Michel Laub – Diário da Queda

Michel LaubQuem lê esse blog há tempos (e creio que esse número vem aumentando constantemente), sabe que eu sou um eterno amargurado com a nossa literatura brasileira contemporânea e saio errantemente procurando algum livro que me faça mudar de ideia ou que me dê a cetelha de esperança de que preciso pra não ir na do sujeito lá que deu entrevista pro Globo falando que o Rubem Fonseca não faria sucesso nos dias de hoje. A sorte é que volta e meia esbarro com um desses exemplares. O Diário da Queda é um deles. De longe o melhor e mais maduro livro do Michel Laub. Vamos a ele que atrás vem gente. (putz, acho que não era assim o ditado, tenho que parar de tomar tanto chá de fita).

Num resumo bem simplista, o livro é narrado em primeira pessoa em pequenos fragmentos (como em O Gato Diz Adeus) por um judeu, neto de um sobrevivente de Auschwitz, que estuda num colégio só pra judeus, onde ele e seus amiguinhos fazem um bullying pesado com o único gói do pedaço. Porém, como esse é um romance de formação, a coisa não pára por aí e vai até a vida adulta do protagonista, que se transforma em um escritor e sai de Porto Alegre para morar em São Paulo. Como o próprio Michel Laub, que, aliás, também é judeu. Para usar aqui uma palavra apropriada, tai um escritor que deve ter sido judiado até não poder mais com perguntas do tipo “Qual o teor autobiográfico de Diário da Queda?” e “Você tem um avô que é sobrevivente de Auschwitz?”, etc, etc. Sinceramnete, se você não tem o que perguntar para um autor que escreve um livro desses, só lamento, porque aqui há muito mais questões propostas do que a eterna ponderação sobre invenção e memória.

O acontecimento principal em O Diário da Queda é quando o menino Bruno (acho que é esse o nome, que preguiça, o livro tá a dois passos de mim, mas levantar a bunda gorda dessa cadeira pra pegar que é bom, nada) (agora levantei e vi que o nome do menino é João), quer dizer, quando o menino João, o gói da parada e eterna bola da vez da judeuzada cruel resolve fazer uma festa de aniversário de 13 anos, o que corresponderia ao Bar-Mitzvah dos colegas. Incorporando alguns elementos da festa judaica (êta, João antropofágico da gota serena!), os meninos fazem aquele lance de jogar o aniversariante pra cima com um pano gigante esticado por todas as mãos possíveis. Só que na última vez que jogam o menino pra cima, deixam ele se esborrachar no chão de propósito, só pra ver qualé. O João fica seriamente ferido e isso coloca a vida do protagonista em uma direção diferente da de seus colegas. Ele muda então de escola junto com o João e vai para uma escola não-judaica, onde agora quem sofre bullying é ele. Bom, essa é a primeira discussão do livro, então: a inconsciência da crueldade coletiva, o empoderamento da maioria e outras coisas tais que os judeus gostam de jogar nas costas da alemãozada. E principalmente a inversão dos papéis, algo que é comumente descartado pela suposta índole cândida dos judeus.

Mas aí também tem a questão do pai dele, que vive à sombra do avô, sobrevivente de Auschwitz e autor de cadernos completamente insípidos sobre a chegada no Brasil. O pai é bitolado na questão judaica e bota a culpa de tudo o que pode acontecer em Auschwitz e no holocausto. O confronto com o pai e suas ideias é também o confronto com seus amigos e o confronto com Auschwitz. Quer dizer, ignorar o holocausto é, para ele, amenizar a pancada sem ter o direito para isso. Como argumentar contra Auschwitz, afinal? Esse é um dos aprendizados do protagonista enquanto descendente de judeus questionador. E ele vai jogando essas e outras ideias, embora não consiga dar conta de metade delas dada a curta extensão do livro e a escassez de ensaio do narrador.

diário da quedaAliás, tai uma coisa legal do Laub, que são essas ideias discutidas não sob a forma de ideias sendo discutidas, mas sob a forma de fluxo de consciência, memória e seletividade narrativa. É só dessa maneira que a gente consegue perceber um padrão hegeliano nas gerações tratadas no romance (o livro é dividido em capítulos como “Algumas coisas que sei sobre meu avô”, “Algumas coisas que sei sobre meu pai” e “Algumas coisas que sei sobre mim”). Sabe, aquela coisa: tese, antítese e síntese. Um exemplo da relação: O avô nunca escreveu uma palavra sobre Auschwitz, o pai, por outro lado, sobrepesou a coisa e se tornou um obcecado. O filho, então, precisa balancear a vida e sair da sombra e da forma do holocausto para viver seus próprios dramas, filtrar as duas pontas de uma formação literária e concreta sobre o caso e avaliar o que pesa mais na sua vida: o legado do holocausto ou o próprio pai obcecado com o holocausto. Entre outras coisas.

Como vocês podem ver, esse é um livro complexo, maduro e relativamente bem resolvido, dado sua limitação de páginas e a extensa bibliografia, ficcional e não-ficcional, sobre o assunto. Acho que o cara conseguiu o que queria e foi bem sucedido nessa árdua missão do escritor brasileiro de fazer um livro que não seja só mais um livro. E acho que boa parte da minha simpatia foi ganha na linguagem. Sinceramente, ando cansado dessa onda de escritor nacional escrever que nem adolescente em absolutamente todos os livros. Ninguém se trata como adulto, e isso é chatão. O pessoal pode argumentar que geralmente são livros mais voltados para adolescentes, mas eu digo que a psicologia já provou que se você quer ser respeitado pela mocadinha, não fique falando Gugu-dadá pra sempre. E se alguém contra-argumentar dizendo que Gugu-dadá é exatamente isso o que este querido blog balbucia, eu digo que isso só vale para as coisas sérias, não para blogueiros literários absurdamente lindos e maravilhosos como eu.

O projeto gráfico da Companhia das Letras é um dos mais bonitos que já vi para livros nacionais. Fonte Electra, papel pólen de grande gramatura, e a foto de capa, meio prateada, é uma das melhores que já vi por aqui, na minha opinião.

Comentário final: 151 páginas de papel pólen soft. Ia contar uma piada de judeu aqui, mas são tempos perigosos de dedos apontados para todos os lados, então vou deixar quieto.

Anthony Bourdain – Cozinha Confidencial (Kitchen Confidential)

Kitchen ConfidentialAntes de começar o post de hoje, gostaria de pedir a todos que toparam fazer o Desafio Livrada! 2013 que me contassem o progresso para as metas estabelecidas. Meu palpite é que ninguém se lembra, brasileiro não tem memória de compromisso que assume, blá blá blá, em quem você votou pra deputado blá blá blá, vocês já conhecem o papo. Enfim, pode ser por comentário e pode ser também pelo e-mail bloglivrada@gmail.com, combinado?

Bom, o livro de hoje, parece bem óbvio, é uma não ficção. É um livro de memórias do cozinheiro nova iorquino Anthony Bourdain. E fazer resenha de livro de memórias é a coisa mais fácil pra acabar escrevendo um release involuntário (se bem que a maioria do povo que anda comentando livros na grande mídia já anda flertando com esse lance de release requentado). Mas vou tentar dar umas pinceladas gerais antes do comentário para ver se escapamos dessa cilada.

