Por isso meu conselho é deixar esse livro na cabeceira e de vez em quando, ler algum.

E que coisas estranhas essas historinhas guardam! Meninas que morrem subitamente, com um golpe de ar — sério, que povo fraco é esse do meu Brasil?; mulheres que tratam seus maridos de “meu filho” como hein “Ih, meu filho, sua batata tá assando”. Gente que responde taxativamente “É batata!” pra tudo. “E ela morreu assim, subitamente, com um golpe de ar?” “Batata, meu filho!”. E tem mais, tem mais: gente que fica repetindo a mesma frase pra dar ênfase como em “E tem mais, tem mais!”; sujeitos com leves tendências pedófilas que chamam as gostosas de “pequena”; gente que fala “Tu és de morte”; motoristas de ônibus que atropelam os outros sem dó; garçonières em Copacabana, de amigos alcoviteiros (talvez naquela época Copacabana não fosse o lugar onde as pessoas mais eram vistas na face da terra); cartinhas anônimas pro corno lerdo, enfim, todo um universo que se repete e se rearranja de todas as maneiras possíveis. Isso, meus queridos, é Nelson Rodrigues em A vida como ela é… E nem me fale daquela versão televisiva que passava no Fantástico e era narrada pelo Zé Wilker, que aquilo me dá nojo. Melhor ler o livro mesmo.

O motivo principal pra preferir a história no livro do que na boca mole do Zé Wilker é essa edição da editora Agir. A editora Agir não era nada antes de ser comprada pela Ediouro. Deu uns cinco minutos nessa editora em 2004 em que tudo mudou! A cada dia me surpreendo mais com os projetos gráficos dela, e com a escolha de autores também. Fizeram esse livro gigantesco, lindo para o ano em que ele foi lançado (tem que ver que há uns dois anos fazer livro virou coisa séria pras editoras), apesar do MALDITO papel offset, de gramatura baixa ainda. De qualquer jeito, vale pela capa e pela falta de economia nas páginas. Mas não tente carregar ele por aí, você só vai se fuder, e seu massagista vai ficar rico.

SOBRE A PROMOÇÃO: Tô gostando de ver a galera comentando aí. O comentário de número 500 vai ganhar o livro Plataforma, do francês boiolinha Michel Houellebecq. Literatura de primeira para os meus leitores de primeira (sentiu a puxada de saco? Então comenta aí, cacete!).

Comentário final: 605 páginas em offset. O livro que extinguiu os dinossauros.

Lygia Fagundes Telles – Meus Contos Preferidos

Não há dúvidas de que a senhora Lygia Fagundes Telles é, talvez, uma das escritoras mais originais do Brasil que ainda respiram. E nesse sentido, acho legal as faculdades que colocam livros dessa simpática e perturbada vovó na lista das obras obrigatórias para o vestibular. Em meio à tantos floreios parnasianos da literatura hã… clássica brasileira, as verdadeiras odisséias na maionese dos contos de Telles são um oásis em meio a um strokes. Peraí que não gosto nem de oásis nem de strokes. Digamos então que é como um dead kennedys em meio a um monte de parangolés. Quem a vê, com aquela cara de quem é da turma de oração da minha vó nunca imagina que Lygia escreve coisas como um gato que quer transar com um quadro (ou algo assim).

É um fato também de que a escritora é muito mais reconhecida por seus contos do que por seus romances, e isso, camaradinhas, é honra pra qualquer um que escreve contos. Considerado um gênero menor, o conto é aquela coisa que as editoras “suportam” enquanto um romance novo não aparece (há uns tempos atrás teve um G ideias bem legal sobre isso, busquem lá). E Lygia Fagundes Telles escreveu romances, meus amigos, romances reconhecidamente bons inclusive, como As Meninas (bom xi bom xi bom bom bom) e Ciranda de Pedra, que virou novelinha da Globo. Mas é realmente no conto que ela prova a que veio. Com poucas (bom, às vezes muitas) páginas, ela consegue montar verdadeiras tensões, angústias e qualquer outra coisa que ela queira porque ela é FODA!

E tudo isso pra falar de sua antologia pessoal, intitulada Meus Contos Preferidos. Acho que preferidos não só da autora mas também da torcida do Flamengo. O livro é só história boa, e são muitas: Tem aqueles Venha Ver o Pôr do Sol e As Formigas, ambas de arrepiar os cabelos do cu, WM e Pomba Enamorada, sobre gente louca (sempre um bom tema), Verde Lagarto Amarelo, um conto que parece muito a história dos irmãos Ivan e Sério Sant’Anna (oooopa, peguei na ferida, hein?) e tantos outros… Eu particularmente, gosto muito do conto O Moço do Saxofone. Ri pra cacete lendo a história de um saxofonista corno que mora na pensãozinha onde sua mulher roda mais que pião maluco. E claro, não podemos deixar de esquecer de A Presença, o conto que todo mundo lê e fala “caralho, quem me dera escrever uma coisa dessas…”.

