Gabriel García Márquez – Memória de minhas putas tristes (Memoria de mis putas tristes)

Memoria de Mis Putas TristesIh, que isso? Geral desanimado? Faço um post sobre o Coetzee e isso aqui fica jogado às moscas? Vamos reagir aí, galera, a vida é boa, ou pode ser boa, só depende de você e de seis números de 1 a 60, certos na hora certa.

Hoje vamos cá falar nesse post mais curto, sobre um livro curto do Gabriel García Márquez, último lançado por ele se não me engano. Tudo bem que ele ficou doentinho por esses dias, mas prêmio Nobel do saco roxo escreve livro até quando tá com cara de tartaruga velha, como o finado Saramago (que Deus o tenha). Não gostaria que esse fosse o último livro que ele tenha escrito porque, venhamos e convenhamos, esse livro aqui é meio frustrante. Mas já falemos dele. Antes, um pouco mais sobre o autor.

Pra mim, o leitor de García Márquez é uma completa incógnita. Você consegue até imaginar um estereótipo para um leitor de Crepúsculo, para um leitor de Bukowski, para um leitor de Philip Roth, para um leitor de Almeida Garret, para um leitor de bula, para um leitor de frase de pára-choque de caminhão. Agora, pára e pensa: quem é o leitor de García Márquez? E uma nuvem surge na sua mente. Não dá pra saber. Principalmente quando o assunto é sua tríade máxima: Cem Anos de Solidão (o mais famoso), O Amor nos Tempos do Cólera (o mais bonitinho, que virou filme) e este livro de hoje (o último que saiu, vende até em balaião de livros do Extra). Cabeludões e barbudos das ciências humanas leem, dondocas do Jambalaya Ocean Drive, da Barra da Tijuca leem, adolescentes espinhentos de 15 anos leem — até a minha vó, aquela que gosta de Quando Nietzsche Chorou, lê. Ou seja, temos aí um emaranhado de estereótipos de leitores que não nos permite saber quem é o público alvo do autor. Isso é um problema grande para as editoras, que ficam sem saber como promover o livro. Esse livro, em especial, é tão popular, que foi o primeiro título que pude constatar uma versão pirata. O amigo Cássio tem um exemplar pirateado, coisa mais engraçada do mundo. Nunca imaginei que isso existisse.

Enfim, Memória de Minhas Putas Tristes (é uma memória só, mas é tanto plural no título que não conheço uma só pessoa que não o chame de “memórias de minhas putas tristes”) está para A Casa das Belas Adormecidas, do Kawabata, assim como Sete Homens e um Destino, do Sturges está para Os Sete Samurais, do Kurosawa, ou como Risco Máximo, do Van Damme, está para Caçador de Kickboxer, do Lorenzo Lamas. É chupado sim, amigo, chupadão. Ao menos, é uma “referência” (é, na literatura chama ‘referência’, porque todo mundo é bem educado e tem um Nobel em casa) explicitada na epígrafe do livro, embora seja uma epígrafe tirada da primeira ou segunda página. Mas a orelha, extremamente esdrúxula por sinal (perdão ao autor), trata de entregar as outras ‘referências’ que ele pegou pra fazer o livro: Lolita, do Nabokov e Morte em Veneza, do Thomas Mann (não li, confesso), além de Bela Adormecida, do Perrault. Tudo isso para contar a história de um velhinho jornalista que se apaixona por uma candidata a puta menininha, de 14 anos que — pasmem vocês! — descobrimos que também está apaixonada pelo velho nonagenário. Aí eles ficam umas cem páginas num joguinho de gato e rato e dá-o-doce-tira-o-doce (o doce é isso aí mesmo que vocês pensaram) até que eles se entendem nas últimas cinco páginas, eu acho. Sem querer desmerecer o grande autor, mas que ficou xoxo, ficou. Acho muito difícil achar um leitor costumaz de seus livros que tenham se encantado com esse. A exceção se abre quando, claro, o leitor em questão não leu nenhum desses livros que foi referência para ele. Mas hey, é só a minha opinião, sintam-se livres para discordar.