A ideia básica de Cozinha Confidencial é: cozinheiro é tudo porra-louca, a vida na cozinha é pior que a vida de boia-fria no sertão de Pernambuco e manter um restaurante, como diz a Barbie sobre a matemática, é “difííííícil”. É assim que o autor resume suas experiências. Ele começa contando como despertou seu paladar em uma viagem à França em que comeu sopa fria e mariscos crus. Eu sou meio fresco pra maioria das coisas e já teria parado por aí, mas bem, esse não é um livro sobre as minhas aventuras gastronômicas (até porque se fosse, teria umas dez páginas apenas). E a partir daí, desgarrou-se de sua família para ser um jovem cocainômano, maconheiro e alcóolatra numa cidade do litoral, onde arrumou um emprego de lavador de pratos para se manter. E seguem capítulos sobre a sua formação, os restaurantes em que trabalhou, seu envolvimento com a máfia e as grandes lições da cozinha que tirou da própria experiência.

Mas o cara é mais cozinheiro do que escritor. Prova disso é que ele não faz ideia de quem seja o seu leitor ideal, uma coisa que teria resolvido se desse uma lida nuns caras teóricos aí tipo Umberto Eco e Walter Benjamin que, olha, tão fazendo falta pra essa galera beletrista, viu. Ao mesmo tempo em que ele usa um linguajar cheio de jargão, o que dá a entender que o livro é feito para quem manja das putaria, intercala capítulos para totais iniciantes no assunto, do tipo “então você cozinha e quer impressionar as visitas num jantar? Olha aqui a lista de materiais que você precisa comprar”, “eis aqui a divisão dos trabalhos na cozinha” e “veja bem o que acontece por causa da difícil manutenção de um restaurante”. O palpite que extraio disso tudo é que Bourdain escreveu esse livro pra algum tipo de fooder hardcore que leu muito livro sobre o assunto mas não faz ideia de como a coisa se resolve na prática. Mas vai saber, às vezes o cara só queria abranger o maior público possível, e se você já sabe de alguma coisa que ele está falando, é só pular o capítulo.

Cozinha ConfidencialE embora o estilo de escrita dele seja meio cheio de coisas chulas e linguagem informal (parecido com esses malditos blogs literários da internet, hãn, hãn?), as histórias que ele conta são bem legais! E ele não idolatra a comida fazendo você salivar por cada coisa que ele descreve, mas antes de tudo, traz tudo para o plano terreno. É uma pegada bem realista e desglamurizada de tudo, eu acho, e isso é bom porque os cozinheiros mais midiáticos que eu conheço, tipo esse Jamie Oliver e a Nigella Lawson são muito entusiasmados com tudo. Entusiasmados demais, chega a cansar. Bom, não que ele não se empolgue em algumas partes, mas nada imperdoável também. Acho que se o cara não gostasse do que ele faz, não escreveria um livro sobre o assunto, principalmente um em que basicamente se resume a ele queimando o próprio filme com descrições insólitas de seus hábitos desregrados na cozinha.

Aliás, essa é outra coisa boa. Apesar dele ser o autor do livro, e, na sua condição de autor, mandar a real, Bourdain não se coloca como o detentor da verdade nem se pinta como o grande cozinheiro de nossa época. Pelo contrário, o cara fala “eu faço assim, mas se você for aprender com tal pessoa, esqueça tudo o que eu falei, porque ele manda melhor do que eu” com a maior tranquilidade. E acho que essa mínima falta de vaidade que seja é benéfica, principalmente em se tratando de profissionais vaidosos como cozinheiros e chefs de cozinha.

Eu acordei em um belo sábado querendo ler esse livro porque alguma amiga do Murilo certa vez me chamou de Anthony Bourdain dos hambúrgueres, em referência aos textos meio ensaísticos do meu outro blog, o Good Burger, que é basicamente igual a esse, só que mais afetado e sobre hambúrgueres. Li e não me arrependi, e me senti até meio lisonjeado. O projeto gráfico da Companhia das Letras é aquele pacote basicão de livros não tão importantes assim, mas que ainda assim, é uma beleza. Fonte Minion (a fonte usada para editora para a maioria dos livros de não-ficção), papel pólen e uma capa mutcho loka e psicodélica que deve querer passar uma ideia de cozinha e drogas, ou talvez apenas o movimento frenético dos cozinheiros. Essa capa aí da foto é o meu livro, que tive que escanear porque não tinha nenhuma foto em alta dessa capa na internet. Livrada! também é banco de imagens, rapá.

Comentário final: 376 páginas de papel pólen.  Dá pra tacar na cabeça do garçom quando ele traz um misto quente com queijo e presunto quando você pede um sem queijo, sem presunto, com ovo, salada e frio no lugar.

Daniel Pellizzari – Digam a Satã que o Recado Foi Entendido

Daniel PellizzariDeixe me começar dizendo que eu nunca havia lido nada do Daniel Pellizzari e que também não acho que esse livro seja parâmetro para julgar a obra dele. Por quê, vocês me perguntariam, se basicamente tudo o que a gente faz aqui é essa crítica metonímica de quem tá com pressa e não vai perder tempo com quem seja minimamente medíocre? Ora, porque Digam a Satã que o Recado Foi Entendido faz parte da coleção Amores Expressos. Aquela em que os escritores vão todos para um canto do mundo passar um mês com a missão de voltar com um romance que fale de amor e que seja ambientado nessa cidade. Deixe-me dizer que não acredito nem um minuto nessa premissa, e não acredito que algo de bom possa sair disso. Afinal, pode a expressão ser encomendada? Pode um sujeito receber uma missão limitadora como essas e voltar com algo genuinamente relevante? Eu duvido muito, até porque já li outros livros dessa coleção e ainda não vi nada que fosse realmente digno de nota. E isso não tem, objetivamente, a ver com a qualidade dos escritores, pelo contrário, gente respeitadíssima deu com os burros n’água nessa aí. A diferença da coleção Amores Expressos para outras coleções que deram certo, como a Plenos Pecados, por exemplo (bom, é bem verdade que só uns quatro livros daqueles prestam, mas são quatro de sete, então a média é boa), é que enquanto ele é geograficamente limitado, é tematicamente genérico. Pensar cada um dos pecados capitais, ou mesmo algo aparentemente mais leviano, sobre os dedos da mão (como na coleção Cinco Dedos de Prosa), é algo infinitamente mais produtivo do que pensar em histórias de amor situadas em diferentes partes do mundo. A boa coisa é que a pancada é amortecida, em boa parte, pelo fato de metade dos escritores incumbidos da missão desrespeitarem essa lei e acabarem trazendo uma história sobre absolutamente qualquer coisa. Senão a coisa ia ser pior ainda, imaginem vocês!

