Don DeLillo – Cosmópolis

cosmopolisNunca vou me esquecer de que comecei a ler Don DeLillo graças a um leitor do meu blog que decidiu deixar a sugestão ali, como quem não quer nada (“Já leu Don DeLillo, Yuri? Acho que você vai gostar dele…”, dizia o sujeito que nunca mais se manifestou). Que acertada decisão a desse cara, mal sabia ele que pouco menos de dois anos depois, Don DeLillo seria um dos meus autores favoritos. E vou falar hoje de Cosmópolis ao mesmo tempo em que lhes digo o porquê desse meu bom gosto, que só é comparável ao gosto musical do dono desse computador… epa.

Bom, Cosmópolis é, como todo bom livro do Don DeLillo, uma historieta com tons assim meio de alegoria, meio de hipérbole, meio de crítica à pós-modernidade. Sabe, eu já curto uns caras que batem na mesma tecla de maneiras diferentes – dependendo da tecla, obviamente, porque seguidor o que tem de seguidor de Bukowski por aí já deu pra cabeça, né? O cara é obstinado em esfregar na nossa cara como esse mundo é ridículo e, cara, ele faz isso como ninguém. Sério, eu espero que nenhum Yuppie jamais leia Don DeLillo, deve ser uma porrada na cara muito grande. Por outro lado, não vejo por que algo assim aconteceria.

Antes de mais nada, talvez vocês já saibam disso, Cosmópolis vai virar filme, estrelado por ninguém menos do que o Vampiro Crepúsculo (sei lá o nome dele, acho que é Robert ou Edward, não sei, as pessoas chamam tanto ele pelo nome do filme quanto pelo nome real que já não sei mais qual é qual). E aí vocês podem dizer “mas, meu Deus, esse cara é uma porcaria de ator, é um babacão, um paspalho, um babanacho, etc”, e eu digo, calma porque tudo se explica.

O protagonista em questão é Eric Packer, um jovem de idade indefinida (acho que ele fala em algum momento que tem 28 anos, ou 38, mas não dá pra confiar em nada do que ele fala. Bom, a julgar pela minha precisão, não dá pra confiar em nada do que eu falo também, mas vem comigo que o babado é certo). O cara é nada menos do que um bilionário que ganha dinheiro só com especulação financeira. Ou seja, compra coisa ali, vende coisa acolá, mexe nuns números e faz fortuna. O que é a típica profissão pós-moderna, em que o acúmulo de capital é um fim em si mesmo e não consequência de qualquer trabalho ou contribuição social. Quer dizer, é o outro lado dessa geração da qual eu faço parte que faz o oposto: uma porrada de coisa de graça com nenhum propósito. É neguinho fazendo videolog, banda ruim, história em quadrinho, blog de crítica literária, tudo pra morrer pobre. De qualquer jeito, o cara é um babacão podre de rico, um paspalho, um babanacho e agora vocês já tão achando maldade da parte do Cronenberg em chamar o vampiro pro papel principal.

O livro se passa todo ao longo de um dia na vida de Packer, que mora em Nova York. E ele acorda querendo cortar o cabelo numa barbearia que fica do outro lado da cidade e, pra piorar, o presidente dos Estados Unidos tá na cidade. Pra quem não sabe (e isso o livro não conta e você só aprende aqui no Livrada!), há uma política de restrição trafegaria nos Estados Unidos – cujo nome me escapa completamente, se alguém souber, por favor, me tire desse estado de curiosidade – que diz que quando o presidente está visitando alguma cidade e ele passa de um lugar para o outro, o trânsito inteiro naquela rota é paralizado. Nem preciso dizer o inconveniente que isso causa para o trânsito da cidade inteira, mas o playboyzão não tá acostumado a ouvir muitos nãos e parte para um dia inteiro de engarrafamento.

Para sorte dele, a limusine estendida do rapazote é blindada e equipada com tudo que ele precisa para trabalhar. Computador com internet, sofás, celulares, até um pequeno centro médico que ele usa para fazer seu check-up diário com um médico que vem encontrá-lo assim mesmo, no meio do engarrafamento. E aqui temos já a segunda grande sacada do autor: ora, que tipo de idiota instala uma porrada de utilidades e facilidades num carro espaçoso e desajeitado que fica a maior parte do dia no engarrafamento? Já viram algo assim antes, tipo, em qualquer lugar do mundo? Sério, como diria o Fábio Jr no Bye Bye Brazil, “como nóis era ignorante!”. Rapaz, bota um homem da renascença pra ver o que a gente vê todo dia e ele vai dizer sem pestanejar que esse é um mundo de loucos. A nossa vontade de ganhar tempo supera nossa vontade de não perder tempo de maneiras que nossa imaginação não é nem capaz de assimilar! Assustador sim, mas real.

E não só o médico dele aparece e entra no carro, estende uma maca e faz um exame proctológico no cara como se fosse a coisa mais normal do mundo, mas também seus outros asceclas aparecem para dar um alô e atualizá-lo sobre os negócios. O plano do dia é comprar iene, a moeda japonesa, até que ela comece a baixar. Faz sentido? Não fez pra mim, mas também que sei eu dessas porras? Soubesse e não tava aqui escrevendo esse texto, estaria no camarote da Brahma ao lado de Bruno Gagliasso, Bruno de Lucca, Bruna Lombardi e Bruno Chateaubriand cantando “E vai rolar a festa”, ou qualquer outra coisa que os ricos fazem para se divertirem. O problema da história é que o momento que todos esperam, o momento do iene começar a baixar, está se demorando, e já tem gente suando frio pela testa. Entre a visita de um consultor financeiro, um aspone qualquer e um técnico não sei das quantas, você já percebe uma outra parada: TODO mundo que trabalha para o sujeito tem nome estrangeiro. Um japa ali, um checo aqui, um indiano acolá, o quão típico da cultura americana é isso? Importar mão de obra competente para manter o sistema criado por incompetentes no próprio país, do tipo “tá, construímos isso aqui sem a menor ideia do que estávamos fazendo, vamos agora chamar quem sabe pra manter isso de pé”. Ai ai, Don DeLillo, o sr. é um fanfarrão mesmo.

E aí vemos as coisas como elas realmente são: Packer está casado com uma moçoila a poucos dias, uma poeta igualmente milionária que é enjoadinha na cama, mas que de alguma maneira amarra o inamarrável ali. Além de ter que lidar com a esposa que regula mixaria e o iene que não baixa (sem nenhum duplo sentido), o bilionário descobre ainda por cima que sua próstata está irregular. O que isso quer dizer? Ninguém sabe, mas não importa, está irregular, e irregularidade na vida perfeitinha e controlada desse cara é um furo na muralha da represa. O corpo humano é o calcanhar de Aquiles de um poderoso desse naipe, rendido às fraquezas fisiológicas, arruinado pela perecibilidade do próprio corpo, etc. O cara tem aí um pré-câncer ou sei lá o quê, fato que é o bastante para finalmente jogar luz sobre a maneira que ele leva a própria vida. O problema é que um cara desses não tá nada acostumado a pensar nada sobre esse assunto, e aí, catástrofes acontecem. CATÁSTROFES, sério. Vai por mim.

Cosmópolis é um livro exagerado e genial, como todo livro do Don DeLillo, e mesmo as partes mais idiotas guardam discussões profundas e frases de efeito engraçadas, tipo uma mulher falando “eu comecei a fumar com 15 anos. É isso que meninas magras e bonitas fazem nessa idade, para mostrar que existe algum drama em nossa vida”, putz dorme com essa, Brasil! Poderia citar outras coisas assim de memória, mas temo que isso só tiraria a graça da leitura desse livro que eu, sinceramente, espero que vocês leiam.