Gabriel García MárquezO projeto gráfico da editora Record para esse livro é, no mínimo, misterioso: ao passo que foi mantida a lombada de seus outros títulos, bem como a tipologia dos dizeres da capa, aquelas pinturinhas que vinham emolduradas por um livro de uma cor só deram lugar a uma triste foto de um velhinho indo embora para um fundo branco e indefinido, algo do tipo “García Márquez tá indo em direção à luz, gente, vamos dar tchau” (se ele morrer amanhã eu vou me sentir culpado por ter feito esse comentário). Mas, ao menos, é uma evolução do projeto gráfico dos outros livros dele, que tem uma diagramação de página horrível: blocos e blocos de texto em letras negritadas em papel offset muito, mas muito, branco. Dá vontade de passar a borracha nas letras pra ver se ficam com mais contraste com o fundo. Nesse livro não: fonte Minion corpo doze (doze! Que milagre), papel pólen e um cabeço na parte superior que não fede nem cheira, apesar da paginação ser em cima também. Ah, e tem um ponto positivo muito importante: a tradução é do Eric Nepomuceno, fodão.

Ah, e o convite ainda está de pé: mandem fotos de suas estantes de livros comentadas para bloglivrada@gmail.com Aguardo! E lembrem-se: o planeta é de vocês.

Comentário final: 127 páginas pólen soft. Nhé…

Enrique Vila-Matas – Suicídios Exemplares (Suicidios ejemplares)

Suicídios exemplaresEis que, no fim do mês passado, bem naquele período de apertar o cinto, quando sobra mês pro salário, a Cosacnaify, editora que adoro e admiro, resolveu fazer uma vileza com todos nós: colocou em sua loja virtual uma promoção de 24 horas com livros caríssimos pela metade do preço. Era Moby Dick saindo a 55 reais, trilogia do Górki a um galo, ensaio do Levi-Strauss saindo mais barato que cd do Calipso. Enfim, bate aquela sensação de que o mundo inteiro está se divertindo e você aí, na pior. Eis que minha mãe surge para livrar-me da dor de ver e não ter e disse “escolhe dois aí de presente de dia do amigo”! Gente, que mãe legal! Sem pestanejar, escolhi dois livros do espanhol Enrique Vila-Matas. Li um deles e agora estou aqui para comentar com vocês, queridos leitores, a genialidade desse rapazote no livro Suicidios Exemplares.

Deus sabe que não gosto de livro de contos. Dos contos sim, gosto muito, e leio com prazer. Mas livros de contos — vai vendo — são cansativos a dar com pau: o desgaste de entrar no clima de uma história para logo sair dela é um ônus do costume de ler romances. Quando eu lia só contos, achava tranquilo. Mas aí é que tá, camaradinhas: não experimentei esse cansaço nos contos do barcelonês. Talvez, por todos eles serem permeados pelo mesmo tema: o suicídio.

A ideia de um suicídio exemplar é doidona, tá ligado. Aliás, suicídio é um conceito com muitas limitações de caracterização: não pode ser ideal, não pode ser exemplar, e por aí vai. Mas o que Vila-Matas fez, de maneira diabólica (e Vila-Matas ao contrário é Satam Alive, né?) foi explorar o tema e quase esgotá-lo em narrativas eletrizantes. Nelas, o suicídio não só o desfecho lógico como também a justificativa para a própria literatura. Já diziam esses sujeitos emos tipo Cioran, que o suicídio é um ato de afirmação. A morte é a verdade do amor e o amor é a verdade da morte, diz o espanhol lá em dado momento. E a afirmação de Vila-Matas na literatura é justamente a do sumiço, é ou não é? De Bartleby e Companhia, que trata do ofício de desistir de escrever, passando por Doutor Pasavento, que aborda o desejo de desaparecer, o suicídio também pode ser essa saída à francesa, quando não é aquele escarcéu de pobre de “aaaaaargh, eu vô pulááááá”. Talvez seja esse o exemplo dos suicídios do livro afinal: não incomodam ninguém, e são sabidos apenas dias depois.