De modo que estamos entendidos que este é um livro conceitualmente único na carreira desse senhor Pelizzari, segundo que o livro encomendado é o livro do escritor profissional, aquele que escreve pra ganhar o cheque, não necessariamente para dar vazão à sua expressão literária (embora isso seja até possível). Mas vamos lá: Digam a Satã que o Recado Foi Entendido se passa em Dublin, capital da Irlanda, e cruza algumas histórias de alguns personagens, todos ou quase todos imigrantes no país de Joyce: a história de um sujeito com o inacreditável nome de Magnus Factor (sério mesmo?), que trabalha numa agência de turismo especializada em roteiros mal assombrados pela cidade, e que se apaixona por uma eslovena vida loka, uma garota de 12 anos que quer fazer uma peregrinação suicida, uma modalidade cada vez mais em voga nos dias atuais, e uma seita que louva deuses celtas para os quais ninguém a não ser a Enya dá a mínima. Isso e outros personagens tão bidimensionais quanto as folhas de papel nos quais estão inseridos. A história do livro é a história do cruzamento desses personagens, não havendo um eixo central da história, nem algo relevante para ser usado como fio condutor. O amor exigido pelas regras da coleção? Meramente protocolar, esqueçam. A Irlanda em si? Talvez, mas essa é uma abordagem muito da superficial para um livro tão curto e tão despretensioso. Os fatos relacionados a Dublin, sua mitologia, sua história e seus elementos são meramente citados com conhecimento enciclopédico. Sério, essa viagem a Dublin poderia muito bem ser substituída pela leitura extensa e excessiva de um almanaque sobre a cidade. Esse conhecimento enciclopédico, irreflexivo e meramente descritivo é a tônica do romance, e é amplamente utilizado pelos personagens, como um polonês, coadjuvante na história, obsessivo por listar epidemias. A coisa em si não serve à história e serve poquíssimo ao personagem – quando muito dá um traço da personalidade dele.

Renato ParadaTalvez o ponto central da história aconteça nas páginas finais. É como aquele caseiro do Iluminado que passa o filme inteiro viajando até o hotel onde um pai de família está despirocando e atrás da família e quando finalmente chega, toma uma machadada nas costas e morre. Tudo converge pro final, mas não necessariamente é o final que você esperaria. E tudo então é muito rápido, abrupto, como se o autor estivesse já meio de saco cheio da história e quisesse colocar o ponto final logo.

Falei até aqui da trama, que tem todos os elementos que você aprende numa oficina literária: múltiplos personagens, coadjuvantes minimamente interessantes, digressões sobre temas populares, conhecimento de almanaque e final convergente. O estilo também segue a fórmula: uso excessivo de oralidade, gírias, neologismos se necessário e uma fórmula bem característica de pequeno ensaio temperado na crônica. A linguagem parece muito a da tradução do Trainspotting, do escocês Irvine Welsh, que foi traduzido justamente pelo autor e pelo Daniel Galera, então, sei lá, deve ter ficado essa influência do que seria uma escrita britânica traduzida na cabeça do Pellizzari, essa que ele ajudou a criar. Quem lê esse blog há muito tempo sabe que eu não sou muito de ficar pinçando trechos pra provar meus pontos de vista, porque trechos servem justamente pra isso: provar pontos específicos, e isso é extremamente tendencioso. Essa opinião é a ideia geral do romance, que o permeia do começo ao fim. Particularmente, não é dos meus estilos literários favoritos, mas parece que a garotada gosta muito hoje em dia. Aliás, suspeito que essa coleção Amores Expressos tenha definido um público que fica entre os 17 e os, sei lá, 22, 23 anos. Pra essa galera os romances têm um apelo de descoberta de mundo e de frescor literário, então sempre é uma coisa boa.

Aliás, deixe-me dizer aqui uma coisa que parece que vai contrariar tudo o que eu já disse: ler esse livro não é uma experiência ruim. É uma leitura rápida e não é irritante, de maneira que se torna uma boa opção de fast-pace, pra ler no aeroporto, no hospital enquanto um parente querido é operado, pra quem visita o Detran regularmente, ou simplesmente pra quem tem com livro aquela atitude de frequentador das extintas locadoras de filmes, que pedem “um filme pra não pensar muito”. É um livro que discute alguma coisa? Não. É um livro que vai mudar a sua vida? Provavelmente não. Mas como a produção atual anda nivelando por baixo, esse Digam a Satã que o Recado Foi Entendido pode servir como o gengibre em conserva, o gari da comida japonesa: tira o gosto da boca entre uma comida e outra.

O projeto gráfico da Companhia das Letras, como sempre, é bem impressionante, e o estilo pop e chapado da capa passa bem essa ideia de uma leitura rápida e para jovens. Por dentro, papel pólen, fonte Electra e uma gramatura boa pra fazer o livro parar de pé. Para se ler em um ou dois dias.

Comentário Final: 184 páginas de papel pólen e gramatura alta. Tá ficando cada vez mais difícil fazer um comentário final. Acho que vou parar com essa ideia.

Cormac McCarthy – Todos os Belos Cavalos (All The Pretty Horses)

All the pretty horsesTodo mundo que me lê aqui sabe que eu começo falando dos livros pra depois falar da edição. Mas vou inverter a pirâmide hoje (tá ligado em pirâmide invertida? É gíria de jornalista pra prexeca, só quem é malandro sabe) e começar falando da edição. Todos os Belos Cavalos foi lançado pela editora Planeta DeAgostini, que fez a coleção Grandes Escritores da Atualidade, uma dessas coleções de banca de jornal que você compra quinzenalmente pra dar a chance do jornaleiro de ter carne na ceia de natal dele. De modos que esse livro, caso você goste do que eu vou escrever aqui hoje, vai ser meio difícil de ser encontrado, porque a Companhia das Letras, que é quem o publica, deixou esgotar a edição e nem sequer se dignou a fazer uma reimpressão desse que é top 3 das minhas leituras desse ano.

Enfim, a coleção foi lançada em 2003/2004 e era vendida a R$16,90 cada exemplar. Só que os caras fizeram uma coleçãozinha matadora, com títulos como Reparação, Abril Despedaçado, Voragem, Pastoral Americana, Ruído Branco, Todos os Nomes, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Os Versos Satânicos, Santa Evita, Quando Éramos Jovens, Os Cadernos de Dom Rigoberto, Se Um Viajante de Uma Noite de Inverno, Os Mímicos, Coelho Corre.. ah, é demais, cara. Quando descobri isso fiquei meia hora batendo a cabeça na parede me perguntando onde diabos eu estava com a cabeça em 2003 que passei por várias bancas de jornal e não comprei nada disso. Enfim, passou e esse livro foi resgatado pela digníssima num sebo via Estante Virtual, anteriormente propriedade de um certo Ariel R. Pinheiro, que, vou dizer, deu mole ao vender essa joia provavelmente pelo valor de um maço de cigarros. A coleção é caprichada, com capa dura, uma foto boa pacas na capa e de resto, a mesmíssima tradução da editora original, que provavelmente fez com capricho. Recomendo, e agora que vocês já estão ávidos pela coleção, vamos ao livro em si.

Todos os Belos Cavalos é o primeiro volume de uma trilogia chamada “The Border Trilogy”, ou a Trilogia da Fronteira. São romances ambientados na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Seguem a esse o A Travessia (também esgotadão na editora, nem adianta chorar) e Cidades da Planície (talvez esse ainda tenha alguma coisa), os quais certamente estão entre as minhas próximas leituras, todos devidamente providenciados. Por hora, posso falar do primeiro. O livro conta a história de um sujeito chamado John Grady Cole, que veio de uma família de fazendeiros do Texas e cujo sonho maior é… tchanam! Ser fazendeiro. Mas justo quando chega a vez dele de assumir, o avô morre e o resto da família acha por bem vender a droga da fazenda que nunca deu dinheiro mesmo. Ele luta com isso o quanto pode, mas quando vê que não tá dando pé pra ele, resolve pegar um cavalo junto com o primo, de sobrenome Rawlins, e partir pro México, sem nenhum plano muito mais elaborado na cabeça. E aí ele chega numa fazenda mexicana, resolve domar os potros selvagens, se apaixona pela filha do hacendado e se mete em altas confusões, ao estilo faroeste cabôco do McCarthy. Seus personagens são todos sábios taciturnos, ninguém fica desfiando muitas teorias e ninguém vacila  com os sentimentos na frente de ninguém. Onde os fracos não tem vez.