E esse projeto da Companhia das Letras? A capa é esquisita? É. Parece que foi feita em 1991? Sim, mas o conteúdo é o que vale. Papel pólen e fonte Electra pá deixá as quiança feliz e, pelo menos o meu exemplar veio com uma brochura muito bem feita. Não tem muito mais o que falar, a não ser uma última coisa, que já está virando tradição aqui, mas como em time que está ganhando não se mexe, vou repetir: Gente, curtam a página do Livrada! no Facebook! Desde o último post, uma cambada de gente se juntou a nós, vem também!

Ah sim, uma última coisa: vocês têm dedicatórias (autógrafos) de autores que sejam legais? Manda pra mim, no bloglivrada@gmail.com, vamos fazer um post sobre isso!

Ah, pra deixar oficial: agora, além de crítica de livros, também faço crítica de hamburguer. Passa lá no Goodburger qualquer hora!

Comentário final: 197 páginas pólen soft. Melhor ler do que tacar em alguém, mas se a oportunidade surge, é preciso aproveitar.

F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby (The Great Gatsby)

Great GatsbyOra, ora, ora, se não é os cara do Livrada! invadindo a cidade. Junte sua mãe, seu cachorro e sua sogra, chame todo mundo que o coro vai cumê agora que estamos com um clááássico na literatura em nossas mãos, pronto para ser destrinchado por esse crítico de meia-pataca que vos fala. O Grande Gatsby, um livrinho do rapazote da era do jazz, o senhor F. Scott Fitzgerald.

Antes de mais nada, gostaria de levantar um questionamento: por que diabos alguns autores abreviam o primeiro nome? Ok, um J.M.G. Le Clézio até vai, é muito nome pra decorar, e um Vidiadhar Surajprasad Naipaul pode enrolar muita língua na hora da pronúncia, mas que mal há em um “Francis” em F. Scott Fitzgerald? Se o cara assinasse como Francis Scott ia ser até mais fácil pra uma galera, e Francis Fitzgerald até poderia ser sonoro. Só ver a baiana que o Salman Rushdie rodou quando a galera da Wikipédia escreveu um artigo sobre ele com seu primeiro nome, Ahmed. Vai entender…

Bom, O Grande Gatsby é mesmo um grande livro (metaforicamente. Fisicamente, é pequenininho), mas me parece que é um daqueles clássicos casos em que se você não sabe o que esperar da leitura, ela não ganha a proporção que merece. E é aí que entra a figura maravilhosa do crítico maravilhoso que no caso sou eu, chuchu. Vamos combinar então: vou te falar porque esse livro é um livraço e você vai acabar gostando muito mais dele quando ler. E se já leu, sei lá, posso te acrescentar algo. Assim espero.

A história do romance, que se passa nos anos 20, é narrada por Nick Carraway, um aristocrata decadente com um nome já apagado pela obviedade da escolha. Ele mora em East Egg, um lugar que existe de verdade só que com outro nome. Não vou entrar em detalhes porque mando malzão na geografia, mas o fato é que em West Egg, o bairro burguês vizinho, mora o misterioso ricasso Jay Gatsby, um jovem que mora sozinho numa mansão pimp-style e dá várias festinhas pra high-society. O estilo de vida de Gatsby intriga Carraway, que visita sua prima Daisy e seu cunhado Tom Buchanam, nomes que eu só citei aqui porque serão importantes para o enredo, mas não necessariamente para esse pequeno resumo.

Nick então começa a ficar amigo de Gatsby e descobre toda sua verdadeira história, uma história que passa por doses muito saudáveis de amoralidade e insinceridade. Enfim, uma história bem humana. E é então que a vida de Gatsby começa a mudar: ele pára de dar festas e procura, como diria aquele personagem machadiano, amarrar as duas pontas da vida de uma forma que eu não vou explanar, porque é demais.

Vamos ao que interessa: O Grande Gatsby é um livraço porque dá um panorama bem interessante de algo que até então era pouco explorado: a intimidade da alta-sociedade, seus trejeitos e maneirismos. Fitzgerald sabia do que estava falando, era um membro ativo dessa sociedade, e mostrou para o resto do mundo como realmente viviam os ricaços por trás da fachada de risadas aristocráticas e banquetes pantagruélicos. E o mais legal de tudo é que é uma visão um tanto desoladora e nada grandiosa sobre a vida. Nada daquilo de “homem rico pobre de espírito”, é um sentimento de vazio da vida que é inerente a todo mundo, mas que nós, pobretões que vamos de coletivo pro trabalho, imaginamos que é preenchido com dinheiro. Isso sem falar que é uma tragédia grega no sentido mais clássico, no melhor estilo Antígona ou O Magnata, aquele filme escrito pelo Chorão (e você achou que a referência ao Charlie Brown Jr. no começo do texto era por acaso. Nada é por acaso nesse texto, irmãozinho), então não se preocupe porque você não vai encontrar um daqueles livros perdidos nas próprias ideias, sem gancho pra uma história boa, tipo A Náusea. Manja A Náusea? Se você também ficou nauseado com aquela chatice, vem comigo ler o Gatsby.

O maior problema dessa resenha é que não há muito o que falar do livro sem estragar algumas surpresas, dar uns spoilers pra galera. Se me chamassem para falar sobre esse livro pra uma turba que já o houvesse lido, a história seria outra. Espero que me entendam, no fundo, no fundo, estou sendo mega legal com vocês, não-leitores de Gatsby, e sendo mei escroto com vocês, leitores. Em um sentido amplo, estou valorizando a ignorância, sim. Mas isso é uma coisa boa. Instigar é a melhor maneira de fazer uma pessoa fazer o que você quer que ela faça.

Essa edição da Penguin Companhia é muito bonita, tem tradução nova da Vanessa Barbara, que é ótima e colocou várias notas de rodapé pra te situar na época e no lugar do romance. O livro tem formatinho pequeno, não machuca ninguém, e vem com uma apreciação crítica muito bacana do Tony Tanner, que apesar do nome, não é atração de nenhum cassino de Las Vegas. Aliás, com a apreciação dele, vocês vão poder dar mais valor à obra, mas só pode lê-la depois de ler o livro, senão meu trabalho aqui em esconder o jogo terá sido em vão. Contamos com os senhores.

A propósito: CURTAM A PÁGINA DO LIVRADA NO FACEBOOK! Já passamos de cem! Uhul! Bora pra próxima centena.

Comentário final: 250 páginas em papel pólen. Mata uma aranha no cantinho, e só.

Don DeLillo – Ruído Branco (White Noise)

White NoiseSabe, pode não parecer, mas eu presto atenção no que vocês comentam aqui no blog. Trato de responder a todos os comentários (às vezes me atraso, mas entendam que fazer crítica literária de graça, duas vezes por semana, no seu tempo livre não é, exatamente, jogar caxeta com a sua avó, por isso me mandem dinheiro) e procuro responder na altura de relevância e interesse. Por isso, o post de hoje foi feito em homenagem a um leitor aqui do Livrada! que comentou apenas em um livro. O Sr. Augusto Lessa passou por aqui no pior post que eu fiz, que foi sobre a Marca Humana, do Philip Roth (nem vou botar o link porque é indigno, quem quiser que leia depois, mas não recomendo), na época em que eu escrevia um post por dia. Ai ai, o viço da juventude… Enfim, nos comentários ele pediu para que eu resenhasse o livro Ruído Branco, do Don DeLillo, que é um autor que até então eu nunca tinha lido, mas cujo estilo e gênero casavam com a linha editorial deste blog (viu, Baére, não adianta pedir pra eu ficar resenhando livro de programação de computador), então resolvi ir atrás, certo que o leitor estava de que eu, baseado no que tinha visto resenhado por aqui, iria gostar do livro.