Enrique Vila-MatasEntre os contos, dois são excepcionais: “As noites da íris negra”, um conto que desafia sua capacidade de largar a leitura no meio da história. Fala do mistério que envolve a morte do pai de uma gatinha que o narrador tava a fim de carcar, e falar mais do que isso é um crime ao conto. E “Pedem que eu diga quem eu sou”, onde o autor vira personagem e trava um diálogo sensacional com um pintor metido a sabichão, considerado o último dos realistas por pintar placidamente um povo “verdadeiramente diabólico”. Esses dois contos — trocadilho prego — dão conta de exemplificar o poder da narrativa de Vila-Matas, seja qual for o aspecto principal da narração, o diálogo ou a descrição. Em descrição, aliás, o penúltimo conto, “O colecionador de tempestades” descreve um ambiente tão sombrio quanto engraçado, e fecha o livro com uma ideia: todo suicídio acaba sendo um espetáculo. Digo penúltimo porque o último mesmo é um trecho de uma carta do gordinho Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa antes de seu suicídio, lhe informando da chegada da estricnina. O título, que abre o excerto da carta, “Mas não façamos literatura”, é um capítulo a parte, uma resenha a parte, que nem eu nem você iremos fazer.

Acho que comentar o projeto gráfico da Cosacnaify é dispensável, né? Os livros são todos sensacionais. Essa coleção do Vila-Matas principalmente. Com essas fotos da Corbis e essa preparação da capa, a gente tem a certeza de que fez um negócio da China por comprar o livro pela metade do preço. Aliás, sugiro entrar ali no blog da editora para ver as capas alternativas a esse livro. Acham que ficaria melhor? Eu, particularmente, não acho. Essa foto matou a pau.

Ô velho, esse cara é a cara do Ney Latorraca ou não é?

Comentário final: 205 páginas em papel pólen soft. Pouca coisa, seu fresco! Toma mais!

Rosa Montero – História do Rei Transparente (Historia del Rey Transparente)

E começou as postagens do meio da semana. Agora é assim. Tá cansado de ter que esperar o domingão, o único dia que você tem pra passar longe de um livro, ou o único dia que você tem pra LER um livro, pra ler uma resenha ixperta aqui nesse blog horroroso (esteticamente falando)? Tudo bem, agora tem postagem quarta feira também, maluco!

Vixe, demorou pra esse livro ser a bola da vez aqui, hein? Rosa Montero é a minha escritora espanhola favorita (até porque nem sei se eu conheço mais escritores espanhóis — e Cervantes não vale né, porra?), e a Historia do Rei Transparente foi o primeiro livro dela que eu li. E digo mais: li no original, em ER-PA-NIOL. Éééééé cumpádi, tá pensando o quê? Aqui não tem filho de pai assustado não! E que satisfação ler um livro tão bom no original. Dá a sensação de que, se alguma coisa se perdeu na tradução, você não deixou passar.

Bom, esse livro é também, de longe, o maior sucesso editorial da Rosa. Ela tem uma santíssima trindade dos seus livros: pra quem curte uma história mais fantasiosa, a História do Rei Transparente não tem pra ninguém. Pra quem curte algo um pouco mais pé no chão e ainda assim, igualmente boladão, o livro certo é a Filha do Canibal. E, finalmente, pros cabeçudos e pseudo-cabeçudos que curtem um ensaiozinho assim, de leve, mel na chupeta, A Louca da Casa é o que há. Espero falar de todos, mas hoje, nos interessa aqui o primeiro, o fantasioso bolado, LESKE (ih, quem não é do Rio boiou agora).