The Border TrilogyA sacada é que tudo isso se passa no ano de 1949, se fiz as contas direito, ou seja, algum tempo depois da época das grandes diligências e da época em que as pessoas faziam viagens de cavalo. A guerra já tinha acabado, “Guerra Fria” era um conceito moderno, como “sustentabilidade” é pra gente hoje, o bebop tocando nas vanguardas e tudo mais, e o cara viajando a cavalo. É justamente essa a graça dos romances desse senhor. Sabe quando você vê essas propagandas patéticas do governo incentivando as pessoas a lerem dizendo “quando você lê, você se transporta para outro mundo”. Bom, isso é balela pra 90% dos livros que eu leio, mas não para os livros do Cormac McCarthy. A parada sempre vai numa vibe meio Red Dead Redemption, meio Sergio Leone, meio propaganda de cigarro (galera que é mais novinha que lê esse blog nem deve saber do que eu tô falando). Bate uma sensação de liberdade, um isolamento do tempo, um despreendimento dos problemas mundanos em favor de questões existenciais.

Porque essa é outra beleza da literatura de McCarthy. A ideia de que mesmo entre pessoas de vida mais simples, ainda há a inquietação cósmica, a vontade de entender o ininteligível, o desassossego da alma e o debate metafísico. Talvez até com mais propriedade, ante o contato maior com a vida do que nós, citadinos bunda-moles. E talvez por isso também o livro faça referência, em seu título, apenas aos cavalos, esses seres que são tratados com todo o carinho e veneração por seus donos. Os personagens de Todos os Belos Cavalos conhecem histórias de cavalos famosos, leem sobre cavalos, discutem sobre cavalos, comparam cavalos, matam e morrem por cavalos. E os cavalos continuam bichos, não são repletos de humanidade como em um certo filme do Spielberg que deveria inaugurar o Oscar de Melhor Cavalo, mas também nem por isso são desprovidos de profundidade ou vida. Entendem os homens, criam laços com eles, mas não se furtam a arroubos de susto e surpresa ante suas atitudes. Ainda são apenas cavalos, mas paradoxalmente são muito mais do que isso.

O que é estranho (e não deixa de ser uma qualidade) é o apelo comercial desse livro, que poderia muito bem virar um drama de faroeste moderno nas mãos de um charlatão de Hollywood. Acho que isso é uma técnica de sobrevivência dos escritores nos Estados Unidos. Nunca fazer um livro puramente contemplativo ou sisudo demais. Sempre tem que dar uma brecha pra, caso surja o desejo, adaptar a coisa pro cinema. Deve ser bem difícil conviver com esse povo ignorantão que mora nessa terra esquecida por Deus por causa disso, mas por outro, a coisa trabalha como um darwinismo literário: quem se sobressai, vira sucesso de crítica e público, e isso nunca vai ser algo ruim em tempos de Quentin Tarantino.

Por fim, Todos os Belos Cavalos pode ser o livro que vai te distrair durante um final de semana ou uma leitura que vai te marcar pela beleza, singeleza e profundidade. Assim como num finado programa da Globo, você decide.

Comentário final: 272 páginas do mundo de Marlboro. Oh yeah!

Milan Kundera – A Brincadeira (Zert)

zertEstavam com saudades? Puxa vida, hein, não dá pra ficar nem mais uma semana fora que esse povo me cobra! Brincadeira, seus queridos, vocês são até muito compreensivos, dado o fato de que não escrevi na semana passada porque fiquei jogando Skyrim. Bom, eu pago minhas contas e, por outro lado, não tem ninguém pagando pra eu fazer esse trabalho periódico de leitura e resenha, leitura e resenha, leitura e resenha, de maneira que não nutro maiores ilusões de que não posso desapontar os fãs. Mas a verdade também é que dei uma desacelerada boa no ritmo das minhas leituras esse ano, e já está ficando difícil ler um por semana para resenhar por aqui, especialmente porque preciso e quero ler uns calhamaços que sejam dignos de nota e… ah, mas vocês não vieram aqui pra ficar lendo minhas lamúrias de leitor preguiçoso e gamer proativo, então vamos ao livro de hoje.

Zert! Zert, ou A Brincadeira, esse que é o primeiro romance do tcheco Milan Kundera. Aquele da Insustentável Leveza do Ser e de A Ignorância, já resenhado por aqui. Vou dizer uma coisa sobre o Milan Kundera desde já, e que serve tanto para quem o leu quanto para quem nunca o leu: Milan Kundera é um excelente narrador e contador de histórias, mas quando ele quer mostrar que é inteligente ou quer pagar de putanheiro, sai de baixo. Ô bichinho chato. Sinceramente, não entendo porque ele faz isso, ele e um cara legal e não precisa ficar se exibindo desse jeito – mesmo porque acho que ninguém vai ler o cara por causa de sua falsa erudição. Por outro lado, talvez esteja aí o segredo do sucesso que o rapazote de 91 anos faz com a juventude. Ora, quem nunca leu A Insustentável Leveza do Ser com seus 15, 17 anos e se achou muito esperto por ler aqueles ensaios sobre a alma feminina e a união soviética? O problema é que o sujeito para de fazer a sua cabeça quando você faz a curva dos vinte e tantos (se não houve nenhum obstáculo no seu crescimento sadio), e foi por isso também que peguei esse livro para ler. Queria ver o que havia na literatura desse cara que me abalasse.

E a resposta é: pouca coisa. Mas a parte que me toca, que é a da diversão de se ler um livro gostoso, acessível e minimamente inteligente, compensa. Antes de falar do livro conteúdo, porém, um adendo sobre o livro forma: Essa capa que vocês estão vendo aí é de uma edição da Companhia das Letras que já pode ser considerada mais ou menos rara. Especificamente, essa imagem é a minha edição escaneada, porque eu mesmo não achei uma imagem boa para publicar aqui no Sr. Google imagens. Acontece que a editora tinha feito uma coleção caprichadinha com xilogravuras e outros rabiscos do Segall na capa, mas como só adolescente lê o Kundera e adolescente, no geral, é um bicho muito duro, praticamente todo o acervo do autor foi transferido para o selo de bolso. Não sou muito dado aos fetiches de colecionador, mas depois que eu compro três livros formatados na mesma edição, eu quero ter os outros da mesma forma. De maneira que, se alguém tiver Risíveis Amores ou A Identidade nessa edição, por favor entre em contato para fazermos negócio. Pois bem.

A brincadeiraO livro tem vários personagens principais, mas podemos restringi-los a três: Ludvik, um rapazote entusiasta do partido comunista que um dia, só de brincadeira, manda uma frase trotkista via cartão postal pra uma namoradinha e cai em desgraça eterna por causa disso; Helena, uma moçoila que recebe o pior dos castigos psicológicos vindo do mundo masculinizado e canastrão da literatura do Kundera; e Jaroslav, o último dos folcloristas morávios, que tenta com todas as forças resgatar as tradições ainda que nem todo mundo esteja na mesma pira. Nossa, esse resumo saiu muito mais conciso do que eu tinha imaginado. E resume bem até!