Pois bem, ganhei o livro de natal da querida Tia Alba, excelente veterinária e contadora de piadas, e li em, basicamente, dois dias, graças a uma viagem de desnecessárias cinco horas para Floripa. E bem, vamos dizer que o Sr. Lessa estava com a razão, porque eu não só gostei do livro como o coloco fácil no top 10 da literatura contemporânea até então, embora eu odeie essa para de top não sei das quantas. Lembro daquele filme Alta Fidelidade e tenho vontade passar uma lixadeira na cara do animal que escreveu esse lixo. Enfim, quis dizer que é um dos melhores que eu já li nesse estilo de literatura anglófona contemporânea pós-moderna da Silva Sauro. Falemos dele então, já que já enrolei por dois longos parágrafos.

Ruído Branco é um livro que foi escrito em 1984, época em que eu não existia, mas imagino que deva ser uma excelente época para ser criança. Fui criança na outra metade da década, por isso imagino isso da primeira metade. Bom, o livro fala de um professor chamado Jack Gladney, e já imagino o bigode escroto, o blazer marrom cocô e os óculos de grau da Ray-ban, que inventou uma matéria na faculdade chamada Hitlerologia. Ele tem uma esposa, que já é a sua segunda ou terceira esposa, chamada Babette, que dá aulas de modos à mesa ou algo do tipo, pra velhinhos. Pausa. Nessas aí você já vê a genialidade do autor. Que ocupação foi achar pra esses vatos! Bom, tentando contextualizar mais, Jack tem uma penca de filhos, tudo pingado de seus outros casamentos, e tem um amigo acadêmico chamado Murray que, aqui, funciona como uma espécie de deus ex machina, discutindo suas teorias com o protagonista enquanto, com elas, amarra as questões principais do livro. Quer dizer, o sujeito tem uma ideia mega oportunista e faz um sucesso com isso, tem uma família mais quebrada do que decaimento alfa de Ununóctio e tem como principal amigo um colega de trabalho. É visionário ou não é? É século XXI ou não é?

A primeira parte de Ruído Branco é totalmente surreal, e você acha que não dá pra ficar mais doidchão, mas fica. Começa simples: vai ter um simpósio sobre nazismo ou algo que o valha e Jack é o grande nome para o evento, já que foi o cara que inventou a hitlerologia. Só que ele não sabe falar alemão e isso, por mais que não impeça o estudo da matéria, pode ser visto com maus olhos por seus pares almofadinhas. Então corre atrás de um professor particular. É, portanto, uma tiração de onda com os malditos academiscistas que chegam na sala pra te dar uma aula de filosofia e começam a escrever  ὑποκείμενον no quadro-negro (não vou citar nomes, você sabe quem é, manezão). Boa sátira, ponto pro DeLillo.

Eis que um vagão de trem vira a uma distância considerável da cidadezinha onde Jack mora, e libera um gás tóxico que exige que a cidade seja evacuada. Nisso, vai geral naquela loucura, sem saber direito do que estão fugindo, e o filho do meio de Jack, cujo nome já me esqueci, é quem consegue reunir as informações sobre o evento, e passar para as pessoas, virando um verdadeiro herói entre os bitolados. Essa parte mostra duas coisas: a primeira, o poder da informação e, principalmente, da falta dela, sobre as massas, e a segunda, mais importante, a confrontação de Jack com a sua mortalidade. Não falei isso, mas o bicho tem muito medo da morte, embora não conte pra ninguém. E aí ele é exposto à fumaça tóxica, e fica sem saber se isso vai afetar sua saúde, se ele vai morrer, etecetera.

Tira foto agora não, pô! Tô lendo Recruta Zero.

Sobre a terceira parte do livro não vou contar nada, porque é a mais legal e já entreguei spoiler demais. Mas tudo isso pra dizer o seguinte: DeLillo foi genial nesse livro, e enquanto abordava as questões que pretendia com a vida dos Gladneys, discute elas mais livremente com as teses de Murray. As discussões entre os professores na universidade são partes memoráveis do livro, e até anotei uma, de alguém que não lembro: “queremos catástrofes, precisamos delas. Dependemos delas, desde que não aconteçam no lugar onde estamos. É aí que entra a Califórnia. Avalanches de lama, incêndios florestais, erosão na costa, terremotos, assassinatos em massa. Esses consegue curtir esses desastres sem problemas porque no fundo a gente acha que a Califórnia merece isso tudo. Os californianos inventaram o conceito de estilo de vida. Só isso já justifica”. GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL! Já falei disso antes, mas às vezes sinto vontade de levantar e gritar como se grita um gol ante algumas passagens geniais que não poderiam estar em melhor lugar e situação. O pensamento aqui pode ser óbvio, mas é tão bem casado com o contexto que torna tudo genial. Outra: “É aquilo que perdoamos no leito de morte, não a falta de amor nem a ganância: perdoamos nos outros a sua capacidade de se distanciar de nós, tramar silenciosamente contra nós, de certo modo matar-nos”. Foi, foi, foi, foi ele! Carimba, Godói! (tadinho do Godói, galera). Vale lembrar que o livro ganhou o American Book Award de melhor romance, em 1985, como diz na capa. Enfim, se eu ainda não deixei vocês com vontade de ler DeLillo, sou um incompetente mesmo.

E esse projeto gráfico da Companhia das Letras? Gente, esse livro é velho. A editora lançou ele em 1987, e edição que eu tenho é de 2003. Ou seja, ficou sete anos mofando em alguma loja — mofando não!, amadurecendo e encorpando — até que a Tia Alba me desse esse presentão. Bom, a capa é totalmente anos 80, com o título escrito em bolinhas à lá Lichtenstein (o picareta, não o país que nem parece país) e diversas outras partículas brancas (no caso da minha edição, cinzas já pelo desgaste) em alto-relevo. A fonte é Garamond em corpo minúsculo, o que dá um desânimo, mas a gente encara se for coisa boa. Papél pólen é de praxe. A tradução é do Paulo Henriques Britto e eu li esse livro num período que tava lendo uma tradução do Britto atrás da outra. Gente, o cara é frenético! Bom, se o virem na rua, tratem de o abraçar bastante, que ele merece. Sr. Lessa, taí então, segui sua recomendação. Obrigado.

Ps: Gente, a vida tá difícil. Não sei se vai ter post na quarta. Se não tiver, me perdoem, ok?

Comentário final: 319 páginas em papel pólen. Pa-panamericano!

 

 

Thomas Pynchon – Vício inerente (Inherent Vice)

Inherent viceHoje é um dia triste. Acabou o horário de verão aqui no sul. Meus leitores nordestinos não imaginam o quanto esse período me faz feliz. Anoitecer mais cedo era muito legal quando eu era adolescente das trevas, tipo leitor de crepúsculo, mas agora que sou uma pessoa normal gosto de sair do trabalho e ser dia. Ainda mais nessa cidade em que você vê o sol quase três vezes por ano. Por isso, Bernarda Alba pede que a gente faça um luto até o advento do próximo horário de verão. Falta muito pra outubro?