A História do Rei Transparente é o resultado de uma grande pesquisa da autora sobre o período medieval — as cruzadas, mais especificamente. Se passa na frança rural e conta a história de Leola, uma mocinha roceira daquelas de dênti pôdi que dá na festa junina que, um belo dia, se vê órfã no mundo por causa dos cavaleiros que passaram ali e mataram todo mundo. Como não bastasse, o namoradinho, Jacques, se manda pra lutar pela causa, arrastado contra sua vontade. Sem ter muito o que fazer, ela se veste com a armadura de um homem morto e se passa por homem para sobreviver em um mundo de homens. E não é isso que a mulherada (não todas, só as que tem juízo) anda fazendo nos dias de hoje?

Aventurando-se pelo mundo, ela conhece Dhuoda (gente, desculpa se os nomes são outros na versão traduzida, ok?), uma bruxa que não é bruxa mas sim, antes de tudo, uma mulher de razão e conhecimento, a bruxaria da época (deixa só eles saberem que ser bruxa hoje é ser gordinha de batom preto, cabelo bom e escutar Tristania). Juntas, as duas vão, aos poucos, arrebanhando um exército de desajustados, ou melhor, de desqualificados para a época. Anão, gente com síndrome de down, enfim, tudo com o que o Todd Solondz poderia fazer uma piada só está ali, é a sua trupe.

A História do Rei Transparente é, antes de tudo, um romance sobre a intolerância e sobre a inadequação ao mundo — algo que todos nós (não todos, só os que têm juízo) já experimentamos uma vez ou outra. Sabe aquelas merdas que falam sobre os clássicos da literatura que é um livro que, embora se passe em outra época, é atual e blá blá blá whiskas sachê? Mentira, amigo. Tô lendo Anna Kariênina e nunca aquilo ali vai ser algo atual depois dos anos 60. Tá ali um livro que cheira a museu, rapaziada (tá certo, alguns podem ser de fato atuaizassos, mas a grande maioria vai só na aba dessa mesma justificativa que, acredite, não se encaixa em todos os clássicos). Esse livro sim é atual. Tá certo, foi escrito em 2005, mas é atual na alegoria de algo antigo que se faz atual (Ah, não vem não, que você entendeu). Por isso, é um clássico da literatura. Como que eu sei? Tá com a tag “clássico da literatura”. Tá ali, pode ver, é clássico sim.

E que personagens memoráveis, amigos. Que narrativa fluída (mesmo em erpaniol), que sagas emocionantes, que história cativante. Fico boladão como a galera não tá tão ligada nesse livro quanto deveria estar. Candidato a ser livro favorito de muita gente. Quero ver engolir o choro lendo esse livro, quero ver! Quem não leu tem que ler e quem já leu tá ligado na missão. Ó, tô recomendando, hein? Não é todo dia que eu recomendo livro aqui, só limito-me a comentá-los, mas tô recomendando esse.

Boa notícia pra quem gosta de erpaniol: Dá pra achar esse livro no original, numa belíssima edição da Alfaguara. Talvez na Fnac. Senão, o jeito é ler a versão em português, da Ediouro, numa edição bonita também, mas não tão bonita quanto essa da Alfaguara. Por isso, as duas editoras levam as tags de hoje. No começo do livro ainda tem, como é peculiar dos livros medievais, um mapinha, inclusive com a suposta indicação da ilha de Avalon. Isso, aquela mesma que aparece na revista dos famosos… Animal!

Ah, e o que é a História do Rei Transparente? Por que esse livro tem esse título? Eu é que não vou contar, tenho amor à vida.

Comentário final: 574 páginas pólen soft. Sabe aquela cena do extintor de incêndio em Irreversível? Dá pra trocar o extintor por esse livro.

Pedro Juan Gutiérrez – O Rei de Havana (El Rey de la Habana)

Isquindolelê que o Livrada! completou mais um mês de existência, caralho! Isso aqui não é grupo de hip hop da periferia de São Paulo, mas tamos aí também contrariando as estatísticas, morô, mano? O mês de maio fechou com quase 1600 visitantes, mais de 600 visitas a mais do que no mês de abril. Muitos comentários, feedbacks positivos (outros nem tanto) e sempre algum amigo meu retardado pra dizer “mas porra, livro?” É livro, sim senhor, cacete! Vamos provar que ainda tem gente miolada nesse Brasil que se interessa por literatura, mas não se informa sobre o assunto por conta de babaquice de alguns críticos que afastam o povão com seus jargões pomposos. Aqui é todo mundo junto, valeu?