A coisa acontece mais ou menos assim: Ludvik é escrachado nas reuniões de crítica e autocrítica do partido, uma parada muito comum na época que servia pra todo mundo vigiar todo mundo e manter a humildade ao mesmo tempo. O principal carrasco de sua queda é um cara chamado Pavel Zamanek, que vem a ser o marido de Helena. Ludvik vai trabalhar numa mina de carvão junto com outros traidores do movimento e se envolve com uma menininha chamada Lucie, que o atormenta a vida toda por regular a mixaria pro rapaz sedento de sangue nozóio. Depois de muito tempo, quando Ludvik deixa a mina e se torna um carinha amargo, ele resolve tramar a vingança de sua vida, que é: tchanam: comer a mulher do seu carrasco. Sério, cara, é esse seu plano? Daí você entende porque os adolescentes gostam dele, olha que parada mais Malhação! Que revoltinha do pipoqueiro, hein, amigo. Só vivendo num mundinho de muita putaria sexista isso é considerado uma vingança. Mas tudo bem, prosseguimos. Jaroslav, enquanto isso, é um cara considerado por todos por resgatar a cultura Moravia, que é uma cultura da região de Ostrava da República Checa, onde o livro se passa. Ele faz umas procissões, toca música folclórica e nos enche o saco com mais de um capítulo explicando (com partituras até) porque a música morávia de raiz é complicada e única nesse mundo de meu Deus. Isso é legal se você é musicólogo, tá lendo Kundera e opa! Aparece uma referência rasa sobre um tipo de música a que você nunca deu muita atenção. Mas tirando isso, sério, pra quê? Pra mostrar que você manja das putarias? Você deve ser muito divertido em festas, hein, cara? Só que aí, em sua última brincadeira (outra brincadeira), ele vê que é tão sozinho quanto o rei sozinho do seu pequeno ato dramático.

E que podemos mais dizer sobre esse livro? Bom, ele é, primeiro, uma cutucada no comunismo, uma tara que qualquer leste-europeu tem vez ou outra nessa vida. A coisa do partido que se leva a sério demais e que se empenha mais em castigar seus adeptos do que discutir as ideias que podem levar a coisa pra frente, a linha tênue que o regime guarda com um tipo mundano de religiosidade, essas coisas, você sabe. Isso não é novo, só que ele também fez. Depois, é um livro em que o Kundera desfia – não com tanta maestria como na Insustentável Leveza do Ser – o seu medo de ser corno. A traição está em seus livros como a maior de todas as desgraças, e ele fala um pouco mais sobre ela aqui justapondo-a com outro de seus medos: o de parecer um liso que não come ninguém. Por isso, ele mostra, encarnando no personagem do Ludvik (sempre tem um personagem que é ele mesmo), que manja do que a mulherada quer, e sempre que pode solta algo do tipo “então, teve uma vez que comi uma mina assim, teve outra vez que veio uma cocota e aí… pãnz”, etc. Sinceramente, amigo, já passei da idade de achar isso uma parada legal. E, por último, é uma história bem contada sobre vidas na Chéquia, e isso é o que vale pra mim. Vocês podem gostar do que vocês quiserem no livro, mas pra mim, é só um livro bom que se esforça pra ser um livro ótimo e que não consegue e fica elas por elas. Finito.

Comentário final: 352 páginas em papel pólen. Machuca osso, cartilagem, ideologia política e faz uma boa sequela para o século vindouro.

 

Michel Laub – O Gato Diz Adeus

o-gato-diz-adeus-capaAh, os livros curtos! O paliativo dos críticos procrastinadores com metas a cumprir, sempre à mão e, graças à má vontade desse país pra ler as coisas, cada vez mais fácil de encontrar. Eis que estou aqui, enrolando-me com um livro há mais de um mês — algo imperdoável, sei bem eu, mas às vezes a vida é mais do que livros e pede atenção a outros assuntos, mas só às vezes — e chego ao fim de semana sem ter absolutamente o que resenhar. Minhas leituras do passado já estão num canto um tanto inacessível do meu cérebro, e temo comprometer o julgamento com algo que não esteja fresco em pelo menos dois meses. Mas aí vem esse O Gato diz Adeus, quarto romance do gaúcho Michel Laub, com suas 79 páginas, encarando-me num domingo à noite como quem diz “sério mesmo que você é preguiçoso a esse ponto?”. E eu provo pra esse safado que eu não sou, ora bolas. Aqui dentro bate um coração que anseia por mais atitude, e não posso continuar negando meu coração por muito mais tempo, porque uma hora ele cobra seu preço. Então cá estou com essa obra que talvez seja a mais curta já tratada nesse blog cujo nome evoca os grandes e volumosos clássicos capazes de injuriar uma fera ferida no corpo, na alma e no coração. E atenção, corja: tem spoiler.

O Gato Diz Adeus é um desses livros que você acha que entende até que descobre que não entende, se frustra, tenta voltar umas páginas, tenta nadar corrente acima ante o turbilhão de jogos metalinguísticos que o autor joga na sua cara, mas quando você vê, já está imerso em camadas e camadas de texto, tempos pretéritos mais-que-perfeitos, perfeitos, imperfeitos, complicados e perfeitinhos. A história é basicamente uma, que anda até o ponto em que você começa a lê-la, e depois anda de novo até o ponto em que o que você achava que era literatura despropositada é meta-literatura, escrita por um dos personagens. Pois bem, são três personagens, e cada um deles narra um pouquinho do livro. Um parágrafo ou mais, digamos: Sérgio, um escritor com mania de dominação e um pezinho no swing (não aquele swing que tem música, o swing de casa de swing), Márcia, a mulher coitadinha desse sujeito pintado em pinceladas grossas e esparsas como um ser asqueroso ao extremo, e Roberto, um professor universitário que se torna amante de Márcia depois que Sérgio arma o palco pra oferecer a mulher pra ele. E daí tem um gato, que Márcia oferece pro Sérgio numa tentativa de se reaproximar da vida dele uma vez que as coisas meio que acabam. Meio que acabam, esse período conturbado sem fronteiras definidas.

A história vai rodando assim, tipo um jogral: uma hora fala um, outra hora fala outro, e volta e meia alguém dá a entender que o que um disse foi ouvido ou lido pelos outros dois personagens, que comentam a mesma passagem, por assim dizer. No final do livro, Laub diz que o livro “deve algo”, em estrutura, temática e etc, à Caixa Preta, do Amós Oz, que também é um livro sobre separação e que também tem um personagem que é um escritor e é um escroto e que também tem taras sexuais variadas. Além desse, o Enquanto Agonizo, do Faulkner, e A Chave, do Tanizaki, esses dois sobre os quais nada sei porque não li e não cheguei perto ainda (difícil pra caramba achar A Chave, todos os bons escritores comentam esse livro, mas cadê na loja?). Mas enfim, só pra vocês saberem isso aí, porque achei honesto da parte do cara listar sua… hã… bibliografia inspiracional, e porque vai que vocês leram mais do que eu nisso aí e têm outras coisas a acrescentar, né? A Caixa Preta também é contada de forma epistolar e alternada. Ou esse seria o Meu Michel? Ou o Caro Michele, da Natalia Ginzburg? Gente, é muita coisa na cabeça do cidadão, me desculpem.