Aqui no Livrada! é o único lugar onde você encontra esse tipo de nariz-de-cera moleque, esse nariz-de-cera arte, nariz-de-cera maroto, clássico em seu propósito de enrolar e te convidar pro texto (not). Enfim, livro de hoje. Thomas Pynchon, quem é ele? Um dos maiores escritores dos Estados Unidos. Ô paiszinho ingrato esse pra ter uma atividade intelectual. Deve ser que nem ser mestre churrasqueiro no meio da verdurada vegan: um bando de chato que não tá nem aí pro seu talento (brincadeira, galera vegan, aprecio vossas bandeiras. Mesmo porque a carne do mundo tá acabando e farinha pouca, meu pirão primeiro, ou, no caso, meu filé primeiro). Bom, voltando ao Pynchon, grande escritor estadunidense cuja identidade a maioria das pessoas no mundo desconhece. Vamos combinar: onde Dalton Trevisan falhou, Pynchon triunfa eterno nessa brasila. Ninguém sabe como é o cara, ele não dá entrevista, não aparece em público e as fotos que a gente tem dele são da época em que o Niemeyer tava projetando as curvas da Sophia Loren. E eis que ele lança um livro mutcho loko ano passado. Falemos dele entonces.

Vício Inerente é um livro um pouco diferente dos livros do autor, pelo menos quanto ao enredo. O que é uma coisa muito perigosa, porque quem me garante que foi ele mesmo quem escreveu isso, e não se trata de um fanfiction bem sucedido? Complicado, galera. Tenha em mente que a constância na obra é importantíssima quando não você não tá disposto a dar a cara a tapa. Enfim, o livro é, a grosso modo, um policialzão bem montado e, por isso mesmo, confuso as hell. Fala de um detetive chamado Doc Sportello, que não é bem um detetive — muito mais um drogadão que trabalha de detetive quando algum louco dá um trabalho pra ele. Era o auge do movimento hippie, começo da década de 70, e naquela época ser drogadão era muito mais do que fumar uma erva com seus amiguinhos, ouvir Manu Chao, brincar com malabaris, fazer Bob Marley de durepoxi, tomar um Santo Daime “só pra ver qual é a da parada” e fazer mochilão pela América do Sul: era um VERDADEIRO estilo de vida. Não faltavam drogas e misturebas sinistras pra derrubar qualquer elefante junkie que aparecesse. Bom, Sportello estava à toa na vida vendo a banda passar quando chega uma mocinha ex-peguete dele, dizendo que o atual, um Piccolo Tigre do ramo imobiliário desapareceu misteriosamente. E, mergulhando na investigação, o detetive — que, vamos admitir, faz um bom trabalho pra um drogadão — descobre ligação entre bandas de surf music e um saxofonista dado como morto, sociedades arianas de motociclistas e uma parada chamada Canino Dourado, que, basicamente, é tudo nesse livro: um iate, uma máfia de dentistas, uma barra de ouro que vale mais do que dinheiro em formato de dente, o dedo da sua mãe Total Flex, enfim, uma maçaroca de informações que vão sendo jogadas na sua cara como uma tortada violenta do Passa ou Repassa.

Todas essas informações exigem que você leia o livro atentamente, porque, caso contrário, você vai se sentir um desses drogadões do livro: viajando na maionese enquanto descobertas importantes estão sendo feitas. A grande sacada desse livro são os personagens secundários: o policial Pé Grande, um tira durão, para usar seguidamente duas terminologias de Tela Quente, e desculpe pela rima. Pé Grande não gosta de hippies e faz aquela linha de parceiro-meio-inimigo do protagonista. Também tem o Sauncho, o advogado de Sportello que, fazendo jus ao seu nome (de Sancho Pança, muito provavelmente) é o fiel escudeiro do protagonista. E o que é um advogado senão um escudeiro? Um crápula, um infeliz, um pulha, um biltre, um safado, um sem-vergonha, um yuppie nojentinho aspirador de pó do caraças? Sim, tudo isso, mas principalmente um escudeiro.

Agora, vamos lá, meu puxão de orelha na crítica literária desse Brasil varonil: a orelha do livro diz que Pynchon, com esse livro, “destila seu conhecimento divertidamente enciclopédico acerca de tudo”. Essa ideia de que o autor é um sabe-tudo foi amplamente alardeada pelos veículos, porque o Pynchon sabe falar de penteados afro e a importância do saxofone na evolução do surf music. Não é por nada não, mas não tem nada de extraordinário no conhecimento do autor nesse livro. Primeiro porque hoje em dia qualquer Zé Mané tem acesso à Wikipedia, segundo porque eu sei falar de literatura, jogos de videogame desde seus primórdios, armas de fogo dos mais variados calibres, a história da charge e do punk rock e astronomia, e ninguém fica por aí dizendo que eu tenho conhecimento enciclopédico. Eu só sei das coisas que estudei por fora, e tenho 24 anos. Imagina o leque de conhecimento que um cara velhaco como o Pynchon deve ter. Isso é normal minha gente, nessa época de internet principalmente, e Isaac Asimov estava certo. Normal, se você não for uma besta alienada que não gosta de aprender sobre nada nesse mundo. Então, emetevê da crítica, vergonha na cara e vamos botar a nossa própria cabeça pra funcionar, alright?

E vamos ao projeto da tão amada Companhia das Letras. Pra começar, a tradução foi feita pelo Caetano Galindo, professor de letras aqui da UFPR. Galera, o curso de letras da Federeca é uma das poucas coisas de qualidade que o governo federal pode te oferecer. Fiz diversas matérias ali e foram todas memoráveis. E o Galindo é reconhecidamente um cara admirado por lá, então pimba, é só acerto. Daí tem essa capa. Vamos combinar que a imagem não é das mais chamativas, mas, mesmo assim, não podia ser melhor. Pra mim, ela descreve muito bem a vibe do livro. Acontece né, nem sempre livros legais rendem imagens bonitas, mas as capas são o que são e o são por alguma razão (eu tô rimando mais que o Gabriel Pensador hoje). No mais, fonte Electra, papel pólen soft e mais um livrasso pra você destruir alguns ossos com ele. Ah, vou tentar usar o comentário final agora como um cata-corno Google, vejamos a eficiência.

Comentário Final: Emagreci 20kg tomando Caralluma. É verdade!

 

John Hersey – Hiroshima

Esse livro estava na minha mochila na última quarta feira, porque a Kariny, nossa traficante oficial de trufas de brigadeiro e coco, havia me pedido o livro emprestado para um trabalho da faculdade e o queridão aqui — adivinha! — só lembrou de trazer o livro umas duas ou três semanas mais tarde. Como nem adianta pedir desculpas, resolvi falar um pouco dele aqui no Livrada!. Quem sabe alguém consegue aproveitar alguma coisa para o trabalho da faculdade?

Bom, Hiroshima é um clássico do jornalismo literário que teve, na minha humilde opinião, seu sucesso repartido entre 20% de talento e 80% de cagada. Aconteceu que o bicho achou lá seis pessoas que sobreviveram à bomba de Hiroshima. Bomba essa que, aliás, foi muito menos devastadora que a de Nagazaki, mas ficou muito mais famosa. Mistérios inexplicáveis, como o porquê do holocausto ser mais famoso que o genocídio dos armênios pelos turcos. Sei lá, talvez seja mesmo a propaganda a alma do negócio. De qualquer forma, lá foi o china (sim, John Hersey é Chinês e se mudou para os Estados Unidos lá com seus dez ou onze anos) colher o depoimento dos sobreviventes, os perrengues que passaram no dia em que a bomba caiu. Já começa aí a primeira cagada dele: a bomba foi jogada logo pela manhã, o que possibilitou aos sobreviventes uma memória marcante e indelével daquele dia inteiro, dando uma narrativa maior e uma experiência impactante.