Em se tratando de uma antologia, na qual os contos estão ligados não por um fio de coerência ou temática, mas apenas por laços afetivos, é muito difícil comentar sobre esse livro como um todo. O que dá pra dizer que os contos favoritos são todos loucos, ah, isso dá! E que a edição da editora Rocco ficou excelente, não fosse o maldito filho da puta papel offset. Quando é que vocês vão parar com isso, gente? Parece que a bola agora está com a Companhia das Letras, que está lançando uma coleção bem menininha dos livros da escritora, mas, como este ainda não foi pra lá, tratemos da Rocco mesmo. Tem um cabeço meio escroto, mas a fonte, com os títulos em itálico, quase compensam a falta de tato na escolha do papel (e não venha dizer que é muito mais caro botar papel pólen soft quando um livro é vendido por 45 reais). A capa é bem simples, mas muito legal, tanto que faz par com a outra antologia da escritora, Meus Contos Esquecidos, com cinta dourada. Meu último comentário é uma pequena crítica sobre a qualidade da cola para fazer a encadernação de brochura: a capa soltou do miolo em pouco tempo de uso. E olha que cuido benzão dos meus livros. Puta falta de sacanagem!

Comentário final: 318 pesadas páginas em offset. Vai ficar difícil expressar seus sentimentos com a mandíbula partida em três lugares (Ética e Política da Amizade).

Pedro Juan Gutierrez – Trilogia Suja de Havana (Trilogia sucia de la Habana)

Estenda sua mão, dê um pescotapa e diga “se liga, mané”  em quem disser que Pedro Juan Gutiérrez escreve de um jeito bem parecido ao de Charles Bukowski. Essa afirmação é de uma imbecilidade que deveríamos ignorar, mas, ao invés disso, vamos explicar direitinho, para encerrar qualquer discussão.

Embora o Realismo Sujo (gênero de Gutiérrez) tenha alguns elementos físicos da literatura beatnik (de Bukowski), a forma como esses elementos são tratados é bem diferente. A principal diferença é que no Realismo, os espaços urbanos não são concebidos para serem o que são, e o personagem realista transite por esse espaço como um estranho, ao passo que os beats (bear, beats, battlestar gallactica) são incorporados ao lugar e sua destruição (boemias, sarjetas, bàs-fonds, etc). É uma explicaçãozinha meio rápida e vazia, mas se você quer aprender alguma coisa a fundo, sugiro não tentar fazê-lo em blogs.

Dizem que o cubano Pedro Juan resolveu escrever esse livro depois de ver uma criança fuçando o lixo em busca de comida, em plena Havana. É uma imagem poética para uma realidade ainda mais dura. Cuba passava por uma grande crise na década de 90, nos anos que se seguiram ao fim da União Soviética, a única amiguinha daquela ilhota em mais de cinquenta anos. Não havia comida, dinheiro, remédios, energia, nada. A maioria dos veículos de comunicação havia sido fechada por intervenção do governo. Para piorar, a vida do autor ia de mal a pior. Tinha três filhos para sustentar (sendo um bastardo), ganhava três dólares por mês e sua mulher estava a ponto de deixá-lo quando descobriu que ele tinha pelo menos umas seis amantes. Ficou completamente abandonado. E então escreveu essa coletânea de contos duros, crueis e desencantados com a realidade do país.

Tem de tudo na Trilogia Suja. Estupro, tráfico de órgãos, de drogas, de comida, tráfico de tudo na verdade, assaltos, assassinatos, e muito sexo, sempre. A literatura de Pedro Juan recende a cecê de longe. Difícil ler este livro e não se sentir incomodado pelas situações ali descritas, em uma mistura de ficção e realidade.

Hoje em dia, a edição que se encontra é a da Alfaguara (por isso mesmo vou colocar a tag na editora), mas eu li a publicação da Companhia das Letras. Um livro menor em tamanho, com uma fotografia sensacional na capa. Em tons pastéis, o fotógrafo captou muito bem a essência da literatura e da  Cuba de Gutiérrez (aliás, as fotos dos outros livros do autor também são sensacionais). A edição da Alfaguara tem um acabamento característico da editora, que é de excelente qualidade. A capa porém, preferiu privilegiar essa pluralidade (cheio de palavra com pê, hein?) de elementos da cultura latino-americana, colorida e um pouco sombria no conjunto. É bem da cultura cubana, mas pouco tem a ver com a escrita do autor.

Fui apresentado à sua literatura pela amada Carla Cursino, e hoje digo a todos: Leiam Pedro Juan Gutiérrez e sua Trilogia Suja.

Comentário Final: 382 páginas pólen soft molengas. Se quiser fazer estrago mesmo, melhor bater com a edição da Alfaguara.