Michel Laub por Renato ParadaO mais legal do livro é uma personagem que aparece lá pelas bandas da segunda parte, intitulada “Um Grão, Uma Gota d’Água”, que é uma leitora do romance que o Sérgio escreveu, expondo sua história de devassidão e dominação. A mulher, uma estudante de letras na universidade onde o personagem dá aula, já vai esquentando os motores da crítica do livro, vai comentando as passagens e levanta os pontos altos do livro. E você pode pensar que o Laub talvez seja um desses caras realmente preocupados em fazer o leitor entender as minúcias da história, todas elas pensadas, talvez seja só uma brincadeira com esse fato, e talvez seja ainda a criação de um leitor ideal que dá suas pinceladas sobre a própria obra, mas aí a personagem vai aos poucos se sobrepondo à trama e se imbuindo de significado. Não vou dizer mais, mas sei que achei a parada bem inventiva, para o bem ou para o mal.

E no final, aquela pergunta que precisa ser respondida para as pessoas que vem aqui: Esse livro é sobre o quê? Bom, eu diria que é sobre isso: um cara devasso e cruel e o jogo que ele monta pros outros, e como cada um reage a tudo isso. É uma história de submissão, dominação, ciúmes, sentimentos complexos ligados ao voyeurismo e à troca de casais, tudo numa polifonia que, é preciso dizer, peca por não criar vozes próprias, diferentes umas das outras. Mas fora isso, é o que já comentei aqui, e quem gosta de corrida de fundo pode muito bem pegar esse livro num dia preguiçoso. E não precisa se incomodar em achar um marcador de páginas.

Essa capa modernética e neonzótica da Companhia das Letras me faz supor que o objetivo deles com o Laub é fazer uma parada completamente diferente da outra em cada um dos livros dele. Mas por dentro é aquele padrão: Electra em pólen bold pra ver se o livro para de pé com uma gramatura boa. Gosto de capas gráficas, elas dão uma certa aura de grandiosidade e de edição definitiva do livro, sem falar que parece que o cara não conseguiu traduzir em imagens a história, o que é sempre um ponto positivo pro autor.

Comentário final: 79 páginas em pólen bold. Faz machucadinho não, tio.

Ismail Kadaré – O Jantar Errado (Darka e gabuar)

darka e gabuarToda vez que eu faço um post sobre o Ismail Kadaré aqui nessa espelunca eu perco cinco fãs no Brasil e ganho vinte na Albânia. Até hoje tem gente de lá que entra aqui todo dia procurando pelos livros desse simpático sujeito triste que tem a responsabilidade moral de colocar seu diminuto país no mapa e na rota da literatura. O Jantar Errado é seu mais recente romance mas, veja bem, é de 2009. Contudo, não quero ninguém reclamando do delay de quatro anos. Primeiro, porque esse delay é bem menor que o delay do cinema da minha vila, que acredito estar exibindo Titanic por esses dias. Segundo, porque se o Brasil não tivesse Bernardo Joffily, vocês estariam chupando o dedo ou se contentando com traduções indiretas do francês. E tradução indireta é que nem usar duas camisinhas, vocês sabem. O nosso grande Joffily, que até onde sei, também é editor do portal Vermelho.org (a esquerda bem informada, diziam eles), talvez seja nosso único tradutor direto do albanês, mas a sorte dele é que a demanda também não é muita, porque a gente só conhece um escritor da Albânia. Então tá tudo certo.

Pois bem. De todos os livros que eu já li do Ismail Kadaré, O Jantar Errado foi o que eu menos gostei. E vejam que eu tenho a envergadura moral mesmo para espinafrar um auto que eu gosto e conheço muito. Quer dizer, para ser justo, li seis livros dele: Abril Despedaçado, Dossiê H, O Acidente, Uma Questão de Loucura e Vida, Jogo e Morte de Lul Mazrek. Então estou assim, no limiar entre conhecer pouco e conhecer muito da obra de um autor. Gosto de pensar que estou no caminho certo. Ok, então, se a gente pegar três desses livros – Dossiê H, o Acidente e O Jantar Errado – e colocá-los nessa ordem, cronológica (Abril Despedaçado é de antes desses, Uma Questão de Loucura não conta porque é autobiográfico e Lul Mazrek pode ser um ponto fora da curva, vai), dá pra perceber que o autor foi “evoluindo” numa linha de distanciamento do núcleo da narrativa em favor de um sobrevoo geral sobre toda a ambientação do romance. Esse livro é o ponto máximo desse movimento. A história começa falando de dois médicos, o Guramento Grande e o Guramento Pequeno. Os dois tem o mesmo sobrenome, e por causa disso os dois são alvo de comparação para qualquer coisa. Primeiro erro já tá aí. Que introduçãozinha sem vergonha, hein? Conheço gente que faz oficina de escrita criativa que bola coisa melhor do que isso. Bom, mas aí o Guramento Grande ganha mais destaque na história quando o exército nazista (ah tá, o livro se passa na segunda guerra, alright?) invade Girokastra, que é onde se passa o livro e também onde Kadaré nasceu (ele até cita uns parentes dele como figurantes no livro), e o general malvadão vai pra casa do Guramento pra um jantar, porque ele estudou na Alemanha e eles se conheceram lá. O exército prende uma porrada de gente logo de cara como represália por um levante de resistência contra os nazis na entrada da cidade e ele programa a execução de todos eles como forma de retaliação. E aí o Guramento pede pro general malvadão liberar os presos, e ele realmente libera. Só que ninguém sabe a custo de quê, e tampouco o que aconteceu nesse jantar misterioso.

Ismail Kadaré 4Pronto, a partir daí a história entra numa pira meio David Lynch de não explicar direito o que tá acontecendo e ainda conseguir a proeza de te deixar com cagaço da história. Porque aí tem chantagem, gente que não é gente, gente que já morreu e não sabe, enfim, toda a sorte de reviravoltas digna de um Revenge (vocês assistem a esse programa? Recomendo pra quem gosta de ver barraco e climão) que não necessariamente deixam o livro mais interessante de se ler. Isso porque existe algo na literatura do Kadaré que a torna extremamente dispersiva. Não ruim, apenas… dispersiva. Ela requer uma imersão maior na leitura, e ele cobra isso de você com passagens aparentemente insignificantes que se tornam maiores depois.

E agora vocês me perguntariam, “tá, Yuri, mas o que isso tem a ver com o lance do sobrevoo geral sobre o ambiente do romance?”. E eu respondo. Tem a ver que praticamente a primeira metade do livro é narrada de longe. O narrador onisciente passa pela vila fazendo um recorte dos melhores boatos que a população faz sobre a invasão, o jantar, os nazistas e tudo mais, e se constrói isso: um clima geral de vozes anônimas e aparentemente coletivas. Só que você, leitor esperto que lê o Livrada!, sabe que o recorte do narrador já é parcial por si só, e esse clima já está comprometido desde o começo, até porque não aparecem personagens com cara para confirmar esses boatos depois. O resultado, na minha modesta opinião, é porco, e, de novo, saberia encontrar gente em oficina de escrita criativa que bolaria um jeito melhor de retratar o clima da cidade.