A reportagem foi publicada numa edição especial da The New Yorker, aquela revista de gente inteligente, sem chamada na capa e cheia de piadinha sem graça que ninguém entende (mas aí, galera da New Yorker, se quiserem me contratar, faço umas charges aí, valeu?). É igual ler o livro, só que em Revista. Loko, né, truta? Agora a cagada mor do sujeito foi ter voltado aos mesmos personagens quarenta anos depois, conseguir encontrar todo mundo e ver como andavam a vida deles. Se não me engano, só um havia morrido, uma moça, de câncer. Primeiro porque até então eu, que não sou nenhum especialista em bomba atômica, achava, do alto de minha ingenuidade, que não havia sobrado viv’alma (coisa de poeta, né?) em Hiroshima. Pô, os sujeitos passam anos metendo o pau nessa bomba, que foi construída toda sob sigilo de governo, todo mundo se descabela quando a Coréia diz que tá fabricando, todo mundo tinha medo do Enéas porque ele queria fazer uma no Brasil e, enfim, a bomba atômica não mata todo mundo de uma cidadezinha japonesa? Acho que minha impressão sobre bombas atômicas vem inteiramente daquele maravilhoso filme “O dia de Amanhã” (The Day After), ou seja: a bomba cai, a imagem congela e por alguns segundos, dá pra ver a caveirinha de todo mundo.

Outro mérito de sua imensa cagada foi ter sobreviventes da bomba durarem mais de quarenta anos. E depois neguinho fica aí metendo o pau na energia nuclear. Pô, se um cara vive mais de quarenta anos depois de sobreviver a uma bomba atômica, dá pra ter mais usina nuclear tranquilamente, afinal de contas, viver até os sessenta ou setenta e poucos anos é uma meta digna na população brasileira (explicando a piada para os idiotas: É BRINCADEIRA, animal!). E os caras tão bem ainda por cima: ficaram famosos, fundaram empresas, ongs para combater a monstruosidade da bomba, etc. E depois dizem que é só brasileiro que gosta de celebridade instantânea. Tudo bem que não teve ninguém pousando para a Playboy, sob o título e a efígie do mestre Tom Jones: “Sexbomb, sexbomb, you’re my sex bomb!”, mas ainda assim rolou um shocksploitation em cima da galerinha.

Vamos ao porquê desse livro ser estudado na faculdade de jornalismo. Bom, além do fato de estar escrito na capa que é “A mais importante reportagem do século XX”, e influenciar por isso a ementa dos professores, acho que ele é importante pra ensinar o jornalista a não largar o osso tão cedo e fazer o estudante maconheiro sem vergonha que se ele voltar à pauta tempos depois, ele pode muito bem fazer a mais importante reportagem do século também. Fora isso, sei lá, pode ser um livro bacana de ler, só depende de você e do seu saco pra tal leitura.

A coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras é uma das mais legais que já vi. Além de vários livros sobre o gênero (no qual não foram incluídos alguns como o A Mulher do Próximo, do Gay Talese), eles tem uma certa padronização de capas e diversas cores que dão um charme a mais. Sem imagem nenhuma na capa, afinal, jornalista curte mesmo é letrinhas, garrafais de preferência. Esse ainda conta com as fotos dos sobreviventes e um posfácio mais que elogioso sobre o livro, assinado pelo jornalista Matinas Suzuki Jr. No mais, papel pólen e fonte minion, padrão da editora para os livros de jornalismo literário.

Comentário final: 172 páginas pólen soft. Faz menos estrago que uma bomba atômica.

 

William Kennedy – Ironweed

Hoje eu to sem saco pra enrolar vocês por três parágrafos. A verdade é que toda vez que eu vou falar desse livro meu senso de humor se escoa pelo ralo como resto de miojo que fica na panela. Vamos direto ao ponto, então.

Ironweed é um livro que compõe o tal “Ciclo de Albany”, do escritor estadunidense William Kennedy. O “Ciclo” é uma série de sete livros até o momento (atualmente o escritor está finalizando o oitavo) sobre a cidade de Albany (e você achando que fosse sobre aquele sabonete com cheiro esquisito), capital do estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Já viu estado em que a capital é menor do que outra cidade de seu interior? Pois é, só Santa Catarina e Nova Iorque mesmo. As histórias dos livros têm Albany como pano de fundo para diversas histórias, mas eu não sei dizer quais são porque até agora a Cosacnaify só lançou dois títulos: O grande jogo de Billy Phelan e Ironweed. No primeiro, um rapaz meio viciado na jogatina que se recusa a ser X-9 mas ninguém acredita e começam a lhe fechar as portas.

Já em Ironweed, o protagonista é Francis Phelan, pai de Billy. Francis é um ex-jogador de beisebol que já não era lá essas coisas. Alcoólatra, pobre, devendo as calças pra venda e corno manso que só ele, volta à cidadela onde cresceu e fez fama pra confrontar seus fantasmas. E quando digo “fantasmas” não estou falando em sentido metafórico. Ele realmente fala com os mortos da lembrança dele, pessoas que tiveram seu fim de alguma forma relacionado à sua experiência. Isso aí de falar com fantasminha irritou muita gente que eu sei, mas falemos disso depois.

Francis tem uma mulher chamada Helen Archer, uma ex-cantora que, agora decadente, vive de favor dos outros. E também um amigo chamado Rudy, que além de ser pobre e dever as calças pra vendinha, tem câncer e vai morrer. É, amigo, como diz o Marcelo D2, “tá ruim pra todo mundo, o jogo é assim”. Os três vivem fazendo uns bicos na época da Grande Depressão (não, não é o show do Los Hermanos, é a consequência da crise da bolsa de 1929), matando um leão por dia em uma época em que o Ibama não pegava no nosso pé por isso. Então, passando pela humilhação, pela a bebedeira, pelo desbarrancadeiro, pela grana curta e pelos ectoplasmas inconvenientes, Ironweed é o clássico romance de bebum que Charles Bukowski explorou ad nausea, e por isso tem tudo para fazer o maior sucesso entre aquela raça de pessoa com o prazo da adolescência vencida que se passa nos bailinhos e curte óculos de sol maior que a própria cara.

Encanei com uma coisa nesse livro, que foi a linguagem. Mesclando vários estilos, o livro foi comparado ao Retrato do Artista Quando Jovem, do Joyce, mas eu, na humilda, acho que é inconsistência de quem não se planejou nesse sentido. Vamos combinar que se você é foi um cara com metade da sagração bovina de um Joyce o seu direito de pirar o cabeção nas suas escrivinhaduras não está exatamente legitimado. Mas calma, todas as oscilações de estilo ao longo do livro não são capaz de provocar a mesma fúria que causa um único parágrafo do Lobo Antunes, aquele xarope.

Ah sim, Ironweed foi adaptado para o cinema por Hector Babenco, aquele diretor que parece famoso, mas que na verdade nunca fez nada que você tenha visto, a não ser Carandiru. O filme tem estrelas do naipe de Jack Nicholson no papel de Francis, Meryl Streep no papel de Helen e Tom Waits no papel de Rudy. É praticamente um NBA de atores no mesmo filme. Eu comecei a ver, mas não terminei porque comecei a babar na gola da camisa. Ô filmim chato do caraça. Sempre dizem que o livro é melhor do que o filme, e até dá pra entrar numa discussão sobre o assunto em alguns casos, mas nesse não. Comparado com o filme do Babenco, o livro Ironweed é um porrilhão de vezes melhor. Quem viu, tá ligado.

Preciso mesmo falar do projeto gráfico? É da Cosacnaify, gente, não tem o que discutir. Tem até um alto-relevo na capa, foto sensacional, fonte ótima, papel ótimo, tudo nos trinques. Os livros do “Ciclo de Albany” seguem o mesmo projeto, e, putz, vou parar de falar pra não ficar babando ovo.

E aí vocês me perguntam: “Mas Yuri, e aquela crítica séria, engravatada, sóbria, que não enrola a gente e — essa sim — parece inteligente?” Meus caros, já sabem, é lá na revista Paradoxo. Nessa semana, o livro de Haruki Murakami que pôs todo mundo pra correr. Passa lá!