Mas, como leitor de blog de literatura também é filho de Deus, vamos instaurar uma promoçãozinha babaca pra atrair os menos interessados no assunto da mesma maneira que a Dilma alguns candidatos compram voto da pobretada. E a Lilian, colega de trabalho que tem um blog sobre maquiagem (eu acho que é isso), já me deu o caminho das pedras para tal ardil. É o seguinte, macacada: o comentário de número 500 ganha um livro! Aí vem o amigo retardado: “mas porra, livro?” É, um livro, sim, arrombado! E não é um livro podre, velho, despedaçado, é um livro porreta novinho em folha especial para esta promoção (e assim que eu decidir qual vai ser, eu aviso). Estejam avisados então da promoção, avisem os colegas e corram para as montanhas, digo, para cá.

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Sem mais, vamos à resenha de hoje. Estava eu aqui pensando em qual livro escolher para o post de hoje, e eis que chega o amigo e cineasta Giuliano “Foba” Batista, um dos sócios da Asteroide Filmes, resolve sugerir um: O Rei de Havana, do nosso moleque prostituto favorito, Pedro Juan Gutiérrez. O Foba achou um livro tenso e pesado, e, cara, ele não tá errado.

O Rei de Havana foi o primeiro livro do Pedro Juan que eu li, emprestado da Carlinha, que perdeu seu exemplar (aliás, se alguém me descolar um aí, eu faço uma postagem especial), em meados de 2007. Três anos, portanto, e eu espero palminhas efusivas pela minha memória. Primeiro pensei: “Meu Deus, o que um livro tão cheio de sacanagem como esse está fazendo em posse de uma menina tão meiga quanto a Carlinha?” Mas então entendi que, mais do que o monte de sacanagem sobre a qual ele escreve, Pedro Juan se propõe a fazer um retrato, o mais fiel possível, de sua realidade. E se a realidade do sujeito é isso, confete nele, porra! “Ao cubano só resta a salsa, o rum e o sexo”, diz ele lá para quem abrir o livro pra ler a orelha. E nessas de contar a saga do Rei de Havana, um jovenzinho taradão como qualquer jovenzinho que cresce nas ruas depois de sua família inteira ser morta, o autor cubano mostra que entende de sacanagem (e corta pros dois lados) e sabe filtrar o dia a dia para misturar com doses saudáveis de porralouquice e ficção. Sem ter pra onde ir, o Rei de Havana é criado por uma puta e um travesti, depois de ter passado pela cadeia, onde foi tatuador. É ou não é mundo cão?

A trajetória da narrativa é uma coisa de doido. Não dá pra largar o livro. Eu mesmo li em uns dois ou três dias, fiquei boladão e passei a ler tudo o que foi publicado sobre o autor desde então. A capacidade do escritor de segurar alguém pela leitura nunca vai deixar de ser algo louvável, e o segredo para isso pode estar perto de ser revelado, com tantos best-sellers por aí que mais parecem gerados por softwares esquisitões, mas Pedro Juan não tem outra fórmula senão a sua busca pela verdade. Verdade, pera lá, verdade verdadeira não. Mas a verdade dessas que se constroem para exportação, exacerbada em alguns pontos, omissa em outros, mas sempre com aquele fio condutor que não deixa ninguém esquecer que se trata de uma realidade vivida por alguém.