Já pelo meio do livro você já flagra como ele vai acabar, se você é desses para quem o mistério é parte principal da experiência de ler um livro. E acho que pro Kadaré é mesmo parte principal, porque o cara discute muito pouca coisa além do romance. E isso é outra coisa que eu não gosto. Acho que ele já foi muito mais preocupado em mostrar as contradições e as idiossincrasias do povo e do país, e agora ele resolveu fazer um fast-pace mixuruca. Fast-pace mesmo, li em um ou dois dias. E o final em si, bem, não é lá essas coisas. É só mais um final triste de um livro do Kadaré que certamente não será sua obra mais lembrada.

Ainda assim, o livro, enquanto objeto, continua uma obra muito bonita graças a não-tão-caprichada-edição-da-Companhia-das-letras-que-ainda-assim-é-mais caprichada-que-qualquer-livro-que-você-acha-por-aí. Papel de boa gramatura, fonte Electra, a minha favorita e uma capa que ainda que não seja inteiramente do meu agrado, orna com a recente mudança no planejamento gráfico dos livros do autor e exatamente por isso me agrada.

Comentário final: 164 páginas de puuuuuuura boataria.

Jeffrey Eugenides – As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides)

The Virgin SuicidesJá viram esse filme, né? As Virgens Suicidas foi para o cinema pelas mãos da diretora Sofia Coppola, que é uma espécie de Midas às avessas: transforma tudo em que põe as mãos em pura merda. Como, por exemplo: história da França. Não sei se alguém viu Maria Antonieta, mas, se não viu, continue assim com essa atitude positiva com a vida e fique longe dessa aberração cinematográfica. E sei que estamos vivendo em tempos muy delicados, em que não faltam dedos para acusar o próximo de sexismo e homofobia, mas a impressão que eu tenho vendo a obra dela é a de que ela transforma toda a realidade sob uma ótica de menininha deslumbrada, uma vibe meio revista capricho, meio jovem indie inculta.

Mas não estamos aqui pra falar da obra da Sofia Coppola, embora ela me sirva de ponto de partida. Pois foi o que pensei quando vi As Virgens Suicidas, o filme baseado no romance de Jeffrey Eugenides. Pensei: “taí um filme que estragou o que deve ser um belo de um livro”. Mas naquela época não conhecia a obra de Eugenides. Tempos depois li A Trama do Casamento, que achei um livro muitíssimo divertido, embora tenha terminado com uma leve impressão de que ele se pretendeu muito mais profundo do que realmente é. Daí peguei esse As Virgens Suicidas pra ler e acho que quando você lê 66% da obra de um autor, você já é capaz de dar um juízo mais ou menos certo sobre sua carreira. E vou dizer que, embora todo mundo me diga que o Middlesex, o outro livro dele que ainda não li, é muito bom, o sujeito é fraco pra diabo. Desses esforçados, coitado, mas ainda assim, fraco. Felizmente pra ele, esse romance virou Cult e agora as pessoas gostam mesmo sem saber o porquê. Bom, eu vou dizer exatamente por que eu não gostei.

Antes de mais nada, uma ressalva à tradução. O título original, The Virgin Suicides, tem um significado diferente da tradução, As Virgens Suicidas, embora pareça a mesma coisa. Do jeito que foi traduzido, tem-se a impressão de que o livro trata de meninas virgens com tendências suicidas, ao passo que, penso eu, o original traduz-se mais como Os Suicídios Virgens (até porque a virgindade das meninas não é exatamente atestada). E eis aí a real intenção do autor, suponho de novo. Tratar do incidente como sendo um ato irracional perpretado por quem não tem experiência suficiente para deliberar sobre a própria vida, verificar se há uma sabedoria tirada da vivência necessária para cometer suicídio, enfim, tentar entender o mistério da vida e da morte que não se explica quando acontece com gente jovenzinha. Mas talvez isso tenha sido culpa do cinema, que (eu acho, mas não tenho certeza) traduziu o filme primeiro e o livro pegou o título pra justificar a frase promocional que vem embaixo.

Pra quem não gosta, pode ter spoiler. Ou não, não decidi ainda, mas por via das dúvidas, se isso te incomoda, não leia. A história, pra quem não sabe, gira em torno de uma família de cinco meninas, um pai e uma mãe, übber religiosos, que é devastada quando a menorzinha se mata assim no mais. O lance vira especulação da mídia, dos vizinhos fofoqueiros, dos colegas de escola, e como se dá a convivência da família com a vizinhança depois disso, até o derradeiro momento quando não sobra mais filha pra contar história. Isso tudo não é spoiler porque é contado pelo narrador (e porque o livro chama AS VIRGENS SUICIDAS, por Tutatis, se você não quer presumir nada a partir desse título, você é um péssimo leitor, sabia?), um dos meninos da escola que vivencia tudo como um atento observador que, décadas depois, tenta reunir com os amigos seus documentos sobre a época para, como disse, desvendar o mistério da morte das meninas. Um narrado que está na história, portanto, mas poderia muito bem não estar, porque é inexpressivamente chato e não participa de quase nenhum momento importante do romance. Aqui, mais uma vez, têm-se o subterfúgio do autor que precisa de desculpa pra escrever suas linhas, não vamos julgar – pelo menos não ainda.

jeffrey eugenidesE aí cabe ao leitor tentar interpretar os acontecimentos à luz da desgraça e concluir o que todo mundo sabe: as minas se mataram porque os pais eram todos Jesus freaks bitolados que não queriam saber de namorinho, mão na coxa e rock n’ roll, elementos essenciais para uma adolescência saudável como todo mundo sabe. O problema é que isso é muito óbvio, e ele sabe que qualquer leitor com três gramas de tutano no cérebro vai conseguir inferir isso da leitura, então ele tenta mascarar com passagens dúbias, as quais, mesmo assim, não apontam para qualquer outra explicação. E no final resolve ainda deixar o caso inconcluído na opinião do narrador-observador. O narrador, aliás, mal cogita essa hipótese do bitolamento dos pais, o que só explana o quanto o Eugenides falha miseravelmente em esconder a obviedade do seu livro, porque os velhos ficam malucos e viram a casa num chiqueiro em pouco tempo, tergiversam do assunto e etc.

O autor faz o diabo, é verdade, pra te convencer do contrário: deixa a entender que pode se tratar de pacto com Satanás, bota a culpa nos garotos, na escola, no julgamento que as pessoas fazem depois que a menorzinha se mata, e até numa música que se chama, vejam só, Virgin Suicide. Mas, tal como Moisés, não consegue. E todo o resto do clima que ele tenta dar pra história é igualmente falho. Um arzinho policial pro mistério das mortes? Não consegue. Uma tentativa masculina de desvendar o espírito de jovens mulheres? Não consegue. Uma intenção de marcar o zeigeist com música pop e menções à guerra? Não consegue. Frases profundas? Não consegue. O livro inteiro é um erro na mão desse cara, e a Sofia Coppola, hoje posso dizer, melhorou a bagaça simplificando e enxergando nele o que todo mundo enxergou, e deixando de lado toda a gordura inútil que ele tentou usar para enriquecer a trama.