Comentário final: 272 páginas em capa dura. Quebra os óculos de sol maiores que a cara e revela o que tem por baixo deles: horror! Horror!

Henry Miller – Trópico de Câncer (Tropic of Cancer)

Tropico de CancerAlô criançada, o palhaço Pennywise chegou para te oferecer um balão e perguntar se você quer flutuar aqui embaixo! Divertiram-se muito essa semana? Espero que sim, porque o domingo já chegou e hoje é o começo da sua depressão semanal que só vai acabar quinta a noite. Então bora esquecer dos problemas e dar umas risadas forçadas e amareladas aqui no Livrada!

Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, eu podia estar jogando tags chamativas para este blog como RESENHAS DOS LIVROS DO VESTIBULAR ou TUDO PARA PASSAR NO CONCURSO PÚBLICO, mas não, estou aqui, honestamente, falando de um livro para o qual eu nem ligo mais. Trata-se do Trópico de Câncer, do Henry Miller. Na verdade, na verdade, eu queria falar da Trilogia da Crucificação Rosada, uma obra de muito mais valor na carreira do autor, mas a maioria das pessoas não tem culhão ou vida suficiente para ler aqueles Sexus, Plexus e Nexus. Então escolhi esse, um livro bem mais acessível, tanto na linguagem quanto no preço, para comentar um problema gravíssimo: o que acontece quando o escritor fica famoso pela obra errada?

Richard Dawkins, biólogo, o único queniano do mundo que não deve saber correr, fez vários livros interessantíssimos sobre genética e evolução, mas ficou famoso por um tratado qualquer sobre ateísmo que não convenceu ninguém. Assim como em Dawkins, a obra mais conhecida de Henry Miller é Trópico de Câncer, uma história meio xarope sobre quando ele vai para a França para viver o sonho de qualquer curitiboca: ser um escritor de putaria que mora na França, um cara que venceu na vida, ascendeu socialmente e só frequenta as altas paneladas da galera descolada dos arrondisments très chiques. Cronologicamente, o livro é uma continuação da Trilogia da Crucificação Rosada, mas foi escrito pelo menos uns vinte e poucos antes, em 1934, quando ele era um quarentão na plena idade do lobo.

Bom, quem leu a Trilogia sabe que ela gira toda em torno do autor tentando realizar o seu sonho de ser escritor, e quem é experimentado em relatos autobiográficos sabe que a parada só é divertida enquanto o autor-protagonista tá passando perrengue. Por essas e outras o Plexus, segundo livro da trilogia, é o meu favorito dele. E por essas e outras também que Trópico de Câncer é um livro xarope. Quem lê, pensa: “filho da mãe, livin’ the dream aí nas ôropa e eu aqui me ferrando comendo joelho na padoca pela manhã”.

Henry MillerPior do que isso: Miller não se deixou mostrar o excelente prosador que é em Trópico de Câncer. Quem já leu Plexus ou Sexus e leu os discursos que ele proferia com orgulho para os amigos (o gajo curtia um exibicionismo desse tipo) tá ligado que o cara é gênio na arte da oratória e do discurso, e sabe conduzir uma história até esses momentos. Tem grande força narrativa também. Bom tudo isso foi deixado de lado no Trópico. Temos lá uma prosa morninha, com uma ou outra putaria para fazer brilhar os olhinhos da galera descolada que só lê Bukowski. Aliás, Henry Miller, ao contrário do que muitos pensam, não é um escritor beat. Só influenciou a galera e entra junto da estante dos fanáticos por uma escrita rasa. Neguinho fica lendo esses velhos safados aí, depois pega um Henry Miller pra ler e acha que o cara é o melhor escritor do mundo. E lê justamente o Trópico. Vai entender…

Uma última coisa que eu queria dizer sobre Henry Miller antes de passarmos ao projeto desta edição: meu deus, esse cara viveu bastante pra um boêmio. Morreu com 88 anos feito cobra de museu, conservadão no álcool. Se o cara nasce em 1891 e morre em 1980, pára e pensa o que esse vato não viu na vida.

Aí! A resenha pode estar inconstante, estranhona e dar a impressão de que foi feita nas coxas (lá lá lá lá lá), mas a parte em que analisamos o projeto gráfico é sempre a mesma: último parágrafo e vamos lá. Essa edição da José Olympio editora é bem charmosa, apesar do papel offset pentelho. Quer dizer, essa capa aí, amigo, não é qualquer um que arrisca não, e foi feita pela Vera Bernardes, veterana e quase pioneira no simplismo das capas de livro. Se bem que eu tenho birra de quando o nome do autor é maior que o título, dá esse calafrio de best-seller que eu passo longe. Brrrrrrrrr. Foi feito durante o aniversário de 74 anos da editora, fundada em 1931, só pra constar. Tem uma fonte que eu não sei precisar qual é, mas não é muito bonita, e um cabeço bem cafona, com título e autor em caixa alta, e paginação na parte de cima — uma escolha que pode agradar várias pessoas, mas não a mim porque eu sou chatão. Ele tem um papel cartonado de gramatura mais alta pra proteger o miolo, e serve pra você anotar telefone do disk-gás e etecetera (mentira gente, não façam isso com o livro de vocês). Foi traduzido por Beatriz Horta, que já traduziu livrassos como A cura de Schopenhauer e O diário de Bridget Jones. Sacanagens à parte, a tradução é boa. Mas não salva o livro.

Comentário final: 290 páginas em offset, bem molinhas. Não é vetada nem na lei da palmada.

Ashley Kahn – Kind of Blue: a história da obra prima de Miles Davis (Kind of Blue: The Making of the Miles Davis Masterpiece)

Kind of BlueBom dia, todo mundo. Domingo glorioso esse, minha gente. Ganhei um irmãozinho na sexta feira, ele chama Theo e é cheio de personalidade. Vamos deixar esse post em homenagem a ele, e a internet há de preservá-lo para quando o garotão souber ler, saber o que o irmão com idade de tio escreveu quando ele era ainda um pequeno pacote de gente. Sem mais babações, vamos aos trabalhos.

Escolhi o livro de hoje oportunamente para pedir uma ajuda de vocês: rapazotes e raparigas (no bom sentido), vocês tem algum disco bom de jazz para me indicar que eu ainda não tenha escutado? Algo levinho, instrumental, matematicamente bem feito? Gosto muito do Bill Evans, mas já estou meio de saco cheio de ouvir todos os discos dele. Então sugiram aí, mas excluam as obviedades tipo Giant Steps, a Love Supreme, Sugar, Double Rainbow, Amsterdam After Dark, Ascenseur pour L’Echafaud, Kind of Blue, etc.

Falando em Kind of Blue, nosso livro de hoje é, aliás, um livraço sobre música. Geralmente passo longe desse gênero de livro, porque a quantidade de música que a mídia joga na nossa cabeça é tanta, que gosto de fazer da literatura um hobby silencioso, sem Meteoros da Paixão e Garotas Radicais. Biografia de guitarrista? Passei. Trajetória do grunge? Tô fora. O rock dos anos 80 em imagens? Vai catar coquinho. Autobiografia da Lady Gaga? Livrada na sua fuça! Chega de tanta música. Vamos desligar o ipod e ler um livro sobre outras coisas, né?

Mas hoje não. Hoje, escolhi o maravilhoso livro do Ashley Kahn (não me lembro direito das aulinhas de ingês da Tia Regina, mas Ashley não é nome de menina?), Kind of Blue: a história da obra-prima de Miles Davis, pelos seguintes motivos: 1- esse disco é uma das poucas unanimidades desse mundo entre as pessoas que entendem alguma patavina de música. 2- esse livro mistura reportagem e ensaio, ponto pra ele, minha gente. 3- Como já dizia o Capitão Nascimento, quem manda aqui sou eu. Então, vamos a ele.