Essa edição da Companhia das Letras é simplesmente do caralho. Colocou-me um olhar atento sobre esse capista chamado Angelo Venosa, cujo nome não lembro de ter visto em outras obras da editora, mas que revela grande talento pra coisa. Além do Trilogia suja, é o único livro com foto da capa do hermano Pablo Cabado, que, apesar do nome mega-engraçado, é um ás da fotografia na minha singela opinião. No mais, fonte Electra, papel pólen e tudo mais que você pode desejar num bom livro. Orna pra caralho. Ah, e tradução do mestre José Rubens Siqueira. Sim, o mesmo que traduz Coetzee do inglês. Os caras capricham quando querem. Tá bom ou quer mais, filhão?

Comentário final: 224 páginas em pólen soft. Água mole em pedra dura…

Mario Vargas Llosa – Pantaleão e as Visitadoras (Pantaleón y las visitadoras)

Uma injustiça do cão: Mario Vargas Llosa nunca vai ganhar o Nobel de literatura por causa de sua visão política direitista. Às vezes desconfio seriamente que esse pessoal não sabe dar valor a bons escritores, independente de sua vida política (o mesmo vale pro Cèline, que como disse a Albana, quando exclamei dizendo que ele era fascista, “ele mantém seu fascismo a níveis muito saudáveis”). Porque, convenhamos, Vargas Llosa é, de longe, o melhor escritor de língua espanhola da atualidade (dorme com essa agora, García Marquez). O cara domina com maestria todos os gêneros e estilos da literatura: ensaio, romance, contos, até mesmo o gênero epistolar, pilar do livro Pantaleão e as Visitadoras, publicado em 1974.

Quem já leu alguns livros de troca de cartas (Cartas a Théo, a Caixa Preta, De Profundis, etc), sabe que ficar lendo carta dos outros não é a coisa mais divertida do mundo. Falta o dinamismo da narrativa, o livro pode se arrastar. Agora, quem conceberia um livro que é, em sua quase totalidade, um envio de correspondência — não de cartas normais, mas de ofícios militares — com um humor pastelão e escrachado? Vargas Llosa fez isso. Pantaleão e as Visitadoras é um livro absolutamente hilário que conta a história de Pantaleão Pantoja, um oficial do exército peruano incumbido de uma missão ultra-secreta por sua óbvia delicadeza: organizar um serviço de visitadora (prostitutas) em um posto do exército instalado no meio da selva amazônica. O motivo é palpável. Os soldados da tropa, metidos naquele fim de mundo sem civilização por perto, estavam estuprando as índias e mulheres de pescadores locais. O exército, pra não ficar difamado por seus soldados tarados, coloca Pantoja para levar de barquinho umas três ou quatro prostitutas até o posto.

Mas o protagonista é um militar altamente disciplinado. Começa a estudar o tempo de cada “serviço” e vendo que a quantidade de mulheres não é suficiente, logo começa a armar um esquema gigantesco de prostituição, com direito a uniforme, hino e bandeirinhas. Não demora muito a arrumar inimigos e problemas matrimoniais. Contar mais do que isso seria tirar boa parte da diversão desse livro.

A intenção de Vargas Llosa em Pantaleão é, mais uma vez, explorar as falhas e fraquezas das forças armadas. Firmou-se no mundo literário com seu romance A Cidade e os Cachorros, sobre a vida de estudantes do colégio militar, e muitos apontam A Festa do Bode, livro que narra ficcionalmente a vida de Rafael Trujillo, o temível ditador da República Dominicana. Mario, ele próprio, foi um cachorro, um aluno do colégio militar, e conheceu um serviço real de visitadoras quando visitou a selva amazônica em 1958, então escreve com conhecimento de causa cada um desses assuntos.

Falar de um projeto gráfico da editora Alfaguara é falar de todos. Os livros são padronizados numa mesma diagramação, mudando apenas a capa, ou, eventualmente o tamanho da fonte (aliás, alguém sabe a fonte que a Alfaguara usa?). Entretanto, a coleção de livros do Vargas Llosa está fenomenal. É foto da Getty Images? É, mas porra, são fotos muito bem escolhidas. Dos livros já lançados pela editora, me faltam a Guerra no Fim do Mundo e a Casa Verde. Meu aniversário tá longe, alguém aí não quer me dar?