Contudo, é preciso dizer, o livro é fácil de ler e é uma leitura agradável de tão boba, dessas que passam rápido e nem se sente. Diria que é um desses livros pra você levar pra ler na praia naquele dia em que cai um temporal e acaba a luz durante o dia. É, esse seria o melhor cenário para se ler Jeffrey Eugenides. E baixe a guarda do seu senso crítico também, senão o pretenso pedantismo desse cara vai te matar de desgosto. Aliás, talvez não devêssemos confiar num sujeito que tem cara de quem está tentando um papel em Don Giovanni versão pornô…

Comentário final: 230 páginas em papel pólen com uma capa horrorosa que parece livro da Meg Cabot. Vou nem comentar mais nada.

Philip Roth – O Professor do Desejo (The Professor of Desire)

the professor of desireEu sei, eu sei, vocês estão pensando “Mas que m…, outro post do Philip Roth em menos de dois meses”. Mas também, problema teu, irmão, peguei uns livros seguidos dele e se não gostou vai ter dois trabalhos também. Uh, tô marrento hoje, mas não: há um bom motivo para se voltar a falar de Philip Roth, em especial nessa semana: isso é porque o senhor da foto aí comemorou 80 anos nesse final de semana, e por essa ocasião especial ganhou fotinha colorida no post de hoje para nos lembrar de que sim, Philip Roth ainda está vivo, embora não esteja mais escrevendo conforme seu anúncio do final do ano passado.

Para os idiotas da objetividade: SPOILER ALERT (sério, me sinto muito mal de ter que colocar isso).

Por isso, resolvi dar uma conferida nesse novo velho livro dele que ganhou nova tradução recentemente. E, antes de mais nada, vamos parar por um minuto para rir desse título ridículo. HOHOHOHOHOHOHOHO, que porcaria de título esse. “O Professor do Desejo”, parece chanchada de Cine Privê da Band, e das bem lazarentas ainda por cima. Tipo com Ron Jeremy no papel do PROFESSOR DO DESEJO. Sério, não sei o que esse sujeito estava pensando quando resolveu dar esse título pro livro, mas acho que deve ser verdade o que dizem: a década de 70 foi muito brega.

Bom, e do que fala exatamente o livro O PROFESSOR DO DESEJO, além de sexo, obviamente. Pra ser bem sincero, não captei o qualé do livro de primeira, e por isso recorri a um expediente de baixo nível ao qual, contudo, não me furto sempre que minha ignorância me encurrala num canto: a orelha. E, oh! A orelha se resume a um único parágrafo, um forte indício que o sujeito escalado para fazer esse trabalho sujo também não manjou muito do romance, ou que achou que seu único parágrafo dava conta do recado. Mas acho que essa é a beleza de um escritor bafejado pela crítica, para usar uma expressão idiomática que sempre me faz rir: seu caráter autoexplicativo, sua densidade que aflora com facilidade à superfície do texto, é tudo muito preto no branco, tudo muito certinho, o equivalente literário ao “filme para quem não quer pensar” que cada vez faz mais sucesso entre os frequentadores de locadora (alguém ainda vai à locadora?). Bom, vejamos o que o sujeito entendido aqui diz:

“Quando estava na faculdade, David Kepesh se considerava “um libertino entre os doutos, um douto entre os libertinos”. Mal podia ele imaginar o quanto esse lema seria profético – ou fatídico. Pois à medida que Philip Roth segue Kepesh da domesticidade da infância à selvageria da possibilidade erótica, de um ménage a trois em Londres às agonias da solidão em Nova York, ele cria um romance de extrema inteligência, pungência e humor sobre os dilemas do prazer: onde o procuramos, por que fugimos dele e como lutamos para obter uma trégua entre dignidade e desejo”.

Ora, poderia fazer um texto só analisando essa pequena orelhinha. Vamos combinar que o sujeito não teve seu momento mais brilhante ao enfileirar “inteligência, pungência e humor”, mas soube que era hora de parar quando mandou “uma trégua entre dignidade e desejo”, claramente o ápice de sua genialidade estilística. Mas ele acertou aqui em um aspecto que me dá um ponto de partida para analisar o livro: “os dilemas do prazer”. Ok, vamos ficar com essa frase por um momento e focar na história.

Philip RothDe fato, David Kepesh, depois de uma infância chata, de chupar uns peitinhos no colegial e de estudar com um maluco claramente gay, resolve ir pra Inglaterra para estudar e conhece duas barangas dinamarquesas com quem faz todo tipo de sacanagem, mas aí volta pros EUA depois de um troço corriqueiro que, de alguma maneira, ativa a paranoia do sujeito (judeus são assustados assim, a julgar por seus outros livros). E aí conhece uma mulher com quem se casa, mas a mulher é maluca e foge, e ele se separa e depois conhece uma outra com quem briga e depois uma outra com quem casa e é feliz, mas fica incomodado com a pasmaceira e fim.

Bom, aqui temos então, basicamente, o esqueleto da história, algo passível de ser encontrado escrito em algum lugar do escritório do Roth, em um bloquinho intitulado “ideias legais para livros que eu ainda vou escrever”. Esse esqueleto permite observar o movimento do escritor sobre suas reais intenções: o protagonista se depara com diferentes esquemas de relacionamentos: um promíscuo, um tradicional perturbado, um conflituoso e um sem graça. E, em cada um desses, aponta seus altos e baixos, sem exatamente elencá-los de maneira óbvia. Tudo isso pra dizer uma coisa: homem é um bicho inconformado que não sabe o que quer. Se tá no marasmo, quer putaria, se tá na putaria, quer marasmo, se briga, quer paz, se tá na paz, quer briga, etc. E veja, não que mulheres sejam tão diferentes assim, mas o Philip Roth, como alguns de vocês sabem, é um sujeito que não se arrisca a botar um pezinho que seja fora da sua zona de conforto, ou seja: não escreve sobre nada que não conheça com suficiente segurança. Por isso, por exemplo, que David Kepesh é judeu, sendo que ser judeu tem muito pouco a ver com um tema tão universal como o desse romance. E por isso ele é homem, estudioso das letras que foi morar na Inglaterra e tudo mais. Muito provavelmente ele não comeu tanta mulher que nem esse protagonista, mas hey, é o efeito Pedro Juan: se seus personagens são comedores, então você deve ser comedor também, né? Ou isso ou o completo oposto, nunca uma zona cinzenta ordinária, seu depravado.

E basicamente é isso a que ele se propõe. Não oferece uma conclusão, não se aprofunda no assunto, só ilustra uma questão pertinente e brinca com ela por duzentas e tantas páginas. Não é o Philip Roth em sua melhor forma, embora tenha aqui todos os elementos de sua literatura: sexo, judaísmo, baixa auto-estima, excesso de autoanálise, um tiquinho de comédia, escatologia e, claro, a própria literatura. Acho que ele resolveu muito melhor a questão do sexo no Complexo de Portnoy, mas hey, se o cara quer ser uma flor de obsessão, quem somos nós pra impedir, né mês? Até porque o livro já foi escrito há quase 40 anos, então nem rola espernear por pouca coisa a essa altura do campeonato. Lê quem é fã, ignora quem não é tão fã e dá uma espiada curiosa quem acha que o tema é pertinente. Mesmo com tudo explicado, O PROFESSOR DO DESEJO ainda é um péssimo título e, acreditem, bem mais decepcionante que Cine Privê da BAND.

Comentário final: 251 páginas em papel pólen soft. Machuca a alma do libertino.