Kind of Blue: a história blábláblá, ô título grande da gota!, é uma pérola para os amantes de um bom vinho e um bom jazz que leem Kant no banheiro e cantam as gatinhas na balada falando “oi, você vem sempre aqui nesse antro pequeno-burguês?”. Mentira, é um livro bom pra todo mundo, mas nos últimos anos o Jazz ficou estigmatizado como gênero de música que as pessoas mais fingem que gostam do que propriamente ouvem, ou seja, som de poser chatão que quer pagar de inteligente ouvindo um gênero que nasceu com a bugrada afro-descendente socialmente marginalizada dos Estados Unidos. Então, falar de Jazz ficou uma coisa perigosa, você pode acabar sendo tomado por um desses homens-bouquet (como bem definiu Xico-Sá em seu maravilhoso livro Chabadabadá).

E é assim, crianças, que vocês enrolam um texto por cinco parágrafos. Aprenderam? Agora é sério gente, o livro é um apanhado breve do jazz na época de Miles Davis, e o que foi importante na sua carreira, e no modo como se fazia e consumia o gênero musical na época para a criação de Kind of Blue, o álbum com as cinco musiquinhas mais espertas que você conhece. A partir daí, o autor conta os bastidores da gravação e da formação e analisa textualmente cada faixa do disco, umas das melhores descrições de músicas que eu já vi.

Ashley KahnO primeiro ponto alto do livro é esse apanhado histórico da época de Miles. O disco foi lançado em 1959, dois anos depois do cláááássico Time Out, do Dave Brubeck e seus miquinhos amestrados, e até hoje se discute qual dos dois foi mais impactante e influente na época. Se bem que é uma discussão meio vazia, tipo saber se foi o Greedo ou o Han Solo quem deu o primeiro tiro naquele boteco de Guerra nas Estrelas. Mesmo assim, o que se sabe é que o Jazz nunca mais foi o mesmo depois dessa época de ouro, e Kind of Blue representou bem isso. Se você não sabe, sente só a escrete que gravou: Miles no trompete, Cannonball Adderley no sax alto, vovô John Coltrane no sax de macho, Wynton Kelly no piano, o master of puppets Bill Evans no piano e na competência, Paul fuckin’ Chambers no baixolão e Jimmy Cobb na bateria. Convenhamos que, com essa galera, não podíamos esperar outro resultado. Claro que isso aconteceu por certas características da personalidade de Miles e outras confluências dos astros. Esse excesso de estrelas juntas, no geral, e principalmente no Brasil, e mais especificamente, no futebol do Brasil, só dá cagada. Fossem todos nascidos no país tropical e sairiam do estúdio com algo parecido com o “vou te pegar (tchá tchá) essa é a galera do avião”.

O segundo ponto importante é essa descrição das músicas que Kahn faz tão bem. Não só serve para fazer aí um transporte de suporte de linguagens, uma sinestesia cabulosa, quanto também para mostrar para os leigos em notação musical e bichos cabeludos semelhantes o quão bem pensadas são essas faixas que gente tapada diz que “é feito na hora”. A genialidade, senhores, pura e descrita em palavras.

Por fim, e é sempre importante dizer, vale o registro. Um disco dessa magnitude não poderia passar sem pelo menos, uma dúzia de livros. Ora, vamos combinar que não faltaram nessa vida livros sobre os Beatles, Jimmy Hendrix e outros sujeitos badalados de um tempo que não volta mais, então por que seria diferente com Miles Davis? Não seria, né? E a literatura sobre jazz é mais vasta do que supomos, o problema é que não chega muita coisa traduzida por aqui. Então, valorizemos e devoremos os livros bons de repórteres competentes que aparecem por aqui.

E o que falar desse projeto da editora Barracuda? É simplesmente sensacional, minha gente. Sim, tem papel offset, sim, a página é meio poluída, sim, é tudo cheio de letras, mas é um livro muito bonito! Essa capa sensacional, as fotos da época no miolo (e são muitas), o cabeço elegantinho, as legendas nas colunas de respiro, é um belo formato para um livro de música. Ah, e o prefácio quem escreve é o Jimmy Cobb, o baterista e o único integrante ainda vivo dessa galera (viram que maneiro é não usar drogas, crianças? Vocês acabam escrevendo um prefácio sobre seus amigos mortos mais famosos que vocês!), que, vá lá, não diz muita coisa, mas, mete aí de novo, vale o registro. E até a próxima!

Comentário final: 254 páginas offset. Em homenagem ao irmãozinho, não vamos bater em ninguém com esse livro hoje!

Edward Bunker – Nem os Mais Ferozes (No Beast so Fierce)

Hey, hey, garotada! Mais um domingo de resenhas do Livrada! Tá sem nada pra fazer no domingo? Decepcionadão com as pilantragens da Ferrari na Fórmula 1? Sem paciência pra artesanato de feirinha? Chegou morrendo de fome da missa? Vem pra cá se divertir!

A vida não tá fácil, pessoal. Tá cada vez mais difícil parar pra escrever sobre livros. Agora entendo aquele pessoal com cara de mal-comido que diz: “quem tem tempo para livros hoje em dia?” Mas a gente segue firme e forte. Alguém tem alguma sugestão de como agilizar o processo? Estava pensando em fazer um podcast, já que fazer vídeo é uma impossibilidade por hora, e, afinal de contas, o jeito de ganhar o coração das pessoas na internet é livrando-as do infortúnio de ter que ler algo ao monitor. É, vamos amadurecendo as ideias, deixem aí suas opiniões. Enquanto isso, uma notícia boa: tivemos um recorde de acessos no último post, do Irvine Welsh. O número? Não vou comentar, rá! Mentira, vou sim, eu sei que isso aqui nunca vai ser popular igual a um blog normal, mas tivemos 171 acessos na quarta feira. É, e você achando que isso aqui tinha duas mil visitas por dia, né?

Sem mais, vamos ao livro de hoje: um livro rapidinho, bacana, chuchu beleza, pra você levar e ler no feriado, na praia, sem dar uma de maluco igual ao nosso amigo que leva Dostoiévski pra ler na Bahia. Trata-se do clássico policial Nem os Mais Ferozes, dele, o Mr. Blue, o velhinho problemático, Mr. Edward Bunker. Bunker publicou o livro em 1973, quando ainda estava passando um tempo ausente, em San Quentin, a prisão de segurança máxima dos Estados Unidos que rende desde músicas do Johnny Cash a videoclipes decadentes do Metallica. Pouca gente sabe, mas o autor foi, na época dele, o mais jovem detento da casa grande, entrando com 16 ou 18 anos, não me lembro bem. Em 75, Bunker deixaria San Quentin definitivamente, e se tornaria essa pessoa querida da literatura, artes cênicas e outras artes mais pacíficas, sempre vivendo ou escrevendo algo próximo do que fora sua vida. De todos os seus livros publicados, Nem os Mais Ferozes é, de longe, seu maior sucesso editorial, sendo adaptado para o cinema e tendo inspirado sujeitos como Tarantino em seus filmes. Aliás, tenho um palpite sobre o Tarantino: ele é como o Tim Burton, faz uns filmes que parecem sinistros, mas são feitos pras menininhas com muita imaginação e pouca auto-estima. Mas bom, vamos deixar essas minhas opiniões polêmicas pra lá.