Duas curiosidades: 1ª: Esta edição do livro foi traduzida a quatro mãos, por Paulina Wacht e Ari Roitman (ficou muito boa, por sinal). Inusitado, hein? 2ª O próprio Vargas Llosa co-dirigiu a versão cinematográfica do livro com José María Gutiérrez. Mas o filme não é nem de longe tão bom quanto o livro. Recomendado até os ossos.

Comentário Final: 246 páginas pólen soft de alta gramatura. Se pegar uns cinco desses e juntar em alguém, rola um sanguinho.

Pedro Juan Gutierrez – Trilogia Suja de Havana (Trilogia sucia de la Habana)

Estenda sua mão, dê um pescotapa e diga “se liga, mané”  em quem disser que Pedro Juan Gutiérrez escreve de um jeito bem parecido ao de Charles Bukowski. Essa afirmação é de uma imbecilidade que deveríamos ignorar, mas, ao invés disso, vamos explicar direitinho, para encerrar qualquer discussão.

Embora o Realismo Sujo (gênero de Gutiérrez) tenha alguns elementos físicos da literatura beatnik (de Bukowski), a forma como esses elementos são tratados é bem diferente. A principal diferença é que no Realismo, os espaços urbanos não são concebidos para serem o que são, e o personagem realista transite por esse espaço como um estranho, ao passo que os beats (bear, beats, battlestar gallactica) são incorporados ao lugar e sua destruição (boemias, sarjetas, bàs-fonds, etc). É uma explicaçãozinha meio rápida e vazia, mas se você quer aprender alguma coisa a fundo, sugiro não tentar fazê-lo em blogs.

Dizem que o cubano Pedro Juan resolveu escrever esse livro depois de ver uma criança fuçando o lixo em busca de comida, em plena Havana. É uma imagem poética para uma realidade ainda mais dura. Cuba passava por uma grande crise na década de 90, nos anos que se seguiram ao fim da União Soviética, a única amiguinha daquela ilhota em mais de cinquenta anos. Não havia comida, dinheiro, remédios, energia, nada. A maioria dos veículos de comunicação havia sido fechada por intervenção do governo. Para piorar, a vida do autor ia de mal a pior. Tinha três filhos para sustentar (sendo um bastardo), ganhava três dólares por mês e sua mulher estava a ponto de deixá-lo quando descobriu que ele tinha pelo menos umas seis amantes. Ficou completamente abandonado. E então escreveu essa coletânea de contos duros, crueis e desencantados com a realidade do país.

Tem de tudo na Trilogia Suja. Estupro, tráfico de órgãos, de drogas, de comida, tráfico de tudo na verdade, assaltos, assassinatos, e muito sexo, sempre. A literatura de Pedro Juan recende a cecê de longe. Difícil ler este livro e não se sentir incomodado pelas situações ali descritas, em uma mistura de ficção e realidade.

Hoje em dia, a edição que se encontra é a da Alfaguara (por isso mesmo vou colocar a tag na editora), mas eu li a publicação da Companhia das Letras. Um livro menor em tamanho, com uma fotografia sensacional na capa. Em tons pastéis, o fotógrafo captou muito bem a essência da literatura e da  Cuba de Gutiérrez (aliás, as fotos dos outros livros do autor também são sensacionais). A edição da Alfaguara tem um acabamento característico da editora, que é de excelente qualidade. A capa porém, preferiu privilegiar essa pluralidade (cheio de palavra com pê, hein?) de elementos da cultura latino-americana, colorida e um pouco sombria no conjunto. É bem da cultura cubana, mas pouco tem a ver com a escrita do autor.

Fui apresentado à sua literatura pela amada Carla Cursino, e hoje digo a todos: Leiam Pedro Juan Gutiérrez e sua Trilogia Suja.

Comentário Final: 382 páginas pólen soft molengas. Se quiser fazer estrago mesmo, melhor bater com a edição da Alfaguara.