Edward BunkerNem os Mais Ferozes conta a história de Max Dembo, um protagonista que vai grudar na sua mente igual aquela música chata do Paralamas: “Rosas em dó, trevas em sol, uma brasileiraôôôôÔÔÔ”. Bah, sei lá como é a letra desta porcaria, mas aposto que já ficou na sua cabeça. Dembo sai da prisão depois de uma vida gauche disposto à se regenerar e ficar certinho que nem moldura em casa de obsessivo-compulsivo. Mas as coisas não são bem assim: estigmatizado por sua ficha suja e com um agente de condicional chatão que não larga do seu pé e está sempre disposto a levar tudo na má intenção, não demora pra ele despirocar de vez e cair rapidinho na vida do crime de novo. Contar mais do que isso é estragar o livro, aliás, já contei demais, né? Parei por aqui com a sinopse então.

Max Dembo foi vivido no cinema por Dustin Hoffman no filme Liberdade Condicional, de 1978, e foi até bem aclamado e teve visibilidade. Para mim que ainda sou meninão e só conheci o Dustin Hoffman mais velho, percebi que a idade fez maravilhas para o sujeito. Entretanto, o filme poderia ser mais fidedigno e… peraí, eu tô comentando filme aqui de novo? Ah, faça-me o favor!

Acho que o termo “policial” para descrever esse livro até cai bem, exceto pelo fato de não ser uma estória de mocinhos, mas de bandidos, sobretudo. O fato do cara ter amigos e o sistema para jogar ele sempre de volta para o submundo é um tema debatido e comentado na literatura “bandida”, desde Luiz Mendes a Patricia Melo (tá, exemplo horrível, mas vamos lá). Nem os Mais Ferozes é um livro muito diferente dos outros livros de literatura marginal, e tem um desenvolvimento muito bom, com um estilo fluido e aparentemente simples, mas entrecortado por boas e precisas incursões psicológicas.

O livro foi lançado pela editora Barracuda, uma editora que merece muito o nosso respeito. Os caras sabem escolher mesmo os autores que publicam, não sai qualquer merda. O catálogo deles é mínimo, nem sei qual foi o último livro que eles lançaram, mas já deve fazer algum tempo. Esse livro não tem orelha (O QUÊÊÊÊÊ?), e eu sei que isso pode ser algo meio subversivo para os puristas e leitores de orelha, mas, acredite, dá um charme para algumas edições e barateia em muito o custo final de produção. No mais, papel pólen soft na veia, o que, em 2004, era algo reservado a editoras luxuosas. Fonte helvética na veia dos irmão e cabeço discreto junto à paginação, do jeito que a gente gosta. Ah sim, a tradução é daquele moço, o Daniel Galera, sabe? Pois é, é dele.

Comentário final: 356 páginas pólen soft. No pé da orelha é uma porrada!

Philip Roth – O Complexo de Portnoy (Portnoy’s Complex)

O Complexo de Portnoy

O Complexo de Portnoy

Último fim de semana do mês, amigos. Também conhecido como “fim de semana seminarista” pelo voto involuntário de pobreza que a gente faz pra esperar o advento do salário, que morreu por nossos pecados consumistas e retornará mais uma vez para salvar nossa barriga da miséria, amém. E aí, vamos encarar um programa financeiramente isento neste domingo e ler a resenha do Livrada! É ou não é? Aproveitem que, por enquanto, vocês não pagam nada para ler minhas nada brilhantes resenhas.

E sinta só o drama do ardil: graças às estatísticas do wordpress, pude constatar que o autor mais pesquisado no Google que traz leitores para cá é o nosso querido vovô Philip Roth (tem alguma coisa nele que realmente lembra meu avô, não sei o quê). Então pensei, “que diabos (esse negócio de pensar “que diabos” é um trauma da opressão cultural norte-americana que nem vinte anos de análise curam), vou resenhar mais um livro dele”(dá um tapa na própria coxa). Se bem que, ao que parece, estou fazendo um grande desserviço, porque nunca consigo fazer as pessoas se interessarem pelos livros dele. Vejamos se a gente consegue reverter isso, escolhi um livro beeeem legal dessa vez.

O Complexo de Portnoy é um livro velhão, maluco. Foi publicado em 67 pela primeira vez, e ganhou muitas edições até essa versão lindona que eu tenho em mãos. Foi o segundo livro dele que eu li, e que boa impressão me deu sobre o autor! Em primeiro lugar, por ser um livro muito bem escrito, como são as obras do cara. Em segundo lugar, por ser um livro de comédia, algo muito, mas muito raro hoje em dia (e a raridade se dá, é claro, ao equilíbrio entre humor e boa literatura. Não estamos falando aqui de livros apenas engraçados). Escrever comédia é um troço muito difícil, porque a piada tem que ser lida, interpretada, imaginada na sua cabeça e aí, só depois, se for boa, você dá uma risada. Por isso o humor, além de sutil, tem que ser muito bem trabalhado, senão vai ser só uma parada vergonhosa de ler.

Mas bem, do que trata o Complexo? Alexander Portnoy, o protagonista do livro, é um sujeito balzaco tomado de complexos formados em sua infância, que conta suas histórias para um analista. Pelo menos pra mim, a cultura judia é uma parada muito distante que só começou a ganhar forma no meu imaginário a partir desse tipo de literatura, e dos filmes do Woody Allen e dos Irmãos Coen. Não sei como funciona direito, portanto, mas o Alexander do livro é atormentado pelo famoso estereótipo da mãe judia: grudenta e opressora até o último, e atormenta a todos — ele, sua irmã e seu pai, que é um vendedor de seguros falidão. Claro que não é privilégio apenas dos judeus ter uma “mãe judia”, mas a religião exige uma porção de privações e regras que, como diria aquela música do Patife Band, deixa qualquer um malucooooooooo. E entre as um zilhão de coisas que ele não pode fazer, começa a desenvolver uma tara e um vício por masturbação como válvula de escape. Com toda a rebordosa que lhe bate após todas as vezes que ele bate (caham), ele começa a entrar em umas neuras de remorso e paranóia com a justiça divina, o que seria muito triste não fosse tão engraçado pra gente, que tá lendo.

Philip Roth

Philip Roth

De uma maneira que eu não sei precisar direito, o tragicômico do livro vai se tornando cada vez mais trágico rumo ao seu final. Possivelmente por causa das consequências desastrosas de alguns episódios e os desdobramentos de outros na vida adulta de Portnoy, e isso meio que mata o ritmo nas últimas páginas, o que não quer dizer que fique desinteressante. Mas a nata da obra mesmo tá na primeira metade dela. E quem leu tá ligado.

Essa tradução do Paulo Henrique Britto é bem legal por conservar os termos que a judeuzada usa e anexar um glossário no final. Algumas palavras a gente sempre ouve nos filmes e nem se dá conta que é termo dos judeus, tipo “schmuck”, usado pra xingar alguém, que literalmente quer dizer “pênis”, entre outros. A reimpressão da Companhia das Letras deu uma capa que é uma das mais bonitas da coleção dele (junto com a de Indignação), e o projeto gráfico do interior é muito parecido — senão idêntico — com os livros do Coetzee: fonte Electra, papel pólen, e a diagramação interna que lhe é peculiar. Obviamente que um livro como esse, sobre um moleque judeu punheteiro, causa muito mais frenesi na década de 60, quando foi lançado, do que hoje em dia. Mas é legal ver que, mesmo após 40 anos, ele segue firme e forte como um dos clássicos da literatura (tá na tag!)

Putz, agora que me dei conta que usei as expressões “masturbação” e “punheteiro” nessa resenha. Eu tava querendo satisfazer melhor os leitores que são trazidos pelo Google e acabei de arrebanhar uma multidão de cornos anônimos depravados. Fazer o quê?

Comentário final: 261 páginas pólen soft. Pimba na cabeça do corno anônimo depravado que chegou aqui pelos termos